Após o anúncio do uso da internação voluntária como principal vetor da política de combate ao crack promovida pela gestão de João Dória Jr. em São Paulo, a prefeitura mudou o discurso e afirmou que incluirá também algumas propostas do programa De Braços Abertos, idealizado durante o governo anterior, de Fernando Haddad, como a redução de danos.
No lançamento do Redenção na Câmara Municipal de São Paulo, realizado na quinta-feira 30, o psiquiatra Arthur Guerra, coordenador do programa, afirmou que utilizará as políticas de redução de danos e que será dada ao usuário a possibilidade de aderir à redução ou optar pela internação. Trata-se de uma mudança de postura da gestão, cujo projeto para combater a epidemia de crack chegou às ruas da capital com um viés mais repressivo do que o observado anteriormente.
Durante a apresentação do programa na Câmara Municipal de São Paulo na quinta-feira 30, havia a presença de vereadoras e ex-secretárias de Direitos Humanos da gestão Dória, Patrícia Bezerra e Soninha Francine, além do vereador Eduardo Suplicy e da ex-coordenadora da gestão Fernando Haddad de Política Sobre Drogas, Maria Angélica Comis.
A reunião de apresentação também contou com ex-funcionários da gestão Haddad, militantes e representantes de organizações ligadas às políticas municipais de álcool de drogas.
Beneficiários do De Braços Abertos e pessoas em situação de rua realizaram críticas à atual política municipal já estabelecido nas ruas do centro, além de citar a grande violência policial sofrida pelos usuários nos últimos meses.
Anunciado no início deste ano, o programa foi marcado pela ação da Polícia Militar em conjunto com medidas consideradas duras em comparação com o que era feito na gestão anterior com o programa De Braços Abertos.
Enquanto a antiga política anticrack do município era focada principalmente na redução de danos, que conta com a diminuição gradativa do uso de drogas em espaços de uso controlado, o Redenção tinha como pilares a internação compulsória, a promoção da abstinência e a apreensão de usuários.
De acordo com Maria Angélica, hoje no Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas e Álcool de São Paulo (Comuda), o diálogo sobre a redução de danos só foi possível após a entrada de Guerra na coordenação do programa.
O novo anúncio incorporou medidas do antigo programa e promete “aprimorar” aquelas que não considera ideal. Segundo Guerra, o De Braços Abertos será mantido para os 349 beneficiários, e os hotéis de moradia e uso controlado da substância “devem ser mantidos, mas ainda não é possível afirmar”.
O coordenador disse ainda que os usuários que desejem se tratar poderão escolher o modelo de redução de danos ou a abstinência, promovida por meio das internações voluntárias. “Vamos respeitar o paciente que optar pela redução de danos e também aqueles que optam pela abstinência do uso”, concluiu.
Também em relação à antiga política, uma das principais mudanças será de ordem trabalhista. No De Braços Abertos, o beneficiário que exercia as atividades do programa era remunerado de forma gradativa, a partir do primeiro dia de trabalho. Já no Redenção, Guerra afirma que a atual gestão não concorda com esta forma de remuneração, e que irá propor “métodos alternativos”, que ainda não foram desenvolvidos.
Internação compulsória
Em maio de 2017, a Justiça vetou a decisão que autorizava a Prefeitura a internar à força usuários de drogas. A ação vetada havia partido da gestão Dória, que justificava o pedido ao afirmar que o dependente químico só seria internado compulsoriamente após laudo médico e decisão judicial.
O recuo da prefeitura em relação às diretrizes iniciais também pode ser creditada à má repercussão da ação policial ocorrida no mesmo mês, quando Doria declarou que a Cracolândia teria acabado. Após o chamado fluxo, ponto onde ocorre o tráfico de drogas, ter se deslocado para a Praça Princesa Isabel, e hoje estar concentrado na Praça Júlio Prestes, as autoridades municipais parecem moderadas com relação ao afirmar o fim da Cracolândia.
A vereadora Patrícia Bezerra, que entregou o cargo de secretária de Direitos Humanos por se opor à ação da PM, discorda de uma possível reformulação do antigo programa, e atribui os “avanços” nas diretrizes à inspiração em políticas estrangeiras, “coisas que estão dando certo no mundo”, disse.
“Não sei se [a atual gestão] entende como um erro [as diretrizes iniciais do Recomeço], mas fez uma reflexão. Se debruçou sobre o que refletiu e está repensando a política municipal.”
A ex-coordenadora de Políticas Sobre Drogas, Maria Angélica, também concorda com as mudanças no programa, mas não sabe como as alterações se darão na prática. “Inicialmente houve uma mudança a partir do diálogo com a sociedade civil, mas como isso vai ocorrer é uma dúvida. Não sabemos como as pessoas serão assistidas. A gente não sabe qual será o destino delas”, completou.