Textos e fotos por Marcela Cornelli.
Para você sua saúde não tem preço. Mas para o mercado tem. Essa é a ótica capitalista dos novos modelos de privatização da Saúde como as Organizações Sociais (OSs), OSCIPS (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), fundações, Parcerias Públicos Privadas (PPPs) entre outrass. Para falar do assunto abordado durante o 1º Seminário Catarinense em Defesa do SUS realizado nos dias 5 e 6 de novembro, na UFSC, compuseram a mesa de debates n anoite do primeiro dia do evento, a professora doutora da Escola de Serviço Social da UFRJ, Sara Granemann, a professora aposentada do Departamento de Saúde Pública da UFSC, Clair Castilhos Coelho, e a Diretora do SindSaúde e membro do Conselho Estadual de Saúde, Simone Hagemann. O evento foi promovido pelo Fórum Catarinense em Defesa do SUS e contra as Privatizações, do qual o Sindprevs/SC e o SindSaúde fazem parte, com apoio da Universidade Federal de Santa Catarina e do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Gestão Voz Ativa.
“Qualquer forma de privatização do Fundo de Saúde Pública deve ser combatida”, disse a professora da UFRJ, Sara Granemann. A professora classificou as formas de privatização em clássicas e as não clássicas. As clássicas seriam as realizadas na era FHC como o leilão da Vale do Rio Doce e de serviços como telefonia e energia elétrica. Hoje, no entanto, está ocorrendo a privatização nos moldes dos novos modelos, que se apresentam disfarçadamente como modelos públicos de gestão, mas permitem a possibilidade da entrada do capital privado aproveitando-se das políticas sociais.
“Como dizer que as Organizações Sociais, por exemplo, não são públicas, ou que a EBSERH não é uma empresa pública?”, questionou a palestrante. “Com o nome Empresa Pública é mais difícil entender a privatização do que com a venda das ações da Vale do Rio Doce leiloadas na bolsa de valores. Artifícios ideológicos políticos são mais difíceis de serem desvelados”, disse. “A privatização do fundo público é o elemento central para a estabilização do modo de produção capitalista e impedir que a taxa de lucro caia”, completou Sara. Ela expôs que quando o modo de produção capitalista entra em crise, como, por exemplo, a crise do subprime dos Estados Unidos, é o dinheiro público que é usado para socorrer os capitalistas.
Segundo Sara Granemann, em pesquisas realizadas no Rio de Janeiro para tentar entender as Organizações Sociais que estão gerindo a educação, a saúde e o esporte naquele estado, verificou-se que os nomes fantasias que estão surgindo por trás das OSs são ligados a nomes de famílias que concentram o poderio de riquezas do País. “Ainda é difícil de se provar algo, mas estamos pesquisando isso”. Ainda de acordo com a pesquisadora, 48% do dinheiro do fundo público vai para o pagamento dos juros e a amortização da dívida pública, dinheiro este que vai para os mesmos bolsos dos grupos financeiros que estão por trás das OSs, cada vez mais se retira do dinheiro público para dar aos ricos e cada vez menos se distribui para os pobres.
Do total do Orçamento de 2012, 3,18% do fundo público vão para a educação, 3,98% vão para a saúde, 0,25% para a reforma agrária e 48% vão para os juros da dívida pública, mostrando uma distribuição desigual das riquezas do país. “O fundo público do País é integralmente produzido pelos trabalhadores, mas o que volta para os trabalhadores? O capital privado se apropriando do fundo público é uma forma de extrair mais valia dos trabalhadores”, alertou Sara.
“É preciso fazer o enfrentamento e a luta de classes”
A professora aposentada do Departamento de Saúde Pública da UFSC, Clair Castilhos Coelho, falou sobre a saúde pública em tempos de neoliberalismo e a ótica do mercado. Ela abriu uma brecha na sua fala para criticar a Rede Cegonha do governo federal, colocando que a política da saúde da mulher deve ser integral e não só no período de gestação, considerando o programa como um retrocesso na discussão da saúde da mulher no País.
Clair ressaltou que, na visão do capitalismo vem o ajuste fiscal e o equilíbrio entre receita e despesa, a restrição na participação do estado na economia, mas o que se vê na realidade é o estado mínimo para o social e estado máximo para o capital.
A palestrante lembrou que o Brasil neoliberal mostrou suas garras nas políticas de Bresser Pereira no governo FHC, mas afirmou que o governo Lula e agora o governo Dilma vêm reproduzindo essas políticas, tendo como uma das formas as parcerias com o setor privado através das OSs, OSCIPS, PPPs e EBSERH. Recordou que a MP para criação da EBSERH foi enviada no dia 31 de dezembro de 2010 no Congresso Nacional, época em que trabalhadores e sindicatos estavam desmobilizados. A Medida Provisória caducou e a Presidente Dilma reenviou então para o Congresso um Projeto de Lei. “Lula e Dilma assumiram o discurso neoliberal, preferiram ouvir empresários como o o presidente do Grupo Gerdau, do que ouvir o povo”, disse Clair. “Os 20 maiores bancos do mundo encabeçam o mercado global. Os 10 maiores fundos controlam 17, 4 trilhões de dólares”, observou. Para Clair, é necessário fazer o enfrentamento e a luta de classes para se garantir o fim das OSs. “Como podem estar superados os conceitos como luta de classes se o capitalismo está aí?”.
Simone Hagemann, Diretora do SindSaúde e membro do Conselho Estadual da Saúde, abriu sua fala lembrando das terceirizações que já existem a algum tempo nas cozinhas, lavanderias e laboratórios dos hospitais públicos. Lembrou que o então governador do estado, Raimundo Colombo (PSD), se elegeu em 2010 dizendo que sua prioridade de governo seria a saúde e prometeu que entregaria os 14 hospitais públicos do Estado para as Organizações Sociais. A palestrante ressaltou que a entrega dos hospitais são não aconteceu até agora à resistência dos movimentos sindical e sociais.
Simone disse ainda que o falso conceito de que o SUS é ineficiente é herança da era FHC e que os novos modelos de gestão têm sido apresentados como a solução para a saúde pública. Ela lembrou unidades públicas já estão nas mãos das OSs como o Hemocentro de SC (Hemosc), Centro de Pesquisas Oncológicos (Cepon), Hospital Infantil de Joinville, Hospital Regional de São Miguel d´Oeste, Hospital de Araranguá, SAMU e serviços de humanização do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt de Joinville.
“O Cepon já está no décimo termo aditivo para destinação de mais verbas para que a OS possa cumprir o que está no contrato de gestão”, colocou Simone. “A OS têm autonomia para decidir como vai executar os serviços. Os servidores são cedidos para a iniciativa privada, as unidades são extintas do organograma do governo, a empresa privada que vai gerir a unidade recebe o prédio, os equipamentos e as verbas públicas para fazer o que bem entender”, alertou.
“Segundo o relatório do TCU sobre o PPA de 2012/2015 o governo destinou R$ 800 milhões para 8 OSs e R$ 726 milhões para 14 unidades públicas. A empresa de São Paulo que está gerenciando o SAMU, a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), tem 6 mil questionamentos na justiça”, disse Simone. “É preciso lutar pela ampliação do orçamento do SUS, contras esses novos modelos de gestão privatistas, por concurso públicos e pela valorização do servidor”.
Simone lembrou que umas das lutas dos servidores da saúde, atualmente em greve, é para barrar as OSs no Estado e em defesa do SUS 100% público, gratuito e para todos.