São Paulo – Aprovado na Câmara e agora no Senado, o projeto de lei sobre posse de armas apresenta riscos para a sociedade do ponto de vista da segurança, alertam a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e de Sistema Prisional (7CCR), ambas do Ministério Público Federal. Ontem, segunda-feira (16), os organismos encaminharam nota ao Senado, para subsidiar o debate. A íntegra do documento pode ser vista aqui.
“Embora tenha sido aprovado pelos deputados sob um enfoque de interesse individual do cidadão, as regras aprovadas trazem consequências graves para a sociedade, pois permitirão que um grande volume de armas de fogo de forte potencial destrutivo seja posto em circulação”, afirmam as entidades. “O MPF enfatiza que a proposta contraria diversos estudos sérios que indicam ser a redução do número de armas de fogo um fator determinante para a contenção da expansão da violência letal, destacando dados do Atlas da Violência 2018, segundo os quais – entre 1980 e 2016 – cerca de 910 mil pessoas foram mortas com o uso de armas de fogo no país. A pesquisa citada destaca que, se não fosse o Estatuto do Desarmamento, esses números seriam ainda muito maiores”, advertem.
O Projeto de Lei (PL) 3.723, aprovado pela Câmara, foi enviado ao Senado no último dia 4. Na visão dos organismos do Ministério Público, o texto promove duas “substanciais alterações” no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003). Primeiro, cria “facilitação para que agentes policiais e outros profissionais de segurança adquiram até 10 (dez) armas de fogo de uso permitido e/ou restrito, curtas e/ou longas”. Além disso, estabelece uma “regulação inédita sobre Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), também com a permissão para possuir vasto arsenal de, no mínimo,
16 armas de calibre permitido ou restrito, das quais 6 poderão ser de calibre restrito”. Para o MPF, apenas esses dois itens “são suficientes para chamar a atenção para as graves repercussões que a conversão em lei do projeto pode trazer para a segurança pública e, portanto, alertam para a necessidade de uma ponderação sobre a conveniência de aprovação das normas”.
Organizações criminosas
A PFDC e a 7CCR sugerem várias alterações nos termos do projeto, afirmando que o PL permitirá que “vastos arsenais sejam constituídos, sem critérios de necessidade ou razoabilidade”, e sem controle do poder público. E também possibilidade aumentar o poder de fogo dos bandidos. “A colocação de grande volume de armas de fogo em circulação, inclusive de forte potencial destrutivo, tais como armas de fogo de uso e calibre restritos (o que inclui fuzis e rifles automáticos e semiautomáticos), sem o aperfeiçoamento de controles e de rastreamento de munições e acessórios, amplia as perspectivas de acesso de organizações criminosas a esse arsenal”, sustentam.
Assim, a facilidade para policiais e membros das Forças Armadas comprarem armas em grande quantidade e de alto “poder destrutivo poderá torná-los alvos de coação ou cooptação por organizações criminosas, com a finalidade de que sejam utilizados como intermediários para o fortalecimento de arsenais”, dizem os organismos do MPF. “Ou seja, coloca-se indiretamente em risco a própria integridade física dos profissionais de segurança, aumentando-se a situação de vulnerabilidade a que estão submetidos.”
A nota contesta ainda a alegação de que se trata um direito de todo cidadão brasileiro. “Toda a atividade relacionada ao uso de arma de fogo não pode ser compreendida como um direito do cidadão, na medida em que no Estado Democrático de Direito brasileiro o monopólio do uso da força, e de armas de fogo, é do Estado. Prevalece em relação ao interesse individual o direito fundamental coletivo à segurança pública, tal como previsto nos artigos 6º e 144 da Constituição.”
É nesse contexto que deve pensar na questão dos colecionadores (CAC), acrescenta o MPF, que vê inovação na iniciativa legal. “Elas (atividades) são legítimas e lícitas, mas decorrem de uma concessão da sociedade e do Estado em favor daqueles que almejam colecionar armas de fogo ou praticar o tiro esportivo e a caça, nos estritos termos da regulação legal. Inexiste um direito individual a essas atividades e, muito menos, um dever de prestações por parte do Estado ou de terceiros para que os interessados desenvolvam essas atividades.”
A Procuradoria e a Câmara chamam a atenção para a “ampla permissividade” para aquisição de munições. E propõem a inserção de um item no PL “para tornar obrigatória a identificação do lote e do adquirente no culote dos projéteis comercializados no país, sendo esta uma obrigação de fácil cumprimento pela indústria e, também, essencial para a apuração de ilícitos praticados com disparo de arma de fogo”.