Conversar sobre violência sexual pode ser delicado, mas imprescindível, segundo especialistas tanto de maneira preventiva, como para saber se a criança está sendo vítima da situação. Os dados registrados por instituições e órgãos públicos são gritantes, o que nos mostra que, talvez, ainda estejamos falando pouco sobre o assunto. De acordo com a Unicef, nos últimos 5 anos, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil e nos últimos 4 anos, 180 mil meninas e meninos sofreram violência sexual no País. Esses números foram levantados pelo panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, em uma pesquisa inédita. O estudo ainda aponta que, nos casos de violência sexual, o crime tem um autor conhecido: as situações acontecem dentro de casa, 86% por pessoas conhecidas da vítima.
Mesmo esses registros sendo amplos geograficamente e abrangendo todo o território nacional, eles também acontecem aqui, todos os dias, na nossa comunidade. Segundo dados divulgados em março deste ano, Santa Catarina tem a quarta maior taxa de casos de abuso infantil notificados no País, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Como forma de trazer esse assunto para debate, estimular a conversa e as ações entre a sociedade e o poder público, fazendo com que essa conversa chegue também nas comunidades do interior do Estado, nasce o Projeto “Silêncio é Biblioteca”, idealizado pela artista Manon Alves, o trabalho utiliza a arte como ferramenta de transformação social.
Premiado pelo Edital Elisabete Anderle, da Fundação Catarinense de Cultura, o trabalho utiliza esculturas de papel machê para abordar o assunto. “As obras são extremamente sensíveis, doces, belas, leves, infantis (não infantilizadas) o que permite um diálogo com crianças e com adultos, em um processo em que ambos são catapultados para uma geografia da memória que muitas vezes não estamos acostumados a habitar”, explica Gustavo Zardo, produtor cultural do projeto.
O processo criativo conta com apoio técnico e uma longa caminhada. Foram encontros e conversas entre artistas, pesquisadores, produção, curadoria e mentoria, além de psicólogas e ativista do Instituto InspirAção, construindo todo o suporte e embasamento para a criação. Cada escultura leva cerca de 30 dias para ser finalizada, são cerca de 6 horas de trabalho diário para dar vida e sentido aos personagens. Segundo Manon, os personagens que compõem o trabalho foram elencados e criados a partir de subtemas. “Trabalhamos com temas pontuados a partir de uma longa pesquisa e mergulho dentro do assunto: o medo, a culpa, a objetificação da criança, assim como o fortalecimento da parte sã dessa criança violentada, o agressor, que nesse caso é representado pela escultura de um homem com espinhos, o instinto da criança pela alegria, o qual deveria ser um direito inviolável, e a escuta afetiva, esse elemento fundamental para acolher essa vítima”, conta.
Para Gustavo, esse tema é urgente. “É imprescindível que a arte seja política e debata questões relevantes para a comunidade, para o viver em coletividade. A arte que coloca na sua frente uma janela para a realidade, e que te provoca como protagonista deste mesmo espaço real e, infelizmente sombrio e miserável, é pra mim um trabalho relevante. Discutir a infância, a educação, a formação humana são pautas que deveriam estar no cotidiano de qualquer processo emancipatório de sociedade. E além de trazer essas pautas às obras trazem consigo camadas da realidade mais podre da sociedade e te perguntam: ei, o que você está fazendo quando se depara com isso?”, questiona.
O projeto prossegue em fase de construção, mas parte de sua criação já está em exposição na Galeria Municipal de Concórdia, no oeste de Santa Catarina. A partir de julho, todas as obras, e as trilhas sonoras criadas exclusivamente para a exposição, pelo músico Fernando Perri, integrarão um circuito de exposição itinerante que chegará a quatro cidades do interior do Estado, localizadas também no oeste catarinense.
“A ideia é provocar e ampliar os espaços de compartilhamento, de conhecimento e de histórias dentro do território catarinense, propondo discussões sobre narrativas alternativas para o combate e enfrentamento à violência e abuso sexual infanto-juvenil, assim como sensibilizar o público que terá acesso a esse trabalho, tanto crianças, como adolescentes, pais, avós, professores”, acrescenta Manon.
De acordo com Caroline Kraid Pereira, Psicóloga Policial Civil que integra o projeto desde os pontos iniciais de pesquisa, as esculturas simbolizam sentimentos que dificilmente conseguiriam ser expressos em palavras, vista a grande complexidade que os envolvem. “A arte é uma das formas mais interessantes de fazer com que essas informações cheguem a crianças e adultos, e uma maneira de iniciar essa conversa, tanto em casa como na escola. As famílias e as escolas precisam criar um ambiente propício para que haja uma comunicação aberta e que possibilite às crianças e adolescentes contarem situações que possam estar gerando incômodos e dúvidas. Para isso, é preciso falarmos claramente sobre os mais diversos assuntos e, quando formos chamados por elas, as ouvir, sem julgamentos ou preconceitos. Assim, se houver alguma situação que ela identifique que possa estar sofrendo algum tipo de violência ou ameaça, conseguirá pedir ajuda para os adultos de confiança”, explica.
“Como na biblioteca, as infinitas leituras que podem ser feitas a partir das obras precisam estar abertas para qualquer um que se interesse em procurá-las. Até não haver mais espaço para nenhum tipo de medo”, finaliza Gustavo.
Se você tem interesse em levar a Exposição “Silêncio é Biblioteca” para a sua cidade, envie mensagem via direct pelo perfil no aplicativo Instagram @poesia_depapel ou pelo telefone (49)99971-0454.
Créditos
Texto: Camila Almeida/ Girassol Cultural
Fotos: Divulgação.
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