Por Carlos Henrique Machado Freitas.
Estamos diante de uma nova peça de privatização da cultura brasileira. Os martelos desse pregão estão sendo batidos verso a verso. O Estado se ausenta e concebe uma instrumentalização dos recursos públicos para que as grandes corporações instrumentalizem todas as relações institucionais de nossa cultura. Isto é fato. Nisto não há nenhum desafio. Aproveitando a incapacidade do Estado de pensar a cultura como base nacional de cidadania, os executivos das grandes corporações se apossam da doçura das leis de incentivo, que tudo indica lhes dará mais garantia de arredação do mecenato público e, a partir daí, tomam pra si todas as decisões estratégicas de um perverso sistema onde a perda de qualidade na vida, sobretudo da classe média, talvez seja a grande sombra que desponta nesse rearranjo corporativo.
A força das estruturas dominantes na história atual da nossa cultura surgiu há vinte anos como valores contingentes das privatizações da era FHC e da leitura oficial que o Estado brasileiro passou a adotar como único capaz de determinar um conjunto de formas particulares de entender a cultura do país.
Efetivamente o mundo datado pelas corporações, fundado na história das privatizações brasileiras não considerou sequer o que era originalmente fenômeno da indústria cultural. Ainda ontem li um considerado ex-produtor de renome no Brasil reclamar que a indústria fonográfica empreendeu uma combinação burocrática que tornou completamente obscuras as relações cooperativadas dentro do cenário da produção musical da indústria.
Então pensamos, se essa ordem social, cultural e moral prevalece sobre a própria indústria cultural, imagina quais são as características de uma política em que o modelo alternativo de cultura é apenas residual dentro dos institutos e fundações das grandes corporações atuando no centro do sistema.
Há pouco tempo, por acaso, estive com um velho amigo que preside a fundação de uma grande empresa brasileira, e ele me confessou não ver o menor sentido a empresa manter uma fundação já que suas relações comerciais nada tem a ver com o que deveria ser um projeto nacional de cultura. E seguiu dizendo que, para tal plataforma, eles seriam obrigados a ser conduzidos por objetivos que exprimissem as próprias visões da cultura e que jamais uma grande empresa teria capacidade ou mesmo interesse em tais projetos. E revelou claramente… Não temos pessoal para isto, pois não temos meta. A contrapartida que ganhamos com a fundação são desequilíbrios e até distorções estruturais na empresa. Por isso a existência dessa fundação se choca com os negócios da empresa.
Na verdade o Estado está nessa conformidade sem qualquer finalidade para o país, obedecendo cegamente aos desígnios da globalização cultural. Lógico que a nossa forma de capitalismo cultural a partir da era Collor e seguida a ferro e fogo por FHC, era entregar nas mãos de atravessadores tudo o que fosse produzido nas mentes criativas brasileiras, subvencionando o pensamento a partir da lógica dos departamentos de marketing para a venda do produto principal de uma grande corporação, atribuindo à própria corporação o movimento e o motor do pensamento nacional desprovido de ideologia, buscando o mesmo dinamismo que as burguesias internacionais associadas ao grande capital tinham em mente.
Na realidade tal modelo conduzido pelo discurso globalizado nunca teve eficácia local, mesmo com cem por cento do mecenato público via renúncia fiscal como jamais criou o mercado global a partir da Europa e dos EUA.
Esse cidadão do mundo é apenas uma possibilidade. Imaginar isso numa sociedade tão desigual quanto a brasileira, é o mesmo que o Estado desconhecer a existência do cidadão das classes deserdadas ou mesmo dos novos pobres incluídos. O fato é que, diante do estado, a cultura e todos os seus fundamentos estão numa zona de banalidades, de comportamentos que podem servir a qualquer absolutismo a serviço do mercado.
Ocorre que no cotidiano esse mercado não é dotado de nenhuma forma verossímil. E se tais características alimentam apenas o imaginário interna ou externamente de uma grande corporação, nem a existência de uma racionalidade, esse sistema político formado em parceria entre governo e grandes corporações, produz algo que sequer podemos dar uma mínima classificação.
A cultura é o centro do mundo a partir de sua história social, mas o Estado só a vê através das bases materiais. E essa mitificação é que nos leva à realidade atual entre o mistério de um pensamento incompreensível e a presença da tecnicalidade como artifício dos novos autorizados. Porém nada disso produz nenhum efeito prático na história humana, verdadeira responsável por novos pensamentos e criações e, muito menos cria um mundo veraz a partir de uma fábula mercantil artificializada por um império fundado na monetarização da cultura onde a percepção do mecenato se transforma em um único motor de nossas manifestações e, diante de uma cidadania verdadeiramente universal, proclama-se o fim da ideologia e a própria morte do Estado.
O governo Dilma necessita urgentemente redefinir a função do Ministério da Cultura, pois este é a imagem da fragmentação e da compartimentação. Por isso há quinze meses cria cotidianamente conflitos com a sociedade, exclui boa parte dela e fica cada vez mais distante das relações solidárias com parâmetros de evolução de uma política de Estado. O governo Dilma precisa de uma definição para uma nova dimensão de política pública de cultura de Estado.
*Carlos Henrique Machado Freitas é músico, compositor e bandolinista.
Fonte: http://www.trezentos.blog.br