Produtivismo acadêmico – Os Improdutivos!

Por Antonio Ozaí da Silva.

Nas reuniões dos colegiados ou assembleias dos programas de pós-graduação as questões que predominam são as de como fazer, pouco se discutindo as relações daquela pressão pelo produtivismo acadêmico e a nova conformação e função social da Capes. Não há reflexão para além do imediato: fazem-se as discussões no plano da superficialidade extensiva. Desta forma, o professor-pesquisador, inconscientemente na maioria das vezes, internaliza como natural toda a intensificação e precarização de seu trabalho e as conseqüências para a sua vida” (Valdemar Sguissardi e João dos Reis Silva Júnior)[1]

“Sou coordenadora de extensão da unidade, orientadora de TCC, dou aula mesmo, oriento projetos em comunidades de minha cidade, participo ativamente de todas as atividades de minha unidade, mas meus pares me taxaram como: improdutiva!”[2]

lattes_preenchimentoUm dos efeitos do produtivismo acadêmico, a espada de Dâmocles que paira sobre os programas de pós-graduação, docentes e pós-graduandos, é a desqualificação e pressão pela exclusão dos que não conseguem atender às exigências produtivistas. O receio de que o programa de pós-graduação tenha o conceito rebaixado, ou até mesmo seja descredenciado, induz à distinção entre produtivos e improdutivos. O fator distintivo que separa uns e outros repousa sobre a maior ou menor produção acadêmica, sendo esta entendida essencialmente enquanto publicação de artigos em periódicos acadêmicos ditos científicos. E não basta ter publicado, é exigido que seja em periódico classificado com alto Qualis.

Tal critério produtivista desqualifica outras atividades docentes que fazem parte da rotina acadêmica no campus. As funções burocráticas que muitos são chamados a desempenhar – e que alguns desempenham com um apego admirável e desmedido – nada valem perante a “produção acadêmica”. Assim, ocupar a coordenação de programa, curso, etc., ou algum outro cargo pedagógico-burocrático pode até mesmo ser prejudicial à carreira acadêmica – em especial se o docente estiver vinculado à pós-graduação. A docência, a orientação, a extensão e outras atividades pedagógicas importantes passam a não ser tão importantes – especialmente na graduação. No limite, como escrevi em há anos[3], chega o momento em que até mesmo dar aulas torna-se um empecilho, um mal necessário, pois toma o tempo precioso que poderia ser dedicado às atividades que permitem acumular mais pontos. Disto pode depender o mestrado, o doutorado e o quinhão de poder.

Instaura-se o reino da competição e não há espaço para os “improdutivos”. Consequentemente, devem ser excluídos. Os que não suportam a pressão se auto-excluem. Muitas vezes, após anos de dedicação aos programas de pós-graduação, contribuindo para a formação de mestre e doutores, não suportam o estresse e, abalados em sua saúde física e mental, afastam-se da pós-graduação. Outros, ainda que sob críticas e cientes dos prejuízos reais e simbólicos, decidem não ingressar em tais programas.

Isto me faz lembrar de Maurício Tragtenberg. Ele foi professor da pós-graduação e graduação em instituições de reconhecimento nacional e internacional, como a PUC/SP e a Unicamp. No entanto, era uma época na qual a ideologia produtivista não permeava os campi com a intensidade atual. Um parecer sobre a “produção acadêmica” do Professor Maurício Tragtenberg, de 1991, é ilustrativo da realidade que predomina nas universidades brasileiras:

“Os que conhecem a atividade docente do Prof. Maurício Tragtenberg, dentro e fora da sala de aula, sua atividade como escritor e conferencista, ficam decepcionados com o relatório – não porque o Prof. Tragtenberg tenha feito pouco, mas porque o muito que fez parece pouco em um formulário padronizado de mais de vinte folhas, em que a maior parte dos itens fica em branco. O problema não é com o Prof. Tragtenberg: é com o relatório que o obrigam a preencher. Fico imaginando o tempo que ele deve ter gasto decidindo se um artigo seu foi publicado em “periódico especializado” ou em “periódico não-especializado”, ou então se deve ser classificado como “publicação de caráter variado”. Que desperdício de tempo! Imagino que, dentre os que vão ler o relatório, muitos considerem um artigo publicado em periódico especializado (em quê?) provavelmente mais importante do que outro publicado em periódico não especializado, e certamente mais importante do que algo classificado apenas como publicação de caráter variado. Mas será essa gradação (supondo que realmente exista) justificável? Receio que não. Conheço muitos artigos de divulgação que são muito mais profundos e valiosos do que muita irrelevância que se publica apenas por ser (ou se supor) especializada. Karl Popper uma vez disse que a especialização pode ser uma grande tentação para o cientista natural, mas para o pensador crítico (que ele chama de “filosófico”) é um pecado mortal. Desse pecado mortal ninguém pode condenar o Prof. Tragtenberg.” “Parecer sobre o relatório de Atividades do Prof. Maurício Tragtenberg”.[4]

Observe-se que o produtivismo já se insinuava, mas os avaliadores tiveram o bom-senso de entender que a produção acadêmica de um docente não pode se restringir a critérios burocráticos e produtivistas. Maurício escreveu artigos em jornais e manteve a coluna No Batente, no Notícias Populares.[5] Pelos critérios acadêmicos atuais, sua intervenção enquanto intelectual vinculado ao mundo do trabalho e às questões candentes do seu tempo não teria qualquer importância. Nem o Qualis seria capaz de medi-la. Em suma, se Maurício vivesse nestes tempos produtivismo acadêmico enviezado, muito provavelmente seria desqualificado como improdutivo.

A pressão para publicar é insana. Confunde-se quantidade com qualidade![6] E o critério produtivista que prende o docente subserviente, mas interessado, nas cadeias das agencias fomentadoras precisa ser repensado. O sofrimento humano não vale o status adquirido e está acima dos bens simbólicos e materiais eventualmente adquiridos, pois se revelarão efêmeros. É preciso a reflexão crítica sobre a ideologia produtivista. Esta foi assimilada e naturalizada por muitos. É simples entender: os adaptados e os que têm sucesso na corrida pelo Lattes tornam-se, conscientemente ou inconscientemente, seus defensores mais renitentes. Claro, eles têm o que perderem! Mas, também eles estão submetidos ao controle e sujeitos às doenças psíquicas e físicas decorrentes do modus operandi produtivista. Será que vale a pena?! De qualquer forma, registro minha solidariedade aos “improdutivos”!

[1] SGUISSARDI, Valdemar; SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Trabalho intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico. São Paulo: Xamã, 2009, p. 224.

[2] Email recebido. Omitido a autoria por consideração ética.

[3] Ver “A corrida pelo Lattes”, publicado na REA, nº 46, março de 2005, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/046/46pol.htm 

[4] “Parecer sobre o relatório de Atividades do Prof. Maurício Tragtenberg”, de 04 de outubro de 1991, assinado por Eduardo O. Chaves, Fermino Fernandes Sisto e Newton Aquiles Von Zuben. Citado em SILVA, A.O. Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária. Ijuí: Editora da Unijuí, 2008, p. 281.

[5] A este respeito, a professora Agueda Bernadete Bittencourt Uhle, fez uma observação pertinente: “Ocorre-me agora perguntar o que teria acontecido com a produção de Maurício Tragtenberg se ele tivesse, nos anos 80, sido atingido por tal lógica política. O que teria acontecido com seus mais de 200 artigos na coluna No Batente, do jornal Notícias? É evidente que publicar uma coluna semanal no Notícias Populares não tem qualquer valor para Capes e CNPq, não qualifica o programa de pós-graduação no qual atua este intelectual”. In: UHLE, Agueda Bernadete Bittencourt. Sobre administração e avaliação: um a conversa com as ideias de Maurício Tragtenberg. Tudo Flui – Revista da Aduel. Londrina (PR), v. 5, nº 1, p. 13-10, jan./jun. 2001, apud em idem p. 282.

[6] Sugiro a leitura de “Produtivismo no campo acadêmico: o engodo dos números”, publicado na REA, nº 100, setembro de 2009, disponível em http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8148/4571

 Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2012/12/08/produtivismo-academico-os-improdutivos/

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