Qual o segredo do Orfeu blumenauense?

Por Gregory Haertel* e André de Souza**. 

Foto: Rafaela Martins

A temporada de estreia do espetáculo Orfeu 21 surpreendeu a todos, tanto ao público como aos artistas. O público aprovou com louvores o resultado, não escondendo a surpresa com o fato de o espetáculo ter atingido um alto grau de realização artística mesmo sendo uma produção local. Já os artistas se surpreenderam com a recepção calorosa que tiveram, visto estarem acostumados a ver grandes esforços serem prestigiados por plateias que raramente ultrapassam uma centena de espectadores.

Vale, então, perguntar: qual é o segredo deste Orfeu blumenauense?

Para tentar responder a esta pergunta, a redação convidou André de Souza e Gregory Haertel (responsáveis respectivamente pela música e pelo texto da obra) para conversarem um pouco sobre o processo de criação e produção de Orfeu 21.

Gregory: Talvez um jeito legal de começarmos esta conversa seja a de tentarmos entender a importância do Teatro Carlos Gomes na realização do espetáculo musical Orfeu 21.

André: Eu acredito que Orfeu 21 é um produto da Sociedade Dramático-Musical Carlos Gomes. A entidade, que nasceu como um grupo de amigos que se reunia para montar espetáculos teatrais com música, nada mais fez que buscar a realização de sua missão original. Apesar de muitos pensarem ter sido um feito inédito, basta dar uma olhada na história do Teatro Carlos Gomes para constatar as inúmeras realizações encabeçadas pelo maestro Heinz Geyer, sempre prestigiadas pelo público local. Por alguma razão, no entanto, esta missão esteve de alguma forma adormecida nas últimas décadas.

Gregory: Mas parece que este cenário está mudando…

André: Felizmente! Blumenau cresceu, se desenvolveu, e a relação do TCG com a cidade também mudou. Para muitos ainda ficou a marca de uma sociedade elitista que não permitia o acesso universal às suas atividades. Hoje, porém, a instituição mantém inúmeros programas de atividades culturais, promovidos pelas suas escolas de música, dança e teatro, que atraem pessoas de todos os cantos da cidade e de cidades vizinhas, das mais diversas origens sociais.

Gregory: O Teatro Carlos Gomes não apenas aprovou a ideia da realização do musical, como também deu todo o apoio para o projeto, buscando patrocínios e reconhecendo o trabalho artístico como uma atividade profissional valorosa para a nossa sociedade. Além disto, o teatro contou com o Rodrigo Dal Molin, o produtor que acreditou e que comprou a ideia deste musical.

André: Este é o segundo aspecto que acho importante ressaltar: a atividade artística e cultural vem se profissionalizando cada vez mais, e as pessoas que trabalham com arte estão buscando uma qualificação e se especializando em diferentes áreas da produção cultural. O grande sucesso do espetáculo seria impossível sem uma produção competente e sem os mecanismos atuais de financiamento à cultura. Neste sentido, Orfeu 21 representa um grande passo na direção de uma ampliação da produção cultural da região, por ter demonstrado de maneira cabal que temos profissionais competentes e público interessado em número suficiente para sustentar uma atividade artística constante no Vale do Itajaí.

Gregory: E o Orfeu 21, propriamente dito?

André: Quanto à obra em si, eu diria que o espetáculo transcende o seu local de origem e fala para o mundo, por tratar de questões universais e de fundamental importância para a sociedade contemporânea numa linguagem pós-moderna tanto na música como na estrutura dramática. É quase difícil de acreditar que conseguimos chegar tão longe – lembra como era a ideia no começo?

Gregory: Eu me lembro que, lá pelos idos de 2009, tu me convidaste para escrever o libreto de um musical baseado no mito de Orfeu, uma ideia que já tinhas há algum tempo. Este convite não era uma “encomenda”. Era o convite para, como realmente aconteceu, uma parceria. Muita gente pode imaginar que o processo de criação é algo que se dá solitária e instintivamente, mas no caso do libreto deste musical, desde o início tu participaste ativamente.  Lembro que nos reuníamos quase que semanalmente para decidir a melhor sequência de cenas, o melhor local para os números musicais, mudanças e soluções para as letras das músicas, etc… Acredito firmemente que este diálogo constante foi um dos grandes trunfos para a unidade final entre texto e música.

André: Sem dúvida! Música e texto estão tão bem entrelaçados que me arrisco a dizer que este é um dos grandes motivos para a aprovação quase que unânime que o espetáculo teve em sua temporada de estreia. Ironicamente, este processo se tornou possível justamente pelo longo tempo que decorreu desde a proposta inicial até a aprovação do projeto pela lei Rouanet e a subsequente captação dos recursos. A arte, assim como a vida, tem realmente caminhos tortuosos, que parecem não fazer sentido quando olhamos para o futuro, mas se revelam perfeitamente lógicos e coerentes quando olhamos para a sequência dos acontecimentos.

Gregory: A gente vinha brincando, nas semanas antes da estreia, que tínhamos que agradecer aos deuses porque “tudo o que podia dar certo estava dando certo”. O envolvimento de todos os artistas que participaram do musical (e são inúmeros para que consigamos citá-los todos), a paixão com que todos se entregaram, as soluções sempre sensacionais do Pépe (Sedrez – diretor geral) e da Bice (Beatriz Niemeyer – diretora das coreografias), a qualidade do casal central (Fábio Hostert e Luca Martins), o cenário do Enzo (Monti), a iluminação do Giba (de Oliveira), o figurino da Rose (Reddin), a escolha da banda Orfeus (Perpetual Dreams),enfim, tudo conspirou a favor deste Orfeu blumenauense. Mais de 100 pessoas envolvidas, a grande maioria saindo da sua “zona de conforto” de produção artística, todos aceitando correr esse imenso risco juntos… Olhando em retrospectiva, isso tudo que aconteceu é algo que me emociona profundamente.

André: “Emoção” é uma das palavras-chave do nosso Orfeu; a outra, na minha opinião é “aprendizado”. Justamente por causa da integração entre as áreas artísticas todos nós aprendemos muito, e construímos um know-how que vai nos permitir sonhar cada vez mais alto e produzir muitos espetáculos.

Gregory: Eu só tenho a te agradecer, André, por teres me convidado para esta parceria, e agradecer a todo mundo envolvido na realização deste musical. Muito obrigado!

André: Acho que a melhor forma de agradecer aos artistas e ao público é escrever um novo musical – o que achas?

Gregory: Quando? Agora? Estou dentro. Totalmente dentro.

Sobre o espetáculo Orfeu 21

O espetáculo Orfeu 21 estreou dia 2 de maio e ficou em cartaz até o dia 6 do mesmo mês no Teatro Carlos Gomes (TCG). Envolveu 130 artistas, entre professores e alunos das escolas de música, dança e teatro do TCG, além de diretores, assistentes e técnicos. É uma produção inédita, com texto e música originais. Orfeu 21 traz ao palco a história de Rogério, interpretado por Fábio Hostert, famoso vocalista da banda pop Orfeus que se casa com Alice, vivida por Lúcia Helena Martins, uma bailarina. A felicidade do casal é interrompida quando a moça é vítima de uma infeliz fatalidade. A partir daí, Rogério busca encontrar um sentido para continuar cantando durante a longa espera.

Foto: Jaime Batista

Ficha Técnica:

Texto: Gregory Haertel

Música: André de Souza

Direção geral artística: Pépe Sedrez

Direção Coreográfica: Beatriz Niemeyer

Direção de Produção: Rodrigo Dal Molin

Foto: Jaime Batista

* Autor do texto de Orfeu 21. [email protected]

**Compositor e diretor musical de Orfeu 21. [email protected]

Fonte: Revista Expressão Universitária, junho 2012.

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