Quando a violência na mídia vira problema da Justiça

Por Pedro Caribé*.

Dia após dia ganham força as críticas a um vídeo estarrecedor do programa policialesco Brasil Urgente, edição da Band Bahia. Na matéria, uma repórter, loira, faz chacota com um suspeito, negro, dentro de uma delegacia. Cenas como essa são recorrentes no conteúdo emitido por emissoras de TV aberta no país, especialmente na Bahia.

É natural que se procure pesar a responsabilidade aos concessionários, ou mesmo uma ação em defesa dos princípios éticos do jornalismo. Um decreto presidencial (nº 52.795) de 1963 institui, no Art. 28 (incluído em outro decreto de 1983), que as concessionárias ficam sob a responsabilidade de “não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.

Porém travar esse embate no campo da regulação de conteúdo propriamente é um hábito pouco afeito à sociedade brasileira. Caímos, infelizmente, no senso comum de que o único controle sob o conteúdo é o controle remoto, e o contrário é tentativa da esquerda retrógada de censurar a imprensa.

Filmagens em delegacia

Ainda assim, as possibilidades de barrar essas aberrações não se esgotam. Resta outro caminho na Justiça que pode ser mais até mais frutífero do que imaginamos. Isso mesmo, Justiça, está aí a chave do problema. Imagens como esta têm fatia grande de responsabilidade das instituições policiais do estado da Bahia, ou mais precisamente, a Secretaria de Segurança Pública. Sim, o cidadão está sob a tutela do Estado e não precisa ser advogado para se resignar com o fato de estar algemado, dentro de uma delegacia, e ser acusado sumariamente, sem direito a julgamento.

Há mais de dois anos situações como essas têm sido acompanhadas por uma equipe do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da Facom/UFBA, com apoio do Intervozes e Cipó Comunicação. Pesquisadores, coordenados pelo diretor da faculdade, Giovandro Ferreira, têm sistematizado os elementos discursivos e éticos que compõe esses programas. Já as entidades têm buscado, via Ministério Público, Defensoria, Conselhos de Direitos e sob parceria de outras organizações sociais desatar, o nó para impedir a continuidade.

Já se passaram audiências, reuniões, seminários, denúncias, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para adequar questões da infância e adolescência… Há anos, o delegado chefe da Polícia Civil na Bahia já determinou que não se permitissem filmagens internas em delegacia. Mais uma “letra morta”.

A aliança entre policiais e programas de TV

Durante um seminário no auditório da Facom UFBA, em setembro de 2010, a então promotora da 1ª Vara Cível do Júri, Isabel Adelaide, citou algo ainda mais assustador: na maioria dos casos que se transformam em matérias dos programas não são coletadas provas suficientes para condenação dos acusados, tornando os casos infundados e falaciosos. Isabel Adelaide também confessou na ocasião que a ficha corrida dos policiais-fontes é mais extensa do que se possa imaginar.

Mas os policiais e comunicadores que dão prosseguimento à esses atos continuam impunes. Não falta poder político, econômico ou mesmo religioso para barrar as investidas. Na arena do governo do estado, basta ligar a rádio ou TV e ouvir quantas vezes secretários de estado são citados como “amigos” por apresentadores ícones desses programas, fora os investimentos publicitários. Na Assembleia Legislativa o delegado-deputado Deraldo Damasceno (PSL) integra a extensa da base do governo e era grande fonte de reportagens quando comandava a 5ª delegacia de Periperi.

Durante a greve dos policiais em fevereiro de 2012 o governo parece ter experimentado do veneno da aliança entre policiais e programas de TV para promover o pânico. Mas parece que o executivo estado não aprendeu, e assina seu próprio atestado de incompetência no Pacto pela Vida, no quesito relacionamento com a sociedade.

Poucos põem fé no Conselho

A partir de janeiro de 2012, as entidades e universidade têm no Conselho de Comunicação da Bahia um espaço institucional para dar prosseguimento à indignação. O papel do Conselho é encaminhar as denúncias de violações aos órgãos competentes. Não pode punir, por não ser um órgão regulador federal, nem aparato da Justiça. Contudo, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos está presente no órgão de caráter deliberativo e consultivo, e o titular da pasta, Almiro Sena, é um promotor licenciado, conhecido por ter enfrentado esses programas na sua casa originária e envolvimento tênue com o debate racial.

O Conselho pode virar mais uma tentativa em vão. Utilizar apenas o caráter consultivo para não resolver nada. Há muitos que acreditam nisso. Poucos botam fé no contrário. Eis o meu caso. Não apenas por ser membro do Conselho. Mas por compreender que determinados contextos históricos estão chegando na Bahia…

Ah, tem um livro sobre um assunto, do qual sou um dos autores: A construção da violência na televisão da Bahia: um estudo dos programas Se Liga Bocão e Na Mira, Ed. Edufba, 2011.

*Pedro Caribé é jornalista e integrante do Intervozes. Em 2011 foi eleito como um dos representantes da sociedade civil no Conselho Estadual de Comunicação da Bahia]

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br

Foto: http://outrocanal.blogfolha.uol.com.br/

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