Por Rodrigo Gomes.
“Ao contrário do defendido pelo prefeito, as privatizações nem sempre desoneram o município e nem sempre servem ao interesse público. Tampouco as doações necessariamente representam economia para o Estado ou vantagens para os cidadãos.” Assim o Coletivo Vigência define as propostas de privatizações e concessões apresentadas pela gestão do ex-prefeito e atual pré-candidato ao governo paulista João Doria (PSDB) no ano passado. Segundo o grupo de pesquisa, muitos dos equipamentos não dão prejuízo à cidade e a sua venda ou concessão à iniciativa privada pode promover limitação do acesso da população. O relatório São Paulo SA será lançado hoje, às 19h, na Câmara Municipal de São Paulo.
Dentre as propostas de privatização ou concessão estão: o estádio do Pacaembu; parques e mercados municipais; a São Paulo Turismo (SPTuris) e o Anhembi; o sistema do Bilhete Único; os cemitérios; o sistema de remoção e pátios para veículos; o Autódromo de Interlagos. Destes, apenas do projeto de privatização do autódromo ainda não foi aprovado na Câmara Municipal. Mercados, parques e Pacaembu já estão em fase licitatória. O valor que deve ser “economizado” com as privatizações e concessões é de R$ 541 milhões. O orçamento municipal em 2017 foi de R$ 54 bilhões.
“A primeira conclusão a que chegamos ao analisar os dados sobre esses serviços e equipamentos é a de que sua privatização contribuiria muito pouco para atingir o principal objetivo alegado para a privatização, nomeadamente o da economia de recursos públicos. Se considerarmos os números da desoneração publicados pela Prefeitura ao longo de 2017, a soma dos projetos de privatização prioritários não chegam a alcançar 1% do orçamento municipal”, diz o coletivo.
Outra critica do grupo é quanto à legislação que vai reger o processo. Em relação aos mercados, por exemplo, o coletivo avalia que “a legislação aprovada é vaga e não define os termos de concessão de uso dos mercados, o que eleva o risco de aumento do preço das mercadorias e gentrificação desses espaços, que poderão acabar transformados em shoppings e praças de alimentação para a classe média alta e para o turismo global”.
Alguns dos equipamentos propostos para concessão ou privatização nem sequer dão prejuízo ao município. Neste grupo estão o Mercado Municipal (Mercadão) e o Anhembi. Em 2016, o Mercadão teve lucro de R$ 5,3 milhões. Junto com ele, a gestão pretende entregar à iniciativa privada outros dois mercados: o Kinjo Yamato e o de Santo Amaro. A prefeitura alegou que precisava reformar e reestruturar os espaços, o que custaria cerca de R$ 9 milhões, valor que a gestão não teria.
Já o Anhembi teve saldo positivo de R$ 18,7 milhões em 2016. No entanto, como é parte da SPTuris, entra no pacote de déficit desta empresa. O local recebe cerca de 3,5 milhões de visitantes por ano, com 150 eventos, incluindo o Carnaval. O estudo destaca que o déficit da SPTuris provém do fato de que a própria prefeitura é responsável por 99% das contratações de eventos. “Segundo os números apontam, a prefeitura, suas secretarias e órgãos têm pago valores bem abaixo do mercado, o que tem onerado o caixa da empresa”, avalia o Vigência.
A área do Anhembi é cobiçada pelo Mercado Imobiliário. E nesse sentido, a gestão Doria ofereceu vantagens significativas. “O Projeto de Intervenção Urbana (PIU) permite um aumento de 68% do potencial construtivo do terreno do complexo, desobedecendo o Plano Diretor da cidade e a Lei de Zoneamento da região. Além disso, reduz significativamente o valor da contrapartida que terá de ser paga ao município para construir acima do limite mínimo permitido na região, a chamada outorga onerosa”. Na prática, a privatização diminui em 46% o preço do metro quadrado que será construído a mais no local, causando prejuízo ao município.
Além disso, no caso da concessão do Anhembi, o grupo destaca que uma das principais interessadas é a GL Events, empresa faz parte da Lide, empresa da família de Doria. Se vencer a licitação, adquirindo o centro de convenções do local, “concentrará ainda mais o domínio do mercado desse tipo de infraestrutura de eventos em São Paulo, uma vez que já atua na gestão da São Paulo Expo”.
Outro ponto analisado pelo coletivo foram as doações feitas por empresários para o município. “Frequentemente são pouco transparentes. Adicionalmente, muitas delas parecem não ter sido pautadas pelas necessidades da cidade e das cidadãs e, às vezes, parecem ter sido de fato guiadas pelos interesses das empresas. O que é ainda mais grave, em alguns casos, as doações subverteram princípios democráticos, permitindo a empresas doadoras ganhar ingerência em definições de diretrizes políticas municipais de seu próprio interesse”, avaliou o Vigência.
Como exemplo, a organização Comunitas, em parceria com a consultoria McKinsey, doou R$ 3,7 milhões em serviços de consultoria à prefeitura. Uma dessas consultorias compreende um “diagnóstico dos principais desafios da cidade de São Paulo, tendo como referência as melhores cidades para se viver”. O problema dessa doação é que as empresas ganharam acesso privilegiado a informações estratégicas e a funcionários da prefeitura que são interessantes a clientes da McKinsey. Além disso, permitiu que empresários defendessem seus próprios interesses na definição do Programa de Metas.
Outro caso foi a parceria da Secretaria da Saúde com empresas farmacêuticas, que doariam até R$ 35 milhões de reais em medicamentos para ajudar a resolver o problema da falta de remédios nas Unidades Básicas de Saúde. Em troca receberam isenção de impostos equivalente a R$ 66 milhões. Os medicamentos doados estavam próximos ao vencimento e já não poderiam ser comercializados, o que propiciou economia no descarte dos medicamentos, que é um processo caro. Em novembro, a rádio CBN publicou reportagem denunciando que até 35% dos remédios doados haviam sido descartados.