O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) emitiu parecer proibindo chamadas de vídeo entre pacientes com covid-19 internados em unidades de terapia intensiva (UTI) ou emergências e seus familiares. O documento respondeu a um questionamento de um médico paulista e reafirmou outros pareceres que já proibiam a prática, desconsiderando a realidade da pandemia do novo coronavírus, que impede visitas presenciais nas unidades de saúde. Profissionais de saúde, a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) criticaram a resolução.
O infectologista Gerson Salvador criticou a medida e convocou outros médicos a se posicionar contra o parecer do Cremesp que proíbe chamadas de vídeo entre pacientes com covid-19 internados e seus familiares. “Os conselheiros do Cremesp não fazem nada sobre os médicos que dão show em redes sociais e imprensa divulgando mentiras sobre a covid-19. Estão ocupados atrapalhando o mínimo de contato que os pacientes em emergências ou UTI podem ter com seus familiares. Lamentável”, criticou.
“Erro grotesco”
O médico sanitarista e mestre em Saúde Pública Felipe Daiko, que coordenou as equipes multidisciplinares e implantou os projetos de humanização dos três hospitais de campanha montados na cidade de Santo André, no ABC paulista, em 2020, destacou que a decisão do Cremesp trabalha contra a recuperação dos pacientes. “Posso afirmar que as chamadas de vídeo na ala de UTI (de pacientes com covid-19) foram fundamentais para o tratamento das pessoas internadas. Impedi-las é um erro grotesco”, afirmou.
A ANCP e a Amib externaram o retrocesso que a decisão do Cremesp de proibir chamadas de vídeo entre pacientes internados com covid-19 e seus familiares representa, contrariando um movimento adotado em redes de saúde em todo o país e que precede a pandemia do novo coronavírus. “As UTI no Brasil têm avançado na direção do reconhecimento da importância de que o cuidado crítico seja centrado no paciente e por consequência também nos familiares. O exemplo mais emblemático da construção dessa maior parceria entre profissionais, pacientes e familiares vinha sendo a ampliação das visitas de familiares a seus enfermos, com muitos hospitais adotando a possibilidade de visitas estendidas em regime de 24 horas. O grande encorajamento à adoção de políticas de facilitação do acesso dos familiares às UTIs decorre da documentação de uma série de benefícios colhidos, tais como redução de conflitos, melhores desfechos clínicos dos pacientes (mesmo os sedados)”, dizem as organizações.
Dignidade
Para as organizações, ainda que corretamente preocupado com a proteção da confidencialidade e autonomia do paciente, o parecer do Cremesp traz como consequência que pacientes sedados, em coma, em sala de emergência ou UTI só terão chances de contato com seus familiares se sobreviverem (e com boa cognição), de maneira a poder consentir expressamente com o contato virtual. “E, no caso específico de pacientes com Covid-19, cujas taxas de mortalidade permanecem elevadas, o parecer expõe um número expressivo de familiares ao prospecto de não poder se despedir de seus enfermos”, destacam.
A Amib e a ANCP destacam ainda que pessoas em coma se beneficiam clinicamente de estímulo externo e possuem percepção que não pode ser ignorada. Estudos demonstraram a presença da audição em pessoas inconscientes, mesmo em fim de vida. Além disso, apontam que, antes da pandemia, pessoas intubadas ou sedadas recebiam visitas presenciais diárias eticamente aceitas e garantidas por lei. E plenamente entendidas como manifestação do afeto de seus familiares. Como é o caso das chamadas de vídeo para pacientes com covid-19.