Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.
A Unila, por sua posição geopolítica, desempenha um importante papel no processo de integração latino-americana, mas isso dependerá da continuidade das políticas iniciadas e implantadas no governo Lula e Dilma.
Caso a presidenta eleita, de forma democrática e legal, seja destituída a partir do golpe suave que se instalou e que está em vias de consolidação no Brasil, o projeto de integração que tomou corpo e fôlego por meio de políticas de criação de universidades como a Unila, teremos o sonho da integração destruído.
Continuando a discussão, é importante pontuar que a Unila é prova cabal de que é possível integrar-se; que em tempos de fronteiras líquidas, os entrelaçamentos culturais ocorrem em todos os lugares, “entre-lugares” e em não lugares, abalando certezas e propiciando a ruptura de paradigmas de forma muito mais rápida do que em outros períodos da história.
O contato cultural sempre ocorreu por meio de processos antropofágicos e hibridismos, mas, na Pós-modernidade, esse fenômeno se dá a partir de instâncias mais velozes de (não)aglutinação de conhecimentos, valores, informações e produção de sentidos nas construções societárias de todo o planeta. Os aglutinamentos, muitas vezes, se processam por somas culturais, mas, em outras ocasiões, por apagamentos das tradições no interior das culturas em contato, gerando estremecimentos ou aniquilamentos de “eus-culturais nacionais” para “outridades globais” de cultura.
Em um mundo pautado pela lógica globalizante, o local e o nacional, fortemente enraizados nos princípios da tradição ou tradução do que seria tradição, de repente, balançam diante das mudanças e percebem que o mundo está em movimento, bem como as identidades que antes eram ou pareciam fixas.
Na Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai, os trânsitos culturais são múltiplos, propiciando trocas, apagamentos, somas e formas de pensar em movimento. Nesse transitar culturalmente, ocorrem encontros e desencontros que, se não forem geridos, podem propiciar caldeirões para o fomento de medos, preconceitos e fundamentalismos.
O fluxo na fronteira, nas fronteiras dentro das fronteiras e, até no centro das nações, exige um estudo aprofundado em torno de termos como: nacionalidade, transnacionalidade, antropofagia, hibridismo, tradição, tradução, modernidade, pós-modernidade ou modernidade tardia[1], multiculturalidade, dentre outros campos conceituais.
No cenário atual, as fronteiras tornam-se cada vez mais diluídas, fluídas e o fenômeno da integração desponta como necessidade não somente para o crescimento econômico, mas, principalmente, para o encontro de povos e culturas. Diante de uma sociedade em movimento, já não há espaço para o nacionalismo resistente, pois, na Aldeia Global, o encontro com o outro é condição sine qua non para que a consciência nacional dê lugar à consciência planetária.
Na integração de povos surge o novo e as diferenças; estas, em vez de causarem estranhamentos e estigmas, contribuem para o princípio da criatividade e da cultura da mudança.
O nacionalismo não precisa ser anulado; ao contrário, surge como ponto de partida para outros olhares e, assim, ser ponte com arquiteturas culturais outras, possibilitando a produção de saberes coletivos, transnacionais e realimentando práticas de produção e designs mentais mais sustentáveis de desenvolvimentos socioculturais.
As realidades históricas, linguísticas, políticas e sociais da região fronteiriça despontam como espaços de pesquisa para análises profundas em torno da dimensão das vozes plurais, logo, polifônicas, a partir das culturas em contato e como esse encontro possibilita a produção de conhecimento e transformação sócio-política nas comunidades de fronteira. Diante disso, haverá a possibilidade de análise política, identidade, formação e constituição da cultura latino-americana na e para além dos limites divisores.
Por meio do estudo dos elementos da identidade na intersecção com a cultura será possível compreender o poder da identidade em integração e como tal fator opera a mudança na cultura local por meio da própria linguagem dos sujeitos em ação e atuação em espaços de vivência e transformação do ser local para a consciência do ser global.
O Brasil, por suas peculiaridades, mesmo que possua uma história parecida com a de países vizinhos pertencentes ao MERCOSUL e, também, com a de outros países latino-americanos, distancia-se em alguns pontos como a língua, a geografia e até de elementos históricos específicos importantes para a construção do imaginário da nacionalidade brasileira. Esses distanciamentos são responsáveis por noções sobre o ser latino ou não sê-lo na memória coletiva do povo brasileiro.
Sabe-se que essa imagética de pertencimento ao mundo latino, seja cultural, social, histórica e, quiçá, econômica, está muito mais presente no discurso de povos dos países vizinhos do que na consciência do brasileiro, o que, no mínimo, é preocupante, pois em tempos globalizantes, o encontro de povos pode ser a válvula para o progresso, despertando a emancipação do elemento criativo e o sentimento de coletividade a partir de aportes empíricos sociais em conjunto, pluralidade de olhares e enfoques, novas formas de organização, aparecimentos de novas demandas e dinâmicas de desenvolvimento e produção socioculturais, reconfiguração de sujeitos em cena entre nações e não somente no íntimo do nacionalismo, construção de novas identidades coletivas mais complexas, geração de novos direitos culturais e ampliação do campo participativo nos marcos de novas formas e arquiteturas de poder.
Ainda que a consciência de ser latino-americano não esteja presente na discursiva de muitos atores sociais no Brasil, que, quando indagados sobre uma identidade latina, afirmam-se brasileiros e desconhecem a identidade em continente, a Carta Magna Brasileira, de 1988, traz, em seu bojo e corpus, o objetivo de unidade com os povos irmãos no Continente. No entanto, ainda que, constitucionalmente, haja espaço para essa proposta integrativa, de 1988 até o contexto atual, o sonho de integração não avançou muito e o Mercado Comum do Sul, porta-voz para a integração, passou por alguns entraves burocráticos e políticos que impediram a consolidação de uma identidade entre povos.
O Brasil começou a colocar em prática o sonho de integração, seja pela consolidação do MERCOSUL, seja pelo projeto da UNASUL, pela tentativa de criação da Universidade do MERCOSUL, canal que seria imprescindível para a geração de conhecimento no Bloco que se pretendia muito mais que união aduaneira, um corredor de livre circulação de pessoas com suas culturas e seus olhares sobre a existência; a existência de tal instituição geraria a cultura do saber em rede, partindo-se do pressuposto de que o conhecimento transforma, mas que, infelizmente, não vingou, de fato, por conta das diferenças nos sistemas educacionais entre os países envolvidos, diferenças estas que, de per si, já corroboram que o sonho de integração ainda não ocorreu nem em vias mínimas. No entanto, a luta por uma integração, ainda que tenha fracassado no plano burocrático no que tange aos emperramentos de sistemas díspares de produção de saberes, ganhou força com a criação de um centro de pesquisa, extensão e ensino na fronteira, com o aval da nação brasileira, que, como potência econômica em consolidação na região, criou a UNILA, uma Instituição comprometida com a integração latino-americana, a partir de fundos e investimentos brasileiros, mas que, mesmo assim, recebe estudantes de países do MERCOSUL e América Latina em geral, principalmente, da Argentina, Uruguai e Paraguai, com o objetivo precípuo de proporcionar o encontro de povos, línguas, culturas e aprender com isso.
A localização da UNILA e seu projeto de produção de conhecimento na fronteira é um objeto científico de estudo importante para entender até que ponto os três países em confluência vivem uma integração no Sul, além de verificar quais políticas podem ser repensadas e colocadas em prática para que o encontro de povos propicie um novo olhar em rede e, assim, produza conhecimentos em ação transformadora para além do espaço em questão, atingindo dimensões ainda maiores como todo o MERCOSUL e, até mesmo, em projeções como a UNASUL, a partir de epistemologias próprias, desvinculadas de visões epistemológicas deslocadas emprestadas do Norte. Nesse âmbito, investigar as contribuições da Universidade Federal da Integração Latino-Americana surge, para além da investigação das contribuições da referida Instituição, para o desenvolvimento socioeconômico e formação da identidade cultural latino-americana, como oportunidade para perceber como a Unila possibilita o esfacelamento dos paradigmas colonizadores de pensar entre os povos da fronteira e de que maneira isso se estende para o interior do Brasil, Argentina, Paraguai e outros países da América Latina.
Diante de uma instituição universitária em vias de consolidação na Tríplice Fronteira, o estudo em torno das contribuições da Unila para a integração latino-americana, desponta como oportunidade para investigar as contribuições dessa universidade para a formação da identidade cultural latino-americana, principalmente, entre estudantes e docentes brasileiros.
Enfim, a UNILA, em minha opinião, desponta como o coração do sonho brasileiro da integração latina. É um espaço para encontros de povos, línguas, culturas e saberes em geral. São muitas as lições que ainda poderemos aprender e apreender com esta instituição rumo à integração, mas como externei anteriormente, tudo depende dos rumos da política brasileira. Com o respeito à democracia e retorno de Dilma, teremos novos diálogos e retomadas de integração, caso contrário, com a passagem da interinidade de Temer à concretização enquanto presidente, teremos a desintegração do sonho latino-americano.
[1] Termo apresentado por Stuart Hall.
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