Problemas do (sub)desenvolvimento. Por José Álvaro Cardoso.

Por José Álvaro Cardoso.

A chegada do neoliberalismo no mundo, há mais ou menos 40 anos, e os frutos do Consenso de Washington, de 1989, levou à devastação das economias do hoje chamado Sul Global. Há cerca de uma década, os países em geral voltaram a ter políticas industriais. Obviamente com muitas singularidades em cada um dos países. A China, por exemplo, não embarcou na canoa furada do Consenso de Washington, e operou nesse período uma política industrial muito exitosa.

Hoje há uma compreensão, na maioria dos países, de que esse tipo de política é questão de sobrevivência, a discussão é sobre qual política industrial que deve ser encaminhada. Ou seja: como realizar uma política dessa natureza em meio a 4ª Revolução Industrial; como evitar os erros cometidos nas políticas anteriores; e coisas dessa natureza. A indústria brasileira tem o desafio de ingressar na era digital, pois a Inteligência Artificial (IA) já domina muitos setores e esse processo está se acelerando. Estamos atravessando mais uma revolução industrial, o que está mudando rapidamente a economia e a sociedade.

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O Brasil se depara com este desafio em meio a um processo significativo de desindustrialização: em meados da década de 1980 a indústria respondia por cerca de 30% nacional, percentual que hoje está em torno de 10%. É o caso mais dramático no mundo. Porém, o país dispõe de algumas vantagens para enfrentar esses desafios. Por exemplo, é o maior exportador de alimentos do mundo, de longe, o que situa o Brasil em forte posição econômica e geopolítica. Uma outra grande vantagem geopolítica é a que, em meio a um mundo em conflagração, com vários focos de guerra provocados pelo imperialismo (Faixa de Gaza e Ucrânia sendo os mais importantes), o Brasil faz parte de um grupo muito seleto, sem inimigos e com boas relações com todos os países do planeta.

A retomada da indústria é crucial para o desenvolvimento. Do golpe de 2016 até 2021 a economia cresceu meros 0,23% ao ano, o que levou a uma queda do PIB per capita no período. Em 2022 e 2023 a economia expandiu em média 3%. Importante, porém insuficiente para as necessidades do país, no qual os salários são muito baixos e uma parte da população passa fome. É essencial recuperar imediatamente o mercado consumidor interno, elevando o consumo de massa e perseverando, com força, na política de aumentos reais do salário-mínimo (este teve ganho real de 4,57% com o último reajuste, em janeiro de 2024. Foi positivo, mas é pouco).

É urgente desencadear um amplo programa de recuperação da indústria e da inovação no país, que envolva empresas estatais, financiamento, compras públicas, investimentos em tecnologia, qualificação da força de trabalho, infraestrutura. Como prevê a Nova Indústria Brasil(NIB), a nova política industrial do governo Lula. Ademais, a melhoria do perfil de distribuição de renda deve vir acompanhada de políticas de defesa da indústria nacional. O calçado chinês entrou no mercado brasileiro no ano passado, com preço 12% inferior, em dólares, ao preço praticado antes da pandemia. Esse produto chega ao mercado brasileiro a 4 dólares (20 reais). É o “milagre” da produtividade. Medidas isoladas e eventuais, e lamentações, não darão conta de enfrentar uma agressividade comercial dessa magnitude. Tem que ter política adequada para isso.

A implementação de uma política industrial efetiva não depende apenas de competência e decisão técnica: é uma escolha política. Ademais, o encaminhamento de tais medidas implica na retomada do papel que foi retirado do Estado brasileiro, nas últimas décadas, de indutor do desenvolvimento.

A situação conjuntural atual é muito frágil, o governo Lula conseguiu poucos avanços em termos de política econômica. O que ainda torna a situação, por enquanto, relativamente acomodada, é que a inflação está em menos de 5% ao ano; a taxa de desemprego caiu, está próxima de 7%; e o crescimento do PIB chegou a cerca de 3% no ano passado. Além disso, o Brasil terminou 2023 com o maior superávit comercial das últimas décadas, de quase 100 bilhões de dólares. Isso foi fundamental para o equilíbrio no balanço externo do país.

O governo Lula no seu primeiro ano conseguiu encaminhar algumas pautas importantes, sem entrar em trajetória de colisão com a burguesia. Mas nenhuma, realmente, de grande importancia para a maioria dos trabalhadores. Isso revela, por um lado, a própria natureza da coalização de governo, que é muito ampla, mas também mostra um governo extremamente frágil, que não conseguiu encaminhar medidas que realmente fariam a diferença para a maioria da população.

O governo tem que trazer para o seu lado a maioria, com medidas econômicas e sociais que melhorem a vida do povo. Por exemplo, não foram desenvolvidas ações para a reestatização da Eletrobrás, cuja privatização foi um autêntico crime de lesa pátria. Essa medida seria fundamental para a oferta de energia a preços compatíveis com a renda da população e para a retomada da indústria.

Pressionado, o governo nem tentou enfrentar o “saco sem fundos” do pagamento dos juros da dívida pública, um dos maiores processos de extorsão de dinheiro público existentes no mundo. Em 2023 as despesas com juros totalizaram R$ 718 bilhões, ou 6,6% do PIB. Verdadeira fortuna, que sustenta banqueiro a pão de ló. E mesmo assim a dívida aumentou, alcançando 74,3% do PIB, o equivalente a mais de 8 trilhões de reais.

O problema atual do Brasil, assim como dos países atrasados em geral, não é uma mera dificuldade no ciclo de crescimento, de baixa na atividade econômica. Os países subdesenvolvidos, enfrentam sim uma verdadeira guerra econômica, extremamente feroz, mais ou menos dissimulada, que tem origem nos países imperialistas. É uma guerra econômica, uma política deliberada de liquidação da economia de alguns países, visando inclusive, reduzir parte das forças produtivas e o “excesso” de mercadorias ao nível internacional.

O Brasil tem uma população muito pobre, com quase 10 milhões de desempregados, e quase 4 milhões de desalentados, sendo que estes nem mesmo entram nas estatísticas de desemprego, porque desistiram de procurar emprego. Esses compatriotas conseguem consumir apenas o mínimo para sobreviver, gerando o gargalo do subconsumo na sociedade. Como o Brasil, entre os países atrasados, é um dos mais industrializados ainda, apesar de todo o processo de perda da indústria no PIB nos últimos anos, ele é atacado com muita ferocidade.

A meta dos países imperiaistas, especialmente do EUA, é converter o Brasil, em definitivo, em um exportador de matérias primas e em uma base para as transnacionais explorar seus negócios, aproveitando a abundância de recursos naturais (como petróleo, terra e água), e uma população super explorada, acostumada a baixos salários. E da qual uma parcela significativa depende do bolsa família para não morrer de fome. Com o agravamento da crise política e econômica dos países imperialistas, aumentou a agressividade contra as economias subdesenvolvidas e seus recursos fundamentais, como petróleo, metais, terras raras, água etc.

A política colocada em marcha por Javier Milei na Argentina, país que está sendo literalmente “depenado”, em tempo recorde, é o caso mais extremo neste momento da agressividade imperialista. A Argentina está servindo de “teste de laboratório”, infelizmente desenvolvido com seres humanos. Seria muita ingenuidade supor que política semelhante não possa ser desenvolvida no Brasil, assim que a oportunidade política e econômica se apresentarem. É só os tubarões sentirem o cheiro de sangue. É nesse marco geral de conjuntura, extremamente incerto e perigoso, que se apresenta o desafio do desenvolvimento no país. Lutar é preciso.

José Álvaro Cardoso é economista e coordenador do DIEESE/SC.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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