Quais os desafios na implantação da reforma do ensino médio nas escolas

Por Tatiana Dias.

O Senado confirmou na quarta-feira (8) o texto da Medida Provisória que institui a reforma nacional do ensino médio. Agora só falta o presidente Michel Temer (PMDB) assinar – e não há chance de isso não acontecer. Temer classificou a reforma como um “instrumento fundamental para a melhoria do ensino” no país.

A reforma do ensino médio tramitava em forma de projeto de lei elaborado por uma comissão especial de deputados desde 2013. O governo Temer, entretanto, decidiu acelerar o processo via MP editada em setembro de 2016. A justificativa do ministro da Educação, Mendonça Filho, é de que há uma “necessidade urgente de mudar a arquitetura legal desta etapa da educação básica” motivada, principalmente, pelos maus resultados dos estudantes no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

As MPs entram em vigor assim que são publicadas, ou seja, têm efeito imediato, restando apenas ao Congresso confirmá-las ou rejeitá-las. A maneira como o processo foi conduzido, sem diálogo com a sociedade e os envolvidos, motivou duas ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que ainda irá julgar a questão. Não há previsão para que isso aconteça.

A reforma quer implementar o ensino integral – no mínimo sete horas por dia – em parte da rede, de maneira gradativa. Também prevê a flexibilização do currículo. A ideia é que os estudantes façam as disciplinas básicas e possam adaptar o currículo à área que pretendem seguir ou têm mais afinidade.

Eles terão apenas algumas disciplinas obrigatórias: matemática, português, educação física, artes, filosofia e sociologia. As duas últimas estavam de fora do texto anterior, mas acabaram incluídas na votação do texto no Congresso. O restante do currículo será organizado em “itinerários formativos” – ciências da natureza, humanas, linguagens e formação técnica e profissional – a serem escolhidos pelos alunos. Michel Temer diz que o modelo aproximará “a escola do setor produtivo”.

Na prática, a reforma, apesar de já estar valendo desde setembro de 2016, será implementada de forma gradual, pelos Estados, responsáveis por essa etapa do ensino. A expectativa é de que as mudanças previstas pela reforma estejam em funcionamento a partir de 2019. Até lá, Estados e direções regionais de ensino buscarão a melhor forma de fazê-lo.

Especialistas em educação consultados pelo Nexo, no entanto, dizem que a maneira como o processo foi conduzido – sem debate prévio com o setor educacional – pode dificultar a implementação da reforma. Além disso, há gargalos e questões que só aparecerão quando as mudanças, de fato, começarem a fazer efeito para os estudantes.

Os desafios práticos para a implementação

ELA DEPENDE DA COMUNIDADE ESCOLAR

Tradicionalmente, mudanças no setor educacional são discutidas de forma ampla e aprofundada – a própria reforma já vinha sendo debatida desde 2013 no projeto de lei na Câmara. Essa discussão aproxima a comunidade escolar do tema e faz com que eventuais dificuldades na implementação sejam solucionadas ainda na fase de projeto.

“Não dá para fazer uma reforma sem discussão porque senão ela não pega. Faz parte do processo de implementação a participação dos envolvidos no processo”, diz Antonio Gomes Batista, coordenador de desenvolvimento de pesquisas do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária). “Participando, as pessoas se tornam co-autoras e vão se apropriando da política. E a implementação caminha de forma mais suave.”

“Na educação não se toma decisão por MP. É uma área muito complexa, as mudanças têm de acontecer de uma forma mais pensada e planejada. E isso demanda mais tempo”, disse ao Nexo Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do Movimento Todos pela Educação. Para os especialistas, uma decisão tomada de forma vertical é mais difícil de ser implementada, pois depende dos professores e educadores que desconhecem a política. “Não há representação estudantil que apoie a reforma do ensino médio, muito menos professores”, disse ao Nexo Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A BASE SÓ VEM DEPOIS

Segundo a reforma, 60% do currículo escolar será das disciplinas da base. Mas o que é a “base”? Na prática, ela ainda não foi definida. Em discussão no Ministério da Educação, a Base Nacional Comum Curricular, decidirá quais são as disciplinas obrigatórias para os estudantes no país. Mas ninguém sabe, ao certo, o que ela conterá.  “Durante todo o processo, o nível de debate sempre foi muito restrito”, critica Antonio Gomes Batista.

Suas versões anteriores foram discutidas levando em conta o modelo tradicional do ensino médio e não o reformado. A expectativa é de que o governo apresente a nova versão da base, pensada para a reforma, até o meio do ano de 2017.

O ENSINO FUNDAMENTAL E O ENEM

Os currículos do Ensino Fundamental e dos exames de ingresso no ensino superior terão de ser adaptados para o novo ensino médio. “Tudo leva a crer que o Enem será modificado”, diz Antonio Gomes Batista. Não se sabe, no entanto, como serão feitas essas mudanças. “Primeiro o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) irá se adequar e em seguida deve haver uma reação em cadeia que adeque os demais vestibulares”, diz Daniel Cara.

ENSINO INTEGRAL

A reforma prevê que parte das escolas terá ensino integral. O problema é que haverá um aumento considerável nos gastos para os Estados – que já estão com os cofres esgotados. “A tendência dessa reforma concreta é que a implementação da educação em tempo integral se dê apenas quando tiver suporte do governo federal”, diz Daniel Cara. Além disso, a maior carga horária pressupõe um bom projeto pedagógico – o que não foi detalhado na reforma. “Imagina fazer em 7 horas o que se faz muito mal em quase 5 horas. Não é simples a agenda da educação integral”, diz Cara.

A relação entre a reforma e a desigualdade

O governo defende que a expansão da rede integral será feita como combate à desigualdade. “O sistema atual é o mais injusto do mundo. Cerca de 25% dos jovens de 17 anos que deveriam estar no terceiro ano do ensino médio estão fora da escola, ou seja, um milhão de jovens. Só haverá um país justo, próspero, econômica e socialmente se houver uma educação fortalecida”, declarou o ministro da Educação ao defender a expansão do ensino integral.

Para os dois especialistas, no entanto, a mudança no currículo e a implantação do ensino integral têm potencial de agravarem a desigualdade social no país.

A implantação dos itinerários formativos, por exemplo, quer permitir que os estudantes escolham as áreas a que eles querem se dedicar. O texto da reforma diz que “os sistemas de ensino poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área”. Mas não obriga, de fato, as escolas a ofertarem todas as áreas. Assim, sistemas com mais condições financeiras poderão investir em infraestrutura mais cara, como escolas técnicas, por exemplo.

“Vivemos em um país extremamente desigual e as redes têm condições completamente diferentes. A oferta dos itinerários pode se tornar desigual conforme a capacidade de cada uma”, diz Falzetta. “Pode ser que você não tenha condição de ter isso em todos os Estados. Os alunos que ficam em determinada região não vão ter?”, questiona.

A implantação do ensino integral em parte da rede provoca o mesmo questionamento. O governo defende o aumento da carga horária para os estudantes – e já aprovou uma portaria para incentivar a implantação de mais escolas com ensino médio em tempo integral. “É uma coisa boa em tese, garante mais tempo de estudo”, diz Antonio Gomes Batista.

O problema, segundo ele, são os alunos que já têm melhores condições socioeconômicas que conseguem estudar em escolas integrais, que garantem melhores resultados. Os mais pobres ficam com o ensino parcial – porque, em geral, também precisam trabalhar. “Há uma desigualdade de base, reproduzida na escola, que contribui para a desigualdade estrutural. Nada disso foi discutido”, diz Batista.

Fonte: Nexo. 

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