Por Aline Scarso e Michelle Amaral.
Parecem shoppings. Prédios suntuosos, fachadas espelhadas e imponentes. Centros de convivência que oferecem desde livrarias até salões de cabeleireiros. Grandes praças de alimentação. Este é o cenário encontrado em boa parte das maiores universidades particulares do país, que cada dia mais preocupam-se com o embelezamento de suas estruturas como forma de atrair mais alunos. Estes, por sua vez, são tratados como clientes, que contratam um serviço e têm a obrigação de pagar por ele. Caso contrário, são impedidos de terem acesso ao ensino e às dependências das instituições.
“Não é espaço público, é privado. Colocam catracas e só entra quem é estudante e estudante pagante. Aquele que não paga tem a credencial bloqueada até regularizar o pagamento”, conta Donizete Sanches, aluno do curso de Ciências Sociais da Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo. Ele mesmo já passou por esse constrangimento quando atrasou o pagamento da rematrícula, por dificuldades financeiras devido ao desemprego. “Cheguei atrasado e não consegui entrar para assistir às aulas”, conta o aluno, que só teve acesso à universidade após emitir um cheque como garantia do pagamento da parcela.
Especialistas avaliam que essa é uma tendência no ensino superior privado do país, justamente pelo fato de essas instituições terem assumido o papel de empresas prestadoras de serviços. “E, como empresas, pensam prioritariamente nos lucros e na concorrência com as demais instituições”, pontua o Coletivo Saída de Emergência, que reúne estudantes de universidade privadas do Piauí para a construção da Comissão Estadual da Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre (Anel).
Crescimento desenfreado
Rondon de Castro, secretário do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), explica que o impulso para que as universidades privadas tivessem o caráter comercial foi dado pelo próprio governo federal. Na década de 1990, o Brasil concedeu a elas vantagens fiscais para que deixassem de serem geridas por fundações e se transformassem em empresas. Foi então nessa década, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que houve o pontapé inicial para o crescimento desse tipo de instituição. Isto porque o governo brasileiro precisava cumprir as metas estabelecidas pelo Banco Mundial para que o país recebesse ajuda financeira. “O Brasil concordou com o Banco Mundial em cumprir metas de adaptação ao mercado internacional e as universidades eram um dos pontos fixos. Nós concordamos em transformar as universidades, justamente, em casas de formação de mão de obra”, afirma Castro. Nos oito anos de governo FHC, o número de instituições privadas de ensino superior dobrou, passando de 684, em 1995, para 1.442, em 2002.
Daniel Iliescu, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), lembra ainda que o aumento das universidades particulares só foi possível devido ao projeto neoliberal em curso no país, que criou o ambiente propício para a proliferação destas instituições. A partir daí, segundo ele, “houve uma expansão desenfreada, sem qualquer controle de qualidade e de função social das universidades privadas”.
Os governos seguintes mantiveram a expansão. Atualmente, das 2.365 instituições de ensino superior, 2.081 são particulares e apenas 284 são públicas, conforme dados do Censo da Educação Superior 2011, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeirado (Inep) do Ministério da Educação (MEC). Dos mais de 30 mil cursos oferecidos no ano passado, 20,5 mil foram abertos pelas particulares. Além disso, 73,7% dos alunos matriculados em 2011 no ensino superior brasileiro estão no setor privado.
As universidades particulares contam, ainda, com isenções fiscais por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) que, desde 2005, somam mais de R$ 3 bilhões. Além disso, as instituições têm garantido o ingresso de estudantes que não poderiam pagar imediatamente pelas mensalidades através do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Atualmente, mais de 500 mil universitários estudam por intermédio do Fies.
Segundo o Coletivo Saída de Emergência da Anel, “aplicar essa política de privatização da educação se tornou bastante cômodo para o governo, uma vez que cabe a ele apenas depositar dinheiro público no setor privado, sem se responsabilizar pelo seu bom funcionamento”.
Uma reportagem da revista inglesa The Economist, divulgada em setembro deste ano, afirma que nenhuma das instituições particulares de ensino superior do Brasil “tem o prestígio ou os recursos das melhores universidades públicas” e “algumas são pouco mais que fábricas de diplomas de qualidade duvidosa”.
Fábricas de diploma
Segundo dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) 2011, os piores desempenhos foram registrados em universidades e faculdades particulares. Em todo o país, menos de 2% conseguiram a nota máxima. Para Walcyr de Oliveira Barros, diretor do Andes, isto se deve ao fato de as universidades particulares se dedicarem cada vez menos à pesquisa e à extensão. Ele explica que, por estarem de forma essencial envolvidas com atendimento ao mercado, essas instituições passaram a ser locais de certificação apenas. “Tanto que, de uma forma geral, em torno de 90% da pesquisa produzida no país é feita basicamente nas instituições públicas”, pontua.
As particulares, por sua vez, utilizam justamente do discurso de inserção no mercado de trabalho como a principal forma de atestar a sua excelência e atrair mais alunos. “O ensino superior particular investe na qualidade das instituições e de seus cursos oferecendo a oportunidade aos seus egressos de ocuparem a maioria dos quadros de funcionários das maiores organizações”, afirma Sólon H. Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES). Segundo ele, o aumento dessas instituições “é uma tendência que deverá permanecer, haja visto a necessidade de mão de obra para atender as demandas de crescimento do país”.
Acessibilidade Denis Nunes, formado em Jornalismo pela Universidade Mogi das Cruzes (UMC), conta que a necessidade de ingresso ao mercado de trabalho foi um dos elementos fundamentais em sua escolha de universidade. Somado a isso, também está o deficiente ensino recebido na escola pública nos níveis fundamental e médio. “Era fora da minha realidade pensar que um dia conseguiria entrar numa universidade pública. Além disso, com o imediatismo para a decisão do meu futuro, não queria fazer cursinho para me igualar ao aluno que estudou durante toda a vida em escola particular”, relata.
Em 2011, as universidades particulares absorveram mais de 1 milhão de estudantes provenientes da rede pública, enquanto nas universidades públicas ingressaram aproximadamente 500 mil. O maior ingresso desses estudantes no ensino privado se justifica pela facilidade de acesso a essas instituições, que não têm vestibulares concorridos como as públicas. “Se não tenho condições de pagar um ensino básico de qualidade, as chances de eu conseguir uma vaga em uma universidade pública são extremamente reduzidas”, afirma Henrique Godoy, que se formou em História na Uninove. Para ele, existe uma inversão de papéis na educação superior brasileira, “onde a universidade pública serve as classes mais favorecidas, e a maioria das universidades particulares acaba sendo a única opção para as classes mais baixas”.
Em defesa do governo, o MEC afirma que está trabalhando para melhorar o acesso também às universidades públicas. “Apesar do forte crescimento da rede privada na década passada, por meio da política de expansão das universidades e institutos federais o Ministério da Educação tem atuado para fortalecer o acesso ao ensino superior também nas instituições públicas”, informou através de sua assessoria de imprensa.
Fonte: Brasil de Fato
Imagem: Alunos passam pelas catracas da Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo – Foto: Rodrigo Alves