Procura-se um idealista

Por Fernando Evangelista.

Senhoras e senhores, mocinhos e moçoilas, tirem as crianças da sala porque está no ar o Programa Eleitoral e com ele um desfile de promessas vazias, criadas por marqueteiros espertos e proferidas por idealistas de araque.

 

– Não há candidato mais idealista do que eu – gabou-se, pela tevê, um dos postulantes a prefeito.

Aquilo me pegou. Sentado no sofá de casa, comendo um pedaço de pizza do dia anterior, tomando coca-cola quente e sem gás, eu tive uma ideia, simples e eficaz, para diminuir a esculhambação que se abateu sobre a Republica: É preciso criar a Lei Maria da Penha para as palavras. Elas precisam de proteção.

Algumas palavras são tão abusadas, tão violentadas, tão agredidas e injustiçadas, quase sempre impunemente, que é preciso fazer alguma coisa para protegê-las. Se a lei não resolve o problema, pelo menos o ameniza.

Obviamente, será necessário um debate franco e democrático sobre cada palavra em questão porque, embora bem feitos e bem intencionados, os dicionários não dão conta, nem poderiam dar, dos muitos significados que uma única palavra pode ter. Além disso, as palavras estão em constante transformação, assim como os partidos políticos, o Sarney e a comissão técnica do Paysandu.

Portanto, tendo como pretexto as eleições e pensando no futuro da Pátria Salve-Salve, o debate deve começar pela palavra “idealista”, já que todos os candidatos se anunciam como tal. E então, entre uma mordida de pizza e um gole de coca-cola, perguntei para os meus botões como identificar um idealista verdadeiro de um idealista fanfarrão. Como defini-lo?

Meus botões e eu, depois de longa conferência, chegamos à conclusão de que ser idealista é, em primeiro lugar, acreditar na possibilidade de uma vida melhor para todas as pessoas, sem exceção, incluindo os céticos, os pagodeiros, os críticos de cinema e os malufistas.

Ser idealista é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e, entre um e outro, o idealista escolhe a justiça.

O idealista é guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. O idealista escolhe o caminho que considera mais justo, mesmo que seja arriscado, distante ou cansativo demais.

Ser idealista é caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. Aos falsos idealistas, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes.

Ser idealista é reconhecer no outro a sua própria humanidade, principalmente quando o outro for diferente. É ser movido pela curiosidade, o que implica em interesse pelo próximo-próximo, pelo próximo-distante e pelo mundo. O idealista tem fome de experiência.

Ser idealista é entender que a caridade pode ser louvável, embora o mais importante seja mesmo a solidariedade. É não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos.

Ser idealista é mergulhar, com paixão e alegria, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação.

Ser idealista é alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. O idealista, porém, não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente.

Como se vê – e só não vê quem não quer – o idealista é um ser em extinção, assim como o mico-leão-dourado e o político honesto. Aliás, no Programa Eleitoral, é mais fácil encontrar um mico-leão do que um idealista de verdade.

Eu conheço alguns poucos, pouquíssimos, idealistas autênticos. Um deles é meu querido pai, Francisco Xavier Medeiros Vieira, homem íntegro e corajoso, que dedicou a vida a um ideal de justiça. Justiça, aliás, é outra palavra que deveria ser protegida por lei.

Terminei a pizza. Outro candidato, outro idealista de araque, continuou falando e falando e falando. Palavras ao vento. Apaguei a tevê e fui cuidar da minha vida.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.