Por Ana Rosa Moreno, Puebla, México, para Desacato.info.
Tradução para Desacato.info: Elissandro dos Santos Santana.
Eu lembro que a cada primeiro de setembro não tínhamos aulas, ninguém ia trabalhar, todos tínhamos que escutar o relatório presidencial que chegava a durar mais de três horas e, no outro dia, nós estudantes devíamos fazer um relatório sobre o que o atual presidente havia falado. Os relatórios presidenciais no México sempre foram cartas bonitas de amor, onde o presidente pinta uma realidade bonita e perfeita de um país que não conhecemos, já que não existe. O que se diz nos relatórios? Fala-se das conquistas, dos progressos, das políticas sábias, da presença do país no exterior. E por muitos anos essa foi a dinâmica, o presidente chegava ao Congresso da União para prestar contas às duas Câmaras de Deputados e Senadores, lia um longo discurso, havia aplausos, ovações e sua transmissão era total, tanto no rádio como na televisão. No entanto, devido a alguns inconvenientes, o formato foi mudando até o que vimos neste 1° de setembro.
O relatório de governo tem sido determinado desde os primeiros anos do México independente, porém, é de 1929 a 2000 (anos em que o Partido Revolucionário Institucional, porém, com distintos nomes, governou o país) quando se instaurou, por ordem da tradição, o chamado “Dia do presidente”. Nesse dia, o presidente se vestia com ares de grandeza, estilo caudilho do Revolucionário Institucional, bandeirinhas e aplausos. O relatório era um centro de louvor e lambe-lambe.
Foi em 2006 que o formato começou a mudar, e isso se deve ao fato de que durante o Sexto Relatório do então presidente Vicente Fox Quesada, do Partido Ação Nacional (PAN) foi interrompido e zombado. O ex-presidente teve que se retirar da tribuna e decidiu entregar seu resumo ao presidente da Mesa Diretiva culpando aos legisladores de não lhe permitirem dar sua mensagem à Nação. Este relatório foi o mais curto na história deste tipo de evento oficial no México.
Foi com o ex-presidente Felipe Calderón Hinojosa que se enterrou definitivamente “o Dia do presidente”. Teve-se que mudar o formato do relatório, de maneira drástica já que com os inumeráveis intentos de boicote do candidato perdedor do Partido da Revolução Democrática, Andrés Manuel López Obrador, tendo a presidência, os seguintes relatórios tiveram que se realizar quase que furtivamente. Ato seguido, o presidente entregou seu resumo por escrito à Mesa Diretiva e este foi rejeitado porque a presidenta em mandato da mesa, a “perredista” Ruth Zavaleta, não reconhecia seu governo. Então, teve-se que reformar o artigo 69 da Constituição dos Estados Unidos Mexicanos para eximir o presidente de assistir e apresentar o relatório no Congresso e o discurso agora se daria no Palácio Nacional.
É com nosso bonito e bem preparado graduado Enrique Peña Nieto que o relatório se converteu em um programa de televisão comercial, já que seus prestigiados e honoráveis assistentes, além de serem políticos e empresários, são artistas de televisão e programas de humor de celebridades deram reportagem dos vestuários dos assistentes e, óbvio, dos artistas assistentes. A praça principal da capital serviu de estacionamento para receber os carros do ano por causa da concorrência tão honorável. E daí se mudou ao encontro de jovens para apresentar o quarto relatório.
Este quarto relatório foi realmente diferente, pois o presidente Peña Nieto decidiu convidar a 300 jovens de diferentes setores e classes sociais (segundo ele), a dinâmica mudou, cada assistente formulou uma pergunta e, em seguida, introduzida em uma urna; o presidente respondeu as perguntas que iam selecionando (não foram muitas) e antes da etapa de perguntas e respostas, ele mostrou um vídeo dando um rápido resumo de realizações deste ano.
Do que se falou? De transformações, das reformas, de suas conquistas e que apesar disso, há insatisfeitos em vários setores; os que lhe criticam porque existe pobreza, o crime ameaça à sociedade, a corrupção e a impunidade estão na ordem do dia e que o crescimento da economia é insuficiente, porém, ele tratou de dizer que não devem ficar zangados e que, para conseguir progresso, deve haver a participação dos mexicanos. Peña Nieto considera que são os jovens preparados os que devem levantar o país (29.9 milhões de mexicanos entre 15 e 29 anos de idade não estudam nem trabalham. Fonte OCDE). Peña Nieto falou da reforma educacional na qual assegurou melhores professores, melhores escolas e melhores planos de estudos. Ademais, disse que as praças já não se podem vender ou herdar.
Da criação da Secretaria de Cultura onde se prevê um orçamento de 17 bilhões e 32 milhões de pesos anuais para a difusão de espaços culturais e de apoio.
Do programa PROSPERA que busca ajudar às famílias com poucos recursos, dispõe de bolsas de estudos que foram dadas a 6.8 milhões de estudantes, do seguro de vida para as chefas de família, que, no caso de suas mortes, seus filhos seguirão bolsistas e terão um montante para ajuda com os gastos funerários. Pensão para as pessoas da terceira idade. Estes sim são dados reais que eu mesma confirmei.
A cobertura nacional do Seguro Popular onde se construíram e reabilitaram 600 hospitais e 3 mil clínicas e, ademais, 6.6 milhões de estudantes desfrutam já deste serviço. Este programa te assegura um serviço de saúde gratuito ou, em alguns casos, você deve fazer uma contribuição mínima, porém, às vezes, costuma ser um serviço lento, chega a haver escassez de remédios e há negligência médica.
Sobre segurança, o presidente presumiu o investimento em tecnologia para limitar o crime, dos juízos penais públicos e orais que lhes fazem rápidos e transparentes; ademais, falou do novo Sistema Nacional Anticorrupção, encabeçado pelos mexicanos (nunca disse quais seriam as funções e os limites dos mexicanos neste programa). Relembremos que ainda não há justiça para Ayotzinapa, Atenco, Tlatlaya e Nochixtlan.
Por último, falou do fim da cobrança da chamada internacional, quer dizer, falar com os Estados Unidos ou Canadá te custará o mesmo que uma chamada nacional; ademais, falou da redução do preço da internet.
Dados diversos como os créditos ou apoios para melhorar ou adquirir uma casa e o apoio aos empreendedores às famosas Pymes e crédito jovem (empréstimos do governo federal aos jovens para que possam empreender um negócio).
Peña Nieto afirmou que seu trabalho focou em melhorar a educação, lutar contra a pobreza, a segurança, o combate à corrupção e o respaldo à economia familiar.
O vídeo terminou com uma frase que se tornou viral por tão imbecil que é “As coisas boas não se contam, porém contam muito”. Minha pregunta é: de que coisas boas falou que eu não as vi?
Após o vídeo, teve início o ciclo de perguntas e respostas, as quais foram muito poucas e algumas bem idiotas. Eu, realmente, senti esta dinâmica de relatório parecida com uma competição ridícula de programa de televisão.
Os jovens que, ademais, se mostram barbeiros (serviçais e aduladores) lhe perguntaram se existiam outras notícias novas para o México, que sim já se havia promulgado a Lei que defende a pessoas com capacidades diferenciadas, sobre o erro em convidar a Donald Trump e torná-lo como chefe de Estado depois de que o empresário estadunidense havia insultado e ameaçado aos mexicanos, o plágio da tese na qual o presidente afirmou que ele mesmo a escreveu em máquina de escrever e que pode ter feito citações equivocadas ao longo do trabalho, porém não plagiado. Outras perguntas lhe ajudavam a legitimar a reforma energética e educativa e a limpar a imagem da CONADE (Comissão Nacional do Desporto).
Um jovem lhe chegou a perguntar por que leva tanta gente em suas viagens oficiais e por que ele não havia apresentado seu relatório em 3 de 3 (é um relatório de transparência onde os servidores públicos declaram propriedades e dinheiro no banco), o presidente argumentou que leva as pessoas que trabalham com ele (ao primo, a tia, ao cunhado, ao compadre, etc.) e sua segunda resposta foi que como ainda não se promulgou a Lei 3 de 3 não tem a obrigação de apresentar seu relatório.
Também pode se gabar de sua iniciativa levada às Câmaras para reconhecer o matrimônio igualitário.
Alguém lhe chegou a perguntar sobre o ocorrido em Ayotzinapa e Nochixtlan ao que o argumento foi que se houve excesso de abuso de força, porém, será a Procuradoria Geral de Justiça a encarregada por investigar e demarcar responsabilidades a quem corresponda. Menciono supostos avanços com respeito aos direitos humanos argumentando que o número de recomendações dado pela Comissão de Direitos Humanos tem diminuído e que todas as ações estão em consonância com os protocolos dos Direitos Humanos.
Sobre a Reforma Energética lhe colocaram a seguinte pregunta: por que a gasolina seguia subindo se ele havia prometido que isso não aconteceria? Ele respondeu que em 2015 terminaram os aumentos nos preços da gasolina, porém que nunca se comprometeu que não seriam feitos aumentos. Também argumentou sobre a redução na conta de luz e gás, o que é uma total mentira, porque quando teve início este mês foi anunciado um novo aumento a ditos insumos.
Ao final, como para dar-lhe credibilidade ao assunto, um jovem lhe disse a Peña Nieto que igualmente seria popular e amado se tivesse bons resultados. Como um presidente pode ser popular se ganhou mediante fraude eleitoral, tem uns filhos prepotentes e de gostos caros, com uma esposa que esconde casas e uma lista de reformas estruturais que atentam contra nossa economia, educação e segurança, além dos desaparecidos e do aumento dos feminicídios?
Para terminar, não gostei deste relatório, pois senti que as perguntas foram planejadas para que o presidente respondesse as partes que havia decorado no texto, os jovens aduladores, calados e atentos não questionaram realmente ao presidente. Não houve pressão ou controvérsia e não houve debate nem intercâmbio de ideias. Esta dinâmica foi colocada para que o presidente mostrasse que não é estúpido. Saberá Deus o que nos prepara para o próximo ano!