Um protesto altamente divulgado nas mídias hegemônicas. Um leitor desavisado pensaria: “o povo argentino está todo contra o governo Cristina Kirchner”. Argentinos no exterior, argentinos do interior, e o epicentro na Capital Federal. Um dia antes do protesto já se ouviam rumores do que seria o grande 8N. E eu com meus vários pontos de interrogação em relação a uma propaganda bem financiada que põe o governo Kirchner na cruz.
Antes de qualquer coisa, deixo claro o lugar de onde eu falo, o de uma brasileira residente na Argentina há dez meses. Pouca noção eu tinha do que era a politica neste país. Sabia, sim, que aqui há outra lógica. Em menos de um ano já percebo os indícios dessa outra lógica: aqui a cultura é mais importante que o iPad, os empresários andam de metrô, o artista tem espaço para trabalhar, as crianças tem um lugar especial na sociedade, os velhinhos estão ativos nas ruas da cidade e as avós usam batons vermelhos e roupas coloridas. O ser é muito mais valorizado que o ter. Aqui eu encontro gente que veio ser artista, que veio encontrar a si mesmo e se expressar mais livremente.
Há pessoas que reclamam o acesso à alta tecnologia vinda do exterior, a compra de dólares, querem uma maior estabilidade e segurança. Tem gente reclamando por liberdade de expressão. Dentre outras reivindicações, as mais diversas possíveis. Mas quem são essas pessoas?
A segurança é importante, mas o problema é: para quem estão pedindo essa segurança? Macri, um dos apoiadores do 8N, o “guardião da segurança dos portenhos”, quer destruir um grande hospital psiquiátrico para construir um bairro seguro de classe média alta. Liberdade de expressão: recentemente foram tirados os direitos de monopólio de um grande grupo jornalístico. É liberdade de expressão que eles querem?
Não vou colocar em questão as estratégias do atual governo. O que vejo é um desinteresse por estreitar relações com os grandes imperialistas e uma valorização do produto argentino. Existem discursos que não concretam soluções, mas ao mesmo tempo existe muita comunicação do governo para com a população.
Críticas ou não ao atual governo, é preciso questionar um movimento que vem da classe média, da oposição partidária e dos meios de comunicação hegemônicos. Querem trocar a atual situação por qual? Querem liberdade, ou querem privilégios? Querem boas condições para a população, ou querem um governo que mantenha a boa vida da classe média e um maior acesso ao consumo do produto vindo dos país desenvolvidos?
Não importa de que lado se está, o que importa é onde queremos chegar, e aonde se quer chegar com esses protestos. Um protesto nada espontâneo, com muita propaganda financiada pela oposição e pela mídia. Com direito a violência de gênero estampada em cartazes. Um pouco contraditório que uma forma de expressão popular como esta seja apoiada justamente pelos que querem a hegemonia da informação.
Desde onde vem esse protesto? O 8N não propõe construção, são varias pessoas que por algum motivo estão contra o governo kirchnerista e se unem nesse contra, mesmo que os motivos possam ser totalmente contraditórios quando juntados numa só manifestação. Tanto quem manifesta, como o próprio governo Cristina poderiam, diante de toda a repercussão, sair da polaridade contra vs a favor, e ir para algo mais interessante: perceber com mais atenção que dizem as diferentes críticas e de que forma estão sendo expressas as mesmas. Para que uma manifestação como esta sirva como indício de construção, e não como parte de mais um jogo de poder.
Imagem: Tali Feld Gleiser.