De acordo com o Ministério dos Transportes, a previsão é de investimentos na casa dos R$ 94,2 bilhões (R$ 6 bilhões em recursos públicos e R$ 88,2 bilhões em investimento privado) até 2026, a partir do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), para ampliar a malha de ferrovias no país.
“A tarefa não é simples, uma vez que o Brasil tem dimensões continentais, mas é extremamente necessária. Por isso estamos discutindo novos modelos e pretendemos mais que quadruplicar os recursos aplicados em ferrovias no Brasil nos próximos anos“, disse o ministro dos Transportes, Renan Filho.
A densidade da malha ferroviária no Brasil é de 30,81 mil quilômetros, segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Se comparada à dos EUA, país de extensão territorial similar, a densidade ferroviária brasileira chega a ser quase dez vezes menor, uma vez que os norte-americanos contam com 293,56 mil quilômetros de linhas férreas.
No primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o Ministério dos Transportes, intervenções importantes foram feitas no setor ferroviário: houve, por exemplo, a retomada das obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que corta sete municípios no sul da Bahia, entre Ilhéus e Aiquara.
As obras da Ferrovia Norte-Sul (FNS), que liga Estrela D’Oeste (SP) e Açailândia (MA), foram concluídas. “Demorou 30 anos, mas finalmente está pronta. Estou muito feliz“, disse o presidente Lula em entrevista a uma emissora de rádio.
Além disso, foi criada a Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário, com o intuito de atrair investimento privado e impulsionar o setor, segundo informações do ministério. Também houve a realização de uma consulta pública sobre a Política de Transporte Ferroviário de Passageiros. O parecer foi encerrado no último dia 9 e contou com quase 250 sugestões.
Como está a malha ferroviária no Brasil?
“É inconcebível que o Brasil, com as dimensões continentais que tem, esteja em uma situação tão precária com relação a sua malha ferroviária“, destaca Maurício Pina, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), e coordenador do Comitê de Logística da Academia Nacional de Engenharia (ANE).
Tamanha é a precariedade que, segundo Pina, os poucos mais de 30 mil quilômetros de ferrovia que o Brasil possui atualmente são praticamente os 30 mil de 1925, há quase 100 anos. “Se o Brasil não supera essa questão da sua infraestrutura, nunca vai galgar realmente ao patamar de um país desenvolvido”, avalia.
Como exemplo da defasagem no transporte ferroviário brasileiro, o professor conta que o descumprimento de um acordo inicial firmado entre uma concessionária e o governo federal deixou os portos na Paraíba, em Pernambuco e no Rio Grande Norte sem contato direto com trens de carga. A situação, segundo ele, perdura há mais de dez anos. “Não existe qualquer porto expressivo no mundo que não tenha ferrovia chegando até ele“, pondera.
Em relação ao transporte ferroviário para passageiros, o Brasil tem poucos exemplos, sendo o principal deles o trecho que liga Vitória, no Espírito Santo, a Minas Gerais.
O que é preciso para que o transporte ferroviário seja uma realidade?
Para Pina, o planejamento é fundamental para que o país avance no quesito. Segundo o professor, o Brasil extinguiu seu alcance de planejamento na década de 1990 e a sensação é de que “as coisas passaram a ser feitas na base do improviso”.
Com investimento anunciado através do Novo PAC, o governo federal pretende fomentar a expansão do modal no país.
“Se forem restabelecidas a política de planejamento de transporte no Brasil e, mais do que isso, mais do que o planejamento, a vontade realmente de que as obras sejam executadas, nosso país realmente vai galgar passos”, pontua.
O avanço bem-sucedido no que diz respeito ao transporte de passageiros no Brasil depende também, conforme Rafaela Albergaria, coordenadora do Observatório dos Trens, de políticas de regulamentação, com normas que sejam aplicadas nacionalmente.
“É muito importante estabelecer regramentos que definam normas, protocolos de segurança, que conversem com os princípios de liberdade, de direito à cidade, de garantia de dignidade no transporte público, além de ter agências de regulação que acompanhem, que monitorem a aplicação das obras de ampliação das ferrovias, que deem espaço para participação social e que possam pressionar também pela garantia de direitos, para que não aconteçam violações de direitos na produção dessas ferrovias”, destaca.
Qual é a vantagem do transporte ferroviário em relação ao rodoviário?
O Brasil desde a década de 1960 passou a investir massivamente no sistema rodoviário, principal via de deslocamento interno para os brasileiros. Segundo Pina, 61% do transporte de carga é feito através das estradas.
“O Brasil passou a ser um país eminentemente rodoviário. Há alguns anos ocorreu uma greve de caminhoneiros que praticamente paralisou o país, desabasteceu o país, mostrando a força desse modo rodoviário”, analisa, citando esse como um dos pontos que deveriam mobilizar o investimento em ferrovias.
Outro ponto importante trazido pelo professor da UFPE é um paradoxo: apesar de ser um país dependente do transporte rodoviário, hoje o Brasil conta com poucas rodovias pavimentadas.
“Minas Gerais é maior do que a França. Minas Gerais é um estado brasileiro bem servido de rodovias pavimentadas, é o segundo estado mais bem atendido nesse quesito, só perde para São Paulo. Pois bem, Minas Gerais tem 25 mil quilômetros de rodovias pavimentadas, enquanto a França tem 950 mil quilômetros de rodovias pavimentadas. Veja que coisa desproporcional”, conta Pina sobre o abismo na infraestrutura do modal.
Além disso, citando uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o especialista conta que dois terços da malha rodoviária brasileira apresentam conceitos insatisfatórios, ou seja, são avaliados como regulares, ruins ou péssimos.
Apesar de o custo de “um quilômetro de rodovia” ser mais barato que o de “um quilômetro de ferrovia” — por questões relativas ao relevo brasileiro e às condições geométricas das ferrovias — investir em linhas férreas pode proporcionar um custo bem menor aos produtos brasileiros.”
“Como o Brasil é um país de grandes dimensões, seria um modo de transporte muito eficaz para atender não só ao mercado interno, mas também para fins de exportação. A ferrovia tem realmente essa característica de poder proporcionar um custo bem menor ao transporte dos produtos. O brasileiro paga hoje um preço muito alto, de modo geral, na sua mesa, nos seus alimentos, por questão dessa deficiência na sua infraestrutura. É o que se convencionou chamar de custo Brasil”, acrescenta.
No caso do transporte de passageiros, o professor comenta que as principais vantagens estão ligadas à possibilidade de redução de acidentes nas rodovias e à chance para as pessoas se deslocarem de um ponto a outro com mais segurança e conforto, como acontece em outros países. “Sem dúvida a reativação da política de trem de passageiros no Brasil seria algo bem positivo”, completa.
Expansão de ferrovias passa por cumprimento de metas climáticas
O Brasil determina o investimento em ferrovias como fundamental para a transição energética e o cumprimento de metas climáticas.
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), realizada em Dubai, o secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, apresentou os caminhos que o Brasil pretende traçar na infraestrutura de transportes para estar de acordo com os compromissos ambientais.
“A principal oportunidade para descarbonizar o setor de transportes brasileiro é apostar em um maior equilíbrio na matriz de transportes, priorizando modais que emitam menos gases de efeito estufa, como o ferroviário e o hidroviário. Nesse esforço, a conclusão das principais obras de infraestruturas do país ligadas à adoção de novas tecnologias poderá gerar até 13,7% menos emissões de poluentes provenientes do transporte de mercadorias”, disse o secretário.
No que diz respeito às metas climáticas e de transição energética, Rafaela Albergaria avalia que o transporte ferroviário é uma saída fundamental para dar respostas a essas demandas. “Hoje no Brasil, especialmente nos centros urbanos, 60% das emissões de carbono estão na conta do transporte rodoviário”, avalia.
Ainda que não seja o principal meio de transporte terrestre de carga, “o transporte sobre trilhos é uma alternativa estratégica para minorar o tempo de viagem e dar mais eficiência ao deslocamento“, destaca Albergaria.
Para cumprir de fato com a agenda climática, Albergaria avalia que o governo precisa realmente se comprometer a romper com a utilização de combustíveis fosseis.
“Isso tem relação com o compromisso que o governo ainda tem com as empresas automobilísticas, mas está longe de ser a solução para a integração entre os modais. O Brasil precisa avançar em modelos que possibilitem zerar a emissão de carbono, que estejam conectados com a demanda de novas fontes de energia renovável; o transporte ferroviário sobre trilho, principalmente pensando no transporte terrestre, é central para essas soluções”, completa Albergaria.