Por Igor Carvalho.
Um acordo intermediado pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Alagoas, a Defensoria Pública da União (DPU) e de Alagoas (DPE-AL), determinou a remoção de 17 mil pessoas de quatro bairros de Maceió: Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto.
As famílias estão com suas residências comprometidas por conta de rachaduras no solo que teriam sido provocadas pela atividade da mineradora Braskem.
Um estudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) constatou três fissuras na região, com 1,5 km cada uma, e concluiu que o fenômeno é resultado da extração de sal-gema, substância utilizada para a fabricação de soda cáustica e PVC. Essa atividade teria gerado instabilidade no solo e tem ocasionado o desmoronamento de casas e asfaltos.
O custo da remoção e realocação está estimado em R$ 1,7 bilhão. Outro R$ 1 bilhão será utilizado para o fechamento de todos os poços – que pertencem à mineradora – de exploração de sal-gema em Maceió.
Todas as despesas sairão dos cofres da Braskem. Em 2019, a empresa já havia comunicado à Agência Nacional de Mineração (ANM) que abdicaria de explorar sal-gema no município. À época, em novembro, a estimativa era ter de remover apenas 1,5 mil moradores.
Apesar de concordar com os termos do acordo assinado no dia 3 de janeiro, a mineradora ainda nega ser responsável pelo afundamento do solo nos bairros.
Para o geólogo e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Abel Galindo, não há dúvidas sobre a responsabilidade da mineradora. “Você está perguntando para a pessoa que não tem nenhuma dúvida sobre o envolvimento da Braskem. Desde o começo, eu coloquei a boca no trombone e apontava a Braskem como culpada”, aponta o docente.
Caso o solo continue cedendo, os bairros podem desaparecer. “Não temos controle sobre esse fenômeno, eu alerto isso faz tempo, se tivesse sido tratado lá atrás, poderíamos ter revertido”, alerta o geólogo.
Cronograma de remoções
A partir de 20 de janeiro, todos os 4,5 mil imóveis dos quatro bairros atingidos devem ser visitados por técnicos sociais para começar o processo de remoção e realocação. Após a identificação do imóvel, será feita uma pesquisa familiar. Em seguida, as pessoas devem procurar a Central do Morador da Braskem e iniciar os trâmites para a mudança.
O estudo deve ser concluído até março deste ano e a Braskem terá até 2022 para concluir toda a operação. Segundo o acordo, moradores receberão R$ 5 mil para a mudança e R$ 1 mil para o pagamento de aluguel. Muitas pessoas que vivem nos bairros afetados já saíram de suas residências, por conta dos riscos de desabamento ou porque a casa cedeu. A mineradora deverá garantir a eles o mesmo benefício.
De acordo com o cronograma estabelecido pelo acordo, a Encosta do Mutange será a primeira área visitada pelos técnicos sociais, por ser considerada a com maior risco de desabamento das residências.
Rachaduras e prejuízos
Em fevereiro de 2018, após uma temporada de fortes chuvas, um tremor foi sentido em Maceió (AL). Ato contínuo, algumas casas, prédios e ruas do bairro do Pinheiro sofreram rachaduras. O fenômeno, a princípio, foi tratado como fato isolado pelos residentes. Porém, em março daquele ano, um novo abalo, de 2,5 na escala Richter, provocou um aumento das fissuras, preocupando os maceioenses.
Após uma chuva forte, minha casa rachou por completo.
O segundo sismo motivou, em junho de 2018, o início dos estudos de solo pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), para compreender o fenômeno.
Um ano depois, em maio de 2019, quando as rachaduras e os buracos no asfalto já haviam alcançado os bairros de Mutange, Bom Parto e Bebedouro, o órgão concluiu que a atividade da mineradora Braskem na região, para extração de sal-gema, era a responsável pelas fissuras no município.
“Após uma chuva forte, minha casa rachou por completo. Atingiu também um prédio próximo da minha casa. Eu estava dormindo, ouvi um barulho forte e pensei que fosse um carro batendo no muro. Quando eu levantei, minha secretária estava dizendo que não conseguia entrar na casa. Para sair da minha casa, tive que arrebentar a porta com um martelo”, afirma Jolinton Barbosa Góes, proprietário da primeira casa a sofrer rachaduras no bairro do Pinheiro.
“As casas vinham rachando e os moradores ajeitando, pensando que o problema era com a estrutura da casa ou deficiência do pedreiro. Nunca associamos isso à exploração geológica”, lembra administrador de empresas Geraldo Vasconcelos, que perdeu a residência e hoje mora na casa do sogro. “Meu prejuízo é de quase R$ 700 mil. Quem pagará por isso?”
Os prejuízos calculados por moradores alcança outro nível da tragédia que toma conta da região, os saques.
Desertos e abandonados, os quatro bairros se tornaram alvo fácil para roubos. “Eu morava em uma casa de 300 metros quadrados (m²) e fui obrigado a sair dela e me mudar. A casa nova tem 67 m², não consegue abrigar todos os meus móveis e tive que deixar pertences na antiga residência. Levaram tudo, até os cabos e a tomada”, explica Barbosa Góes.
Braskem não reconhece responsabilidade
A empresa contestou o estudo divulgado pela CPRM e encomendou um novo relatório do Instituto de Geomecânica de Leipzig, da Alemanha, que recomendou a imediata remoção das famílias que residem no entorno de 15 poços explorados pela Braskem.
“No dia 3 de janeiro, a Braskem e órgãos públicos assinaram um acordo que prevê a desocupação e a indenização dos moradores de imóveis de áreas consideradas como de risco pela Defesa Civil. Ao todo serão cerca de 4,5 mil imóveis desocupados e indenizados pela Braskem. O acordo esclarece que as obrigações assumidas pela empresa não significam o reconhecimento de responsabilidade sobre a ocorrência de rachaduras nos bairros, decorrentes dos eventos geológicos de março de 2018”, afirma a mineradora, em nota enviada ao Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas.