Conforme adiantou o Jornalismo B ainda em agosto, o governo de Rio Grande do Sul decidiu cancelar o acordo com a subsidiária da israelense Elbit Systems, a AEL Sistemas, localizada em Porto Alegre. Na última terça-feira (2), o governo publicou uma carta aberta para declarar como “sem objeto” o protocolo assinado com a empresa. Esse pronunciamento chega após contínuos protestos dos movimentos e autoridades palestinas e da sociedade civil brasileira por conta da participação da Elbit na construção do muro do apartheid e do uso e desenvolvimento das suas armas nos massacres e guerras israelenses.
Em abril de 2013, o governador Tarso Genro assinou um Memorandum de Entendimento com a AEL Sistemas, que teria permitido à empresa acessar dinheiro público brasileiro e tecnologia produzida pelas universidades gaúchas. Esse projeto, que visava à construção em território brasileiro de um parque aeroespacial militar ancorado na Elbit Systems, teria transformado uma empresa de capital israelense pela primeira vez em ‘empresa líder’ num projeto militar brasileiro. O projeto piloto, um microsatélite militar, teve um orçamento de R$ 43 milhões em investimentos públicos.
Na sua carta, o governador afirma que desde há meses, quando problemas financeiros se somaram aos protestos contra o projeto, o projeto foi, de fato, congelado: “não houve mais nenhuma ação objetiva relacionada com aquele acordo, e o governo de Rio Grande do Sul não realizou, e não realizará sob o nosso governo, nenhuma outra ação relacionada a esta parceria, o que nos permite declarar o referido protocolo como sem objeto.”
Com a publicação dessa carta oficial, o movimento global de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) contra Israel, marca uma histórica vitória na América do Sul. Jamal Juma’, coordenador da Campanha palestina contra o Muro (Stop the Wall), explica a centralidade do boicote à Elbit Systems: “As políticas de limpeza étnica e genocídio que Israel está implementando contra nosso povo precisam de financiamento. Esses recursos chegam por meio de relações internacionais com empresas militares e de ‘segurança interna’ como a Elbit Systems. Elas desenvolvem suas tecnologias matando nosso povo, roubando nossa terra e encarcerando-nos detrás de um Muro de Apartheid de centenas de quilômetros de extensão e de oito metros de altura”.
Histórico
Desde o 2005 a sociedade civil Palestina está impulsando um movimento de boicote, desinvestimentos e sanções contra Israel. No caso da campanha pelo boicote da Elbit Systems foi o fundo estatal de pensões da Noruega o primeiro a retirar seus investimentos da empresa. Uma dezena de bancos e instituições financeiras decidiu nos últimos anos trilhar o mesmo caminho. Após o recente massacre israelense na Faixa de Gaza, que serviu para testar os novos drones Hermes 900 da Elbit, ativistas ocuparam as subsidiárias da empresa desde a Austrália até a Inglaterra.
“Essa vitória dos direitos humanos e rumo ao embargo militar contra Israel é um sinal importante de esperança para todos e todas. Agradecemos a todos os movimentos e a cada ativista que trabalhou para que pudéssemos celebrar esse momento”, frisou Jamal Juma’, coordenador geral de Stop the Wall
“Para nós, o Rio Grande do Sul virou um exemplo de solidariedade com a causa Palestina e vamos trabalhar para que esta postura política contra contratos com empresas cúmplices dos crimes de Israel seja adotada a nível nacional”, acrescentou Alayyan Eladdin, presidente da FEPAL (Federação Árabe Palestino-Brasileira).
Em Porto Alegre, movimentos como a CUT e a Marcha Mundial das Mulheres, bloquearam a subsidiária na capital gaúcha em maio. Movimentos urbanos e negros organizaram protestos, cartazes e panfletagens. Organizações estudantis das varias universidades formaram um comité gaúcho para enfrentar a participação de suas universidades no projeto. O Comité de solidariedade com o povo palestino de Santa Maria acordou com o reitor da universidade gaúcha que não haveria colaboração com projetos de caráter militar com a Elbit Systems e suas subsidiárias.
Claudia dos Santos, da Marcha Mundial das Mulheres, destaca a importância da mobilização: “Para nós, mulheres e feministas, a solidariedade é uma parte central da luta e sabemos que as lutas pelos direitos humanos, o direito à terra, e contra os interesses das elites globais e nacionais estão conectadas.” Antonio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT agrega: “Esta decisão do governo gaúcho é acertada e reflete o crescente isolamento da política de apartheid de Israel. Agora, é preciso ampliar a pressão pela ruptura de qualquer acordo militar com o governo israelense, que pratica uma política de terrorismo de Estado.”
O Rio Grande do Sul já assumiu um papel relevante para a causa palestina quando, em 2012, celebrou em Porto Alegre o Fórum Social Mundial Palestina Livre. “O nosso governo sempre deu centralidade à promoção da paz e dos direitos humanos e consideramos as demandas dos movimentos sociais uma voz importante, que precisa ser ouvida. O pronunciamento do governo sobre o tema é conclusivo sobre isso”, comentou Tarson Nuñéz, assessor das relações internacionais do governo gaúcho.
A decisão se insere numa tendência global que vê sempre mais governos se distanciarem de empresas envolvidas com violações dos direitos humanos. No início deste ano a União Europeia publicou diretrizes para evitar que seus financiamentos possam apoiar a construção e manutenção de assentamentos israelenses e do Muro ilegal que está sendo erguido. 17 estados europeus publicaram recomendações às empresas privadas para evitar relações econômicas nesse sentido. Mahmoud Nawajaa, coordenador do Comité Nacional Palestino por Boicote, Desinvestimentos e Sanções confirma: “Nesses dias nós estamos reunindo com autoridades locais e a sociedade civil de todo o mundo para discutir maneiras mais eficazes de coordenação de políticas de exclusão das empresas israelenses. Vamos trazer a decisão do Rio Grande do Sul como um exemplo importante para o nosso movimento, a fim de mudar as políticas dos governos.”