Levantamento da Repórter Brasil revela os partidos e políticos que se beneficiaram com doações de empresas e pessoas incluídas na “lista suja” do trabalho escravo
Por Stefano Wrobleski.
A partir do cruzamento de dados do Cadastro de Empregadores flagrados com trabalho escravo, mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (mais conhecido como a “lista suja” do trabalho escravo) e as informações de doadores de campanhas eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral, organizadas pelo Portal Às Claras, a Repórter Brasil mapeou todos os candidatos e partidos beneficiados entre 2002 e 2012 por empresas e pessoas flagradas explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão. PTB e PMDB são os partidos que mais receberam dinheiro dos atuais integrantes da “lista suja” no período e o recém-criado PSD é o que mais recebeu dinheiro na eleição de 2012. Confira abaixo o panorama geral dos últimos dez anos:
Ao todo, 77 empresas e empregadores flagrados explorando escravos que constam na lista atual fizeram doações a políticos, o que equivale a 16% dos 490 nomes. Eles movimentaram R$ 9,6 milhões em doações, em valores corrigidos pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O levantamento mostra que os quase R$ 10 milhões se distribuem entre 23 partidos políticos, considerando as doações feitas aos seus candidatos ou diretamente às agremiações, através de seus diretórios regionais. Como a inclusão de um nome na “lista suja” demora em função do processo administrativo decorrente do flagrante, no qual quem foi autuado tem chance de se defender, e considerando que, em linhas gerais, as doações eleitorais são fruto de relações prolongadas e não pontuais, a Repórter Brasil incluiu mesmo doações feitas em pleitos anteriores à inclusão no cadastro. O levantamento informa as doações dos atuais integrantes da relação, e não de todos os que já passaram por ela.
PSD torna-se o favorito
Em 2012, ano da última eleição, o país tinha 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aptos a concorrer. Naquele ano, os candidatos do novato PSD – fundado em 2011 pelo ex-prefeito de São Paulo (SP) Giberto Kassab – receberam R$ 171 mil de oito nomes da “lista suja”. A cifra representa 22% do total dos R$ 769 mil doados por escravagistas para as campanhas de 2012 e faz do PSD o partido que mais dinheiro recebeu para o pleito.
Considerando a soma das doações nos seis pleitos realizados entre 2002 e 2012, o partido que mais se beneficiou com dinheiro do trabalho escravo foi o PTB, que recebeu mais de R$ 2 milhões de 16 nomes da “lista suja” do trabalho escravo. No entanto, metade desse valor veio de somente uma doação da Laginha Agroindustrial a João Lyra em 2002. Hoje filiado ao PSD, o deputado federal pelo Alagoas é dono da empresa produtora de cana-de-açúcar flagrada por duas vezes mantendo trabalhadores em condições análogas às de escravos. Em 2008, 53 pessoas foram libertadas no Alagoas. Dois anos depois, outros 207 foram resgatados em Minas Gerais. Hoje em recuperação judicial, a Laginha é a listada na relação atual de flagrados explorando mão-de-obra escrava que mais doou às campanhas eleitorais: a empresa enviou um total de R$ 4,2 milhões a três comitês financeiros partidários e 15 políticos de Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais, como o governador mineiro Aécio Neves (PSDB) em 2006 e o ex-prefeito de Maceió (AL) Cícero Almeida em 2004 e 2008, quando foi candidato pelo PDT e pelo PP respectivamente.
Já o PMDB, segundo colocado entre os partidos que mais receberam de escravagistas, teve como beneficiárias 40 candidaturas ao longo dos dez anos estudados. O valor de R$ 1,9 milhão contribuiu para que 12 prefeitos, seis vereadores e três deputados federais fossem eleitos. Somente o produtor rural José Essado Neto doou R$ 1,6 milhão ao partido, que o abrigou por três pleitos até alcançar o cargo de suplente de deputado estadual em Goiás em 2010, quando declarou à Justiça Eleitoral ter R$ 4,3 milhões em bens. Ele entrou na “lista suja” do trabalho escravo em dezembro de 2012, depois de ser flagrado superexplorando 181 pessoas.
Doações ocultas
No Brasil, a lei eleitoral exige que os candidatos prestem contas e deixem claro quem financiou suas campanhas. Deve ser discriminado, também, todo o montante que veio do próprio candidato – as chamadas “autodoações”. Dos R$ 9,6 milhões gastos por escravagistas em campanhas eleitorais, R$ 2,3 milhões – ou quase um quarto do total – vieram de 19 pessoas nessa situação, ou seja, políticos flagrados com trabalho escravo que doaram a si mesmos. O recurso, no entanto, dá margem para corrupção, permitindo que os pleiteantes a cargos eleitorais sejam financiados “por fora” e injetem o valor na campanha como se fosse proveniente do seu próprio bolso, ainda que não seja possível presumir que seja esse o caso dos políticos da relação.
Outro possível artifício para se ocultar a quais candidatos serão direcionadas os recursos é a doação aos diretórios partidários, como explica a reportagem de Sabrina Duran e Fabrício Muriana para o projeto Arquitetura da Gentrificação sobre a atuação da bancada empreiteira na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Por meio dessa modalidade, os valores são distribuídos pelo partido ao candidato, sem que o próprio partido tenha de prestar contas e informar de quem recebeu o dinheiro. Os integrantes da “lista suja” do trabalho escravo usaram esse expediente em 36 ocasiões diferentes, totalizando R$ 1,3 milhão, valor cujo destino não é possível ser conhecido.
Escravagistas e ruralistas
Entre os que têm defendido publicamente proprietários de empresas e fazendas flagradas explorando trabalhadores em condições análogas às de escravos no Congresso Nacional estão integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada Bancada Ruralista. Os integrantes de tal frente pertencem a partidos que estão entre os que mais receberam dinheiro de escravagistas.
A votação na Câmara dos Deputados da PEC do Trabalho Escravo, que determina o confisco de propriedades em que for flagrado trabalho escravo e seu encaminhamento para reforma agrária ou uso social, é um exemplo de como o interesse dos dois grupos muitas vezes converge. Dos seis deputados federais em exercício na época da aprovação da proposta na Casa que foram financiados por escravagistas, três se ausentaram da votação, conforme é possível ver no quadro ao lado. Três votaram pela aprovação.
Em outros casos, tais associações também ficam evidentes, como no processo de flexibilização da legislação ambiental com a reforma do Código Florestal. A mudança, que diminuiu a proteção às florestas nativas e foi aprovada em abril de 2012, teve apoio dos seis partidos que mais se beneficiaram com doações de escravagistas e que, juntos, receberam R$ 7,9 milhões, ou 82% do total (confira o placar da votação da reforma do Código Florestal no site do O Eco).
Outras empresas
O levantamento levou em consideração a “lista suja” do trabalho escravo tal qual sua última atualização, de 17 de setembro, o que exclui empresas que forçaram suas saídas da relação através de liminar na Justiça, como a MRV, e outras que devem entrar em atualização futura, como a OAS.
Nos dois últimos anos, a MRV foi flagrada em quatro ocasiões diferentes – em Americana (SP), Bauru (SP), Curitiba (PR) e Contagem (MG) – explorando trabalhadores em condições análogas às de escravos. A empresa é uma das maiores construtoras do Minha Casa, Minha Vida, programa do governo federal de moradias populares instituído em 2009. Nas eleições de 2010 e 2012, a construtora doou um total de R$ 4,8 milhões a candidatos e partidos políticos, em valores corrigidos pela inflação.
Já a OAS foi autuada no mês passado por escravizar 111 trabalhadores nas obras de ampliação do Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo. Terceira empresa que mais fez doações a candidatos de cargos políticos entre 2002 e 2012, a empreiteira desembolsou R$ 146,6 milhões (valor corrigido pela inflação) no período. A OAS também faz parte do consórcio que venceu a licitação para a concessão do Aeroporto de Guarulhos à iniciativa privada no ano passado.
Fonte: Repórter Brasil.