Profs de Bs. As. fazem greve contra censura da prefeitura

Por Luciana Taddeo.

Protestos são contra criação de um disque-denúncia e punição a docentes que fizeram paródia de Macri.

“Temos que fazer alguma coisa com a escola pública, hein?”, diz um hipotético prefeito de Buenos Aires para um suposto secretário de Educação, que responde: “Então vamos desprestigiar os docentes e a escola pública!”. A cena se passa em uma encenação teatral realizada em março por professores de uma escola primária da capital argentina.

O problema é que a representação foi gravada em um celular e postada na internet, provocando uma polêmica que resultou na punição de seis educadores e, em resposta, uma greve de professores de 24 horas nesta sexta-feira (31/08). Segundo os sindicatos, a paralisação teve uma adesão de 80%,e muitos manifestantes já se encontram protestando em frente à Prefeitura.

Apesar da baixa qualidade da gravação, pode-se ver um trecho da encenação em que os “atores” abordam o rumo das políticas públicas para a educação municipal. “Se fosse por mim, eu privatizaria tudo como no Chile. Ou daria uma bolsa de estudos a cada um destes alunos para que vão a uma escola privada”, afirma o intérprete do prefeito portenho Mauricio Macri, reeleito no ano passado e citado ironicamente como “Mauri”.

Outro ponto abordado na “peça” é a redução de investimentos no sistema público de educação e a transferência de recursos para as instituições privadas. “Já tiramos os subsídios para a infra-estrutura do sistema público repassando para o privado. Não sei o que mais [fazer], pense você”, diz o “secretário”. Essa reclamação se dá pelo fato de que, segundo a Asap (Associação Argentina de Orçamento e Administração), no primeiro trimestre de 2011, a infra-estrutura escolar pública recebeu 6,8% do orçamento da prefeitura, enquanto os fundos destinados ao setor privado chegaram a 26,6%.

A resposta de Macri à encenação foi anunciar, na última quarta-feira (29/08), o afastamento da diretora, da vice-diretora, da secretária, de dois docentes e de um bibliotecário de seus cargos, além da abertura de uma investigação preliminar sobre o envolvimento dos seis profissionais na atuação. Na resolução, a prefeitura considera que as suspensões são justas por que os envolvidos “autorizaram a dramatização, não se manifestaram contrariamente a ela e inclusive participaram da mesma”.

De acordo com Carlos Oroz, secretário-geral da Ademys (Associação Docente de Ensino Médio e Superior), a greve está sendo realizada “em defesa da democracia, da pluralidade, da diversidade e contra a estigmatização por pensar diferente”. “Exigimos a imediata a restituição dos professores e o fim das investigações. Elas só poderiam ser abertas em casos de riscos à integridade física dos alunos ou dos bens da escola. A prefeitura está igualando este episódio a casos muito graves”, explicou ele à reportagem de Opera Mundi.

Em diversas aparições televisivas, o secretário de Educação Esteban Bullrich garantiu que a suspensão dos profissionais não se deve às críticas feitas à prefeitura, mas sim ao “mau comportamento”. Macri também defendeu as sanções aos envolvidos na representação. “Quando a política mete a mão na educação, estamos em problemas”, afirmou, ressaltando que “é uma loucura que alunos da sexta série recebam doutrinamento político em vez de estar aprendendo ciências, computação ou língua estrangeira”.

Segundo Oroz, “o governo pode ou não gostar” da encenação, “mas o fato é que isso não pode levar a uma sanção”.

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Segundo Oroz, outro motivo para a paralisação é contra o lançamento de um disque- denúncia “para que os pais possam denunciar qualquer tipo de intromissão política nas escolas”.

O anúncio da disponibilização da linha telefônica gratuita foi feita depois de que alguns jornais locais noticiaram a existência de atividades educativas com uso do personagem de quadrinhos El Eternauta, criado por Héctor Oesterheld, integrante da organização guerrilheira Montoneros e desaparecido durante a ditadura argentina (1976-1983). A imagem do personagem atualmente é usada pela agrupação La Cámpora, formada por jovens kirchneristas, à qual se atribui a realização de atividades políticas nas escolas.

Na ocasião, Esteban Bullrich expressou ter “profunda preocupação com os atos de doutrinamento político que está sendo realizado nas escolas do país com o aval da senhora presidente [Cristina Kirchner]”. Em meio ao debate gerado pela instalação da linha telefônica, tanto na assembléia legislativa portenha como entre oposicionistas a Macri, o caso foi parar na justiça.

Alegando que a iniciativa remete a “práticas de perseguição política próprias de regimes ditatoriais, com as quais incentivavam os cidadãos a denunciar as expressões políticas de outros”, o Inadi (Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo) solicitou a suspensão da medida nos tribunais.

O interventor Pedro Mouratian, do Inadi, disse que “é preciso abrir o debate sobre o estudo da teoria e a prática política nas escolas. Segundo ele, no entanto, a discussão não pode ser estabelecida “em um clima de censura e de perseguição como o que o sistema de denúncias da prefeitura propõe”, já que nada impede que este seja utilizado para “compilar informação sobre as afiliações [sindicais] ou opiniões de docentes, diretores e alunos”.

Em resposta, a juíza Elena Liberatori determinou, nesta quinta-feira (30/08), a proibição da utilização da linha, por considerá-la uma “perseguição política aos jovens e crianças, segundo as normas constitucionais que os protegem”, autorizando somente o uso para denúncias referentes a condutas condenadas pelo código penal. Por essa razão, a linha se mantém em funcionamento.

A “perseguição ideológica” da prefeitura, segundo Oroz, é constante, não só contra professores como contra estudantes. Durante a ocupação de colégios no ano passado, por alunos que protestavam contra a ausência de manutenção da infra-estrutura das escolas, “a prefeitura pressionava a diretoria das escolas para que elaborassem uma lista com o nome dos alunos que realizavam os protestos e a entregassem à secretaria de Educação e à polícia, denuncia. “Não sabemos o que queriam fazer com esses dados”.

No caso da paródia, afirma o sindicalista, “os fatos mencionados são todos comprováveis, e, para isso, não houve nenhuma resposta da prefeitura”. “Eles falam do aumento da destinação orçamentária para subvencionar o salário de docentes das escolas privadas, facilitando a rentabilidade destas instituições, em detrimento do investimento nas escolas públicas. Algumas escolas que cobram 1.500 pesos de mensalidade recebem 70% de subsídio para o salário docente com recursos do Estado”, garante.

Para Pablo Imen, docente e especialista em Educação, é necessário recuperar o desenvolvimento da política educativa da prefeitura para entender que a paródia realizada pelos professores se inscreve como “uma verdadeira ação de resistência, pela defesa da escola pública frente a um poder político hostil”. Segundo ele, os secretários de Educação de Macri apresentam “denominadores comuns”, apesar os diferentes estilos na administração.

“O primeiro, Mariano Narodowksi, proibiu, em abril de 2008, que os docentes dessem declarações à imprensa quando os conflitos por infra-estrutura das escolas se intensificaram. Os alunos passavam frio no inverno [pela falta de gás ou aquecedores] e os tetos estavam caindo”, lembra. O segundo, Abel Paretini Posse, ficou no cargo por somente 15 dias devido “ao repúdio gerado por suas declarações públicas, que reivindicavam a ditadura e demonizavam os jovens”.

O atual secretário, na avaliação do especialista, impulsiona medidas tecnocráticas, como a avaliação dos professores, além de denunciar penalmente e elaborar listas negras com nomes de estudantes envolvidos em manifestações, instalar câmeras de filmagem nas escolas “apesar do repúdio das comunidades educativas”, impedir o desenvolvimento de jogos coletivos com a utilização do El Eternauta, “que propõe a busca de saídas coletivas para situações inesperadas”, e instalar uma linha para denúncias de “anomalias” nas instituições.

“Macri diz que é necessário acabar com a política de confrontos e de impugnação dos que pensam de maneira diferente. Mas seu governo expressa um caráter punitivo crescente, proibindo, denunciando, sancionando. A greve expressa um limite ao autoritarismo da prefeitura”, afirma Imen. Segundo ele, é válida a discussão sobre a pertinência da ação em âmbito escolar, se esta foi realizada em horário letivo. Mas, segundo ele, “o que não se pode fazer, é responder com a sanção de professores”.

Questionando a falta de diálogo e o caráter antidemocrático da medida, Imen acrescenta que “se alguém vai ensinar aos alunos como ser bons capitalistas, ou uma ONG vai ensinar amenidades, não colocam nenhum tipo de entraves. Mas se existe a proposta de trabalhar sobre valores, há problemas. E o que ainda é pior, é que incentivam que isso seja delatado, denunciado”, conclui.

Fonte: http://operamundi.uol.com.br/

Foto: http://www.cronica.com.ar

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