No último dia 31 de agosto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação em que pede a inconstitucionalidade da Lei 13.465, sancionada em julho passado. A lei que ficou conhecida como “MP da grilagem”, trata da regularização fundiária no campo, nas cidades e da ocupação de terras da União na Amazônia Legal.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.771, pede ao STF a suspensão imediata da lei, por meio de liminar, pelos prejuízos que pode causar. O texto sustenta ainda que: “a lei impugnada tem o efeito perverso de desconstruir todas as conquistas constitucionais, administrativas e populares voltadas à democratização do acesso à moradia e à terra e põe em risco a preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações”.
Segundo ele, a norma permitirá a privatização em massa de bens públicos, o que causará situações irreversíveis, como a elevação do número de mortes em razão de conflitos fundiários, o aumento da concentração fundiária e a concessão de anistia a grileiros e desmatadores.
Ainda segundo Janot, a lei afronta princípios constitucionais, como o direito à moradia, a função social da propriedade, a proteção do meio ambiente a as políticas de desenvolvimento urbano, agrário e de redução da pobreza. Além disso, promove um retrocesso legislativo ao favorecer a grilagem de terras e o desmatamento.
“A aplicação da lei impugnada resultará em um dos maiores processos de perda de patrimônio público da história do Brasil, além de promover sensível aumento do quadro de concentração de terras nas mãos de poucos”, argumenta.
O que autoriza a Lei?
A Lei 13.465/2017 resulta da conversão da medida provisória 759/2016, enviada ao Congresso pelo presidente Michel Temer (PMDB) no dia 23 de dezembro. Mais conhecida como “MP da grilagem”, modifica mais de uma dezena de leis ordinárias, muitas delas com mais de uma década de vigência, elaboradas com ampla participação popular – daí Janot considerar estar “em grave distorção do sistema democrático e desrespeito à função legislativa”.
Segundo a argumentação de Janot: “ela autoriza transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e alta renda, visando a satisfação de interesses particulares, em claro prejuízo à população mais necessitada, o que causará grave e irreversível impacto na estrutura fundiária em todo território nacional, seja por incentivar a ocupação irregular de terras (a “grilagem”) e o aumento de conflitos agrários, seja por suprimir as condições mínimas para continuidade daquelas políticas constitucionais”.
Venda de terras públicas
Na ação, o procurador menciona cálculos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), segundo os quais a nova legislação permite a venda de terras públicas a preço muito abaixo do valor de mercado – entre 10% e 50% do valor mínimo da pauta de valores da terra nua para fins de titulação e regularização fundiária elaborada pelo Incra – e sem necessidade de licitação.
Conforme levantamento do Imazon, a alegada “regularização” prometida pela lei representará perda de aproximadamente R$ 20 bilhões somente na Amazônia. A norma também amplia indevidamente as hipóteses de regularização fundiária, sem levar em conta o licenciamento ambiental e urbanístico, a participação popular ou a elaboração de estudos técnicos.
Além disso, ao criar o instituto da “legitimação fundiária”, o artigo 23 da lei confere o direito real de propriedade àquele que “detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016”.
“A fixação desse marco temporal para fins de aquisição de propriedade, desassociado de qualquer exigência de tempo mínimo de ocupação da área ou vinculação de seu uso a moradia, acaba por premiar ocupações clandestinas e ilícitas por parte de ocupantes ilegais de terras e falsificadores de títulos (os chamados “grileiros”) e desmatadores, além de incentivar novas invasões dessa natureza”, destaca.
O PGR argumenta ainda que a legislação torna mais frágeis os mecanismos de contenção do desmatamento, pois passa ao domínio privado quantidade enorme de terras públicas e devolutas, além de dificultar a criação de áreas de proteção ambiental. Nesse sentido, promove severo retrocesso em matéria de direitos fundamentais, o que é vedado em normas internacionais firmadas pelo Brasil, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Protocolo de São Salvador.
A ADI é resultado de representação encaminhada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e pela Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos do Ministério Público Federal (1CCR/MPF).
A lei também é questionada por 61 entidades e movimentos de defesa do meio ambiente, que protocolaram na PGR pedido de inconstitucionalidade, por consider que ela causa ampla privatização das terras públicas, florestas águas e ilhas federais na Amazônia e na zona costeira do Brasil.
Fonte: MST.