Por Paloma Vasconcelos.
Oito dias depois do assassinato de Marielle Franco, uma mesa composta por 6 personalidades negras, transmitida ao vivo no Facebook, deu início ao projeto Usina de Valores, do Instituto Vladimir Herzog, que busca disseminar cinco valores para iniciar uma cultura real de direitos humanos: Dignidade Humana, Coexistir na Diferença, Escuta Ativa, Engajamento Político e Bem-viver.
Com mediação da jornalista Flávia Oliveira, que também é membro do conselho consultivo da Anistia Internacional Brasil, a roda de conversa contou com os teólogos Ronilso Pacheco e Henrique Vieira (ambos do Rio), com o jornalista e cartunista da Ponte, Antonio Junião (de São Paulo), com a youtuber negra e estudante de ciências sociais Nátaly Neri (de São Paulo) e com a estudante de Pedagogia e idealizadora do projeto “Pedagogia da Travestilidade”, Maria Clara Araújo (de Recife). Entre os assuntos debatidos pelo grupo, estavam o racismo estrutural e as consequências dele para a sociedade. Os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Pedro Gomes também foram destacados.
Para Ronilso Pacheco, teólogo e escritor, pensar em direitos humanos deve transcender os espaços acadêmicos ou partidários, deve ser feito e pensado coletivamente de pessoa para pessoa. “A gente precisa de um espaço de diálogo construído coletivamente e ouvindo a partir da margem, das periferias, das pessoas que estão nos espaços marginalizados midiaticamente”, explica Pacheco.
Nátaly Neri, youtuber negra e idealizadora do canal “Afros e Afins”, acredita que a formação do projeto é fundamental para as relações sociais no momento político conturbado que o país vem enfrentando. “Num momento em que você tem total descrença nos direitos políticos e nos direitos humanos, afinal uma vida foi tirada por defender esses direitos, é fundamental que a gente rediscuta e bata novamente na tecla de reafirmar e conquistar novos direitos políticos para as minorias sociais que estão sendo brutalmente assassinadas. Dessa vez realmente é causa de vida ou morte”, afirma Nátaly.
Com a proposta de promover uma “comunicação transformadora e articular uma rede de pessoas e coletivos com trabalho de impacto social”, a Usina de Valores tem expectativa de reunir 1000 pessoas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife por meio de formações, oficinas e rodas de conversas com assuntos focados em direitos humanos e específicos de cada território. Além de contar com a atuação dos coletivos Periferia em Movimento (SP), Papo Reto (RJ) e a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Recife), o projeto terá parcerias como Alma Preta, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Agência Mural de Jornalismos das Periferias e Ponte Jornalismo. O projeto tem previsão de duração de abril até setembro de 2018.
Para o cartunista e jornalista da Ponte, Antonio Junião, o projeto é um canal interessante para discutir problemas estruturais. “São provocações e os temas muito felizes, é importante trabalhar em cima de valores, sobre engajamento político, sobre bem viver. São coisas que a gente fala, mas fala bem por cima, não aprofunda. Então acho que esse evento traz isso: discussões que a gente discute superficialmente no dia a dia”, avalia Junião.
Maria Clara Araújo, estudante de pedagogia e primeira travesti a ingressar na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o projeto questiona a própria noção de valor. “A Usina de Valores pode contribuir para uma nova concepção de valor, pegando o termo valor e atribuindo a ele, não mais um valor que sirva enquanto motivo ou algo que mova alguém a violentar o outro, mas uma nova concepção. A gente sabe que muitas vezes os nossos corpos são violentados por conta de uma concepção construída. Após uma mesa como essa, só mostra que estamos pegando narrativas antigas e dando outros olhares, acrescentando outras abordagens e humanizando outras narrativas”, explica Araújo.
Rogério Sottili, diretor-executivo do IVH, explicou à Ponte a importância desse projeto. “O país em que a gente vive é um país que tem uma cultura de violência, é um país que naturaliza a violência, naturaliza a desigualdade. Então é fundamental desenvolver um projeto com populações que sofrem a violência do Estado e essa cultura de violência”, explica. Para Rogério, a Usina de Valores promove um grande debate e dos direitos humanos por meio da valorização das diferenças e do respeito às diversidades.