Por Rodrigo Savazoni.
Em meio à crise da velha mídia, que princípios poderiam suscitar novo padrão de produção jornalística, ligado à reinvenção da democracia?
Anos atrás escrevi um projeto de mestrado que pretendia desenvolver uma tipificação do que chamo de jornalismo do procomum ou jornalismo commons. Isso tinha muito a ver com as questões em que estava imerso a partir da experiência de dirigir uma agência pública/estatal de notícias, a Agência Brasil, tendo estruturado minha trajetória de jornalista a partir de um duplo movimento: das nascentes redações de internet (comecei minha trajetória na Agência Estado/Portal do Estadão) e das experiências comunitárias de comunicação alternativa (fui um dos fundadores do Intervozes, participei ativamente da Ciranda da Informação Independente do Fórum Social Mundial e de um coletivo de produção jornalística independente chamado EmCrise).
Àquela época, andava pensando sobremaneira sobre as características que definem os produtores de informação na esfera pública interconectada, termo emprestado de um professor de direito de Harvard, Yochai Benkler, que o cunhou em seu livro A Riqueza das Redes. Não fui muito além, o projeto ficou pelo caminho, mas no texto da aplicação teorizei de forma precipitada alguns aspectos desse jornalismo commons. Essa produção é de 2008. Partiria, se tivesse prosseguido na investigação, da premissa de que a configuração de um commons jornalístico depende de afirmarmos a liberdade em quatro dimensões:
- Na infraestrutura;
- No modelo de organização social;
- Nas rotinas de produção de informação;
- Na forma como a informação é distribuída.
Para cada uma delas, há uma série de questões a serem feitas para a conformação desse modelo crítico de análise
1. Infra-estrutura
No que tange à dimensão da infraestrutura, partimos do princípio de que “no mundo da internet, o que você vê, na interface gráfica, é tão importante como o que roda no ambiente dos códigos. Se este não for livre, a liberdade vivenciada é apenas aparente.” (SAVAZONI, 2007, in Observatório da Imprensa1). Trata-se de uma ideia inspirada na visão do advogado estadunidense Lawrence Lessig, para quem, na sociedade da informação, “o código é a lei” (LESSIG, 2006).
De acordo com Lessig, a sociedade em rede é tecnodependente e efetivada por meio de intermediários da comunicação humana e da razão comunicativa. Por isso, os programas, algoritmos, protocolos e padrões precisam ser abertos, transparentes e plenamente auditáveis (LESSIG, 2006).
Nesse aspecto, tanto a utilização como o desenvolvimento de tecnologias livres (softwares livres e de uso gratuito) no processo de produção de informação por parte dos novos atores é de central importância para a sua configuração como integrante dessa nova abordagem.
2. Modelo de Organização Social
O surgimento de atores não-comerciais na atividade de produção de cultura e informação (BENKLER, 2006, pg. 220) permite que grupos e indivíduos, antes confinados ao espaço da não exposição de suas ideias e pontos-de-vista – porque excluídos do telespaço público (BUCCI, 2001) possam fazer parte do poder.
Quem são os produtores dessa nova forma de jornalismo? Indivíduos? Grupos ou coletivos de indivíduos, reunidos em ambientes fora do mercado e do Estado, sem finalidades lucrativas? Pequenas empresas com modelos de gestão alternativo? Como esses novos atores se relacionam com os conglomerados do século 20 e com os conglomerados do mundo da web?
Como descreve Mattelart. “a multiplicação das formas de comunicação, acionadas pelas organizações não-governamentais ou por outras associações da sociedade civil, constitui outra realidade inédita no processo de mundialização; essas novas redes sociais passam a fazer parte do debate sobre a possibilidade de um espaço público em escala planetária.” (MATTELART, A e M, 2006, pg 173)
3. Rotinas de Produção de Informação
Jay Rosen, professor de jornalismo da Universidade de Nova Iorque e autor do blog Press Think, faz referência às “pessoas anteriormente conhecidas como público” (TPFKATA – The People Formerly Known as the Audience). Ou seja, aqueles que um dia foram a audiência passiva, o espectador em sua poltrona ancestral, transformam-se em sujeitos, em atores, em comunicadores. Essa nova modalidade de produtor de informação também é chamado interator (MURRAY, 1997), prosumer (ANDERSON, 2006), produser (BRUNS, 2005) entre outras denominações.
É possível demarcar a emergência desse tipo de ator como uma das características centrais da esfera pública interconectada. Porque é esse produtor de informação – metade público, metade jornalista – que irá propor e realizar um novo modelo de discurso jornalístico: a notícia como conversa e não como palestra (GILLMOR, 2004).
Essa linha de abordagem, em si, tem se revelado a preocupação central de uma série de pesquisadores e estudiosos da comunicação e do jornalismo. No entanto, para efeito deste projeto, nos interessa elaborar um referencial objetivo para verificar de que maneira essa emergência afeta a praxis ética do jornalismo (BUCCI, 2000). Como essa mudança se traduz na existência de canais de colaboração e interação permanentes (Crowdsourcing)? De que maneira isso resulta em uma mudança do papel do jornalismo na sociedade?
4. A distribuição da informação
O quarto aspecto que deve ser considerado na constituição de um referencial de análise para o jornalismo commons é o modelo de distribuição da informação, o que passa necessariamente pelo debate sobre os direitos de propriedade intelectual.
Para esta dimensão do trabalho, a obra de James Boyle (2003) e, mais uma vez, Lawrence Lessig (2002, 2006), são de fundamental importância para observamos a emergência de um novo modelo de produção de informação baseado na troca livre de símbolos e serviços culturais.
O objeto é identificar padrões que compõem um modelo de distribuição livre da informação, como o licenciamento em copyleft e Creative Commons, e analisar de que maneiras a liberdade do conhecimento impacta e modifica a produção de informação veraz.
Essas quatro dimensões, associadas à busca ininterrupta pela informação que liberta, a partir da promoção dos direitos humanos, configuram uma base sólida, a meu ver, para o desenvolvimento de um jornalismo adequado aos desafios do mundo contemporâneo.
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1 ver: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=450IPB001
Fonte: Outras Palavras.