As críticas ao pronunciamento de Jair Bolsonaro começaram antes mesmo que ele acabasse a fala em cadeia nacional. Vieram todos os setores, inclusive simpáticos ao governo. Rapidamente, a hashtag #forabolsonaro alcançou o topo no Twitter, com 108 mil mensagens até as 22h – e chegando a 245 mil às 23h30. As menções negativas para o pronunciamento superavam, às 22h, em quase o dobro as positivas no canal da TV Brasil no YouTube.
Minutos depois do discurso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o vice, o ex-tucano Antonio Anastasia (PSD-MG), divulgaram nota em que afirmam que o Brasil “precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população”.
“Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República hoje, em cadeia nacional, de ataque às medidas de contenção ao Covid-19. Posição que está na contramão das ações adotadas em outros países e sugeridas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS)”, afirmaram ainda. Em seu discurso, Bolsonaro contrariou recomendações da OMS, de outros países, de governadores brasileiros e de seu próprio ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que não se pronunciou.
“Reafirmamos e insistimos: não é momento de ataque à imprensa e a outros gestores públicos”, acrescentaram Alcolumbre e Anastasia. “É momento de união, de serenidade e equilíbrio, de ouvir os técnicos e profissionais da área para que sejam adotadas as precauções e cautelas necessárias para o controle da situação, antes que seja tarde demais. A Nação espera do líder do Executivo, mais do que nunca, transparência, seriedade e responsabilidade. O Congresso continuará atuante e atento para colaborar no que for necessário para a superação desta crise.”
Mais tarde, foi a vez de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se manifestar. “Desde o início desta crise venho pedindo sensatez, equilíbrio e união. O pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública”, afirmou, fazendo recomendação contrária à de Bolsonaro.
“Cabe aos brasileiros seguir as normas determinadas pela OMS e pelo Ministério da Saúde em respeito aos idosos e a todos que estão em grupo de risco!”, disse o presidente da Câmara. Ele também adiantou possíveis medidas. “Estamos sob o risco de ter milhões de desempregados por conta da crise do coronavírus, e precisamos criar soluções para o enfrentamento do problema. Estou propondo ao governo uma emenda que vai segregar o orçamento, criar um regime extraordinário fiscal de contratações exclusivo.”
Inaceitável
As reações ao pronunciamento de Bolsonaro nas redes foram duras. Candidato à Presidência pelo Novo, João Amoêdo chegou a usar o termo “renúncia” ao comentar o discurso. “O pronunciamento do presidente é inaceitável. Temos um quadro muito grave e incerto pela frente. Ele deveria vir a publico amanhã, apresentar um plano, mostrar a gravidade da situação, demostrar equilíbrio e bom senso. Ou renunciar ao cargo.”
“Se não calar está preparando o fim”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “É melhor o dele que de todo o povo”, acrescentou o guru tucano.
No campo da oposição, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), mostrou ceticismo. “Pronunciamento de hoje mostra que há poucas esperanças de que Bolsonaro possa exercer com responsabilidade e eficiência a Presidência da República. Os danos são imprevisíveis e gravíssimos”, afirmou. “Em respeito às vidas dos maranhenses, bem como em sintonia com cientistas e profissionais da saúde, manterei no Maranhão todas as providências preventivas e de cuidado em face do Coronavírus.”
Em nota, o PT afirmou que o Brasil viu na TV um Bolsonaro “sem máscara, dizendo as barbaridades que ele verdadeiramente pensa em sua irresponsabilidade criminosa”. O presidente atacou as medidas de isolamento “na contramão” do cientistas, das autoridades médicas, da OMS e de todos os países. E aproveita a crise para tirar mais direitos sociais.
“Não foi apenas mais uma demonstração de ignorância, má fé e cinismo de um presidente que só pensa em si, no seu poder e de sua família”, disse ainda o partido. “Foi um gesto de total desprezo pela vida das pessoas, pelos seres humanos, pela população que ele tem obrigação de proteger diante da mais grave crise sanitária que o mundo moderno já enfrentou. Uma incitação ao genocídio.”
“Jair Bolsonaro é mais nocivo para a saúde, para o país e para a democracia do qualquer espécie de vírus”, diz a nota, assinada pela presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), e pelos líderes na Câmara, Enio Verri (PR), e no Senado, Rogerio Carvalho (SE).
Já a colunista Hildegard Angel usou a palavra “loucura” para definir o pronunciamento. ” Politicamente é complicado o impedimento do Presidente, mas é possível interdição por motivo de saúde (mental), os sintomas parecem evidentes. Já houve um presidente do Brasil interditado por insanidade mental, Delfim Moreira, 10º presidente do país”, escreveu.
Obcecado limitado
Assim como Hildegard, familiar de desaparecido político, o escritor Marcelo Rubens Paiva atacou o presidente: “Obcecado limitado que não muda o discurso, o líder mundial mais incapaz e cretino, um completo despreparado”.
O professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC, pediu afastamento. “Jair Bolsonaro precisa ser afastado. Um presidente que subestima uma pandemia que pode colapsar o sistema de saúde de um país deve ser retirado da condução da República. Temos 14 mil leitos de UTI e 95% já estão ocupados. Temos que evitar o caos”, escreveu.
Religiosos também se manifestaram, caso do escritor Leonardo Boff. “O pronunciamento de hoje a noite do @jairbolsonaro mostra que se opõe ao próprio Brasil e ao mundo. Há motivos mais que suficientes para ser inabilitado. Não tem a liderança necessária para este momento grave,contradizendo seus próprios ministros”, afirmou. “O novo pronunciamento presidencial, arrotando arrogância e ignorância, merece a qualificação de Coronavirus elevado ao cubo”, disse dom Mauro Morelli.
Hospício?
Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Roque Citadini ironizou: “Ligou-me agora um amigo bolsonarista roxo e disse: estamos num hospício. O discurso só tem maluquice”.
Em seguida, ele postou imagens do “barulhaço” contra o presidente. E emendou: “Vendo agora o discurso presidencial lembrei de uma frase de um ícone da velha Direita culta, economista Roberto Campos: a burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro promissor”.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), não citou Bolsonaro no seu comentário no Twitter. Nem precisava. “A pandemia do #covid19 exige solidariedade e co-responsabilidade. A experiência internacional e as orientações da OMS na luta contra o vírus devem ser rigorosamente seguidas por nós. As agruras da crise, por mais árduas que sejam, não sustentam o luxo da insensatez. #FiqueEmCasa.”
Baterista do grupo Paralamas do Sucesso, João Barone fez referências históricas. “Nasci depois do presidente Jânio Quadros, um biruta, mas testemunhei Fernando Collor, um maluco ególatra. Só nunca imaginei ver um presidente tão destemperado e sem noção como o atual, o Brasil não merece um personagem execrável desse tipo numa hora tão crucial”, disse o músico.
A cantora Gretchen também reagiu indignada. “Meus filhos não sairão de casa. Minha mãe continuará isolada. E minha família Tbem. Que irresponsabilidade. Que loucura. Que INSANIDADE!!! CHOCADA E ASSUSTADA COM ESSE PRONUNCIAMENTO.”
E a atriz Vera Holtz mostrou-se espantada. “Assim que terminei de ouvir o discurso do Bolsonaro eu respirei, olhei pro meu televisor e me questionei calmamente: COMO ESSE HOMEM É PRESIDENTE DA REPÚBLICA???”