Por Igor Dias, de Goiânia (GO).
As urnas eletrônicas nem esfriaram e a bancada do Bolsonaro, em coalizão com a bancada do Temer, já conseguiu aprovar na comissão mista do Senado, sem discussão com os representantes do setor e com a sociedade, a MP que privatiza a água, aumenta as tarifas e gera seca. O que se viu nesses últimos dois dias no Senado é uma demonstração de que eles não estão dispostos a discutir com a sociedade e irão fazer de tudo para retirar nossos direitos.
48 horas após as eleições
Com menos de 48 horas do fim das eleições, na terça-feira, dia 30, a comissão mista que analisa a MP 844 se reuniu para eleger como presidente Hildo Rocha (MDB – MA) com 11 votos, contra 5 de seu concorrente, o deputado Glauber Braga (PSOL – RJ). A comissão elegeu também o senador derrotado nas urnas Valdir Raupp (MDB – RO) como relator de uma medida provisória que afetará a vida de todos os brasileiros. Não é justo que o relator de uma MP (Medida Provisória) tão importante seja alguém que o povo brasileiro não quer mais como representante. Sem seguir o regimento da casa, sem divulgar previamente o relatório, sem garantir prazo para análise, o novo relator fez a leitura do documento.
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) denunciou a ação de lobistas do setor privado que distribuiu uma carta sem assinatura pedindo aos parlamentares a aprovação da MP 844/2018. Glauber ainda leu o manifesto das entidades ligadas ao setor de saneamento que rechaça veementemente a MP 844 e cobrou que a medida não fosse votada sem um debate com a sociedade, mesmo assim, a votação foi marcada para o dia seguinte.
72 horas após as eleições
Na quarta-feira, dia 31, o rolo compressor dos aliados do governo Temer e do futuro presidente Bolsonaro aprovou na comissão mista a MP da seca. De 24 parlamentares presentes na comissão, apenas 4 votaram contra. Glauber Braga (PSOL-RJ), que votou contra, disse que a consequência imediata disso é o aumento do preço da conta de água, principalmente prejudicando aquelas pessoas que não podem pagar. A MP 844/2018 agora recebe o nome de PLC 28/18 e vai ao plenário da Câmara, provavelmente na próxima semana, já que a Medida Provisória só vale até o dia 19 de novembro.
Entenda a MP
A medida provisória 844/2018 foi editada pelo governo Temer no dia em que o Brasil era eliminado da Copa do Mundo de Futebol. Esse era também o ultimo prazo para que Temer aplicasse uma MP antes das eleições. A MP altera o marco legal do saneamento e está sendo chamada pelo setor do saneamento de MP da seca e da conta alta, pois na prática ela abre caminho para a privatização irrestrita do setor.
A medida provisória 844/2018 desmonta as conquistas da lei 11.445/2007 e trata a água como mercadoria, atendendo as expectativas do capital privado. O primeiro ponto a se observar é que a intenção daqueles que apóiam essa MP é de implementar o Programa Nacional de Desestatização das Empresas Estaduais de Água e Esgoto. E para dar mais celeridade ao processo, o texto da Medida Provisória estabelece como órgão regulador nacional a Agência Nacional Das Águas – ANA, o que pode fazer com que os entraves jurídicos sejam removidos, além de transferir para um órgão nacional a regulamentação de um setor que conta com diversas particularidades regionais. Hoje, a regulamentação do setor e a titularidade dos serviços são de responsabilidade do município.
Outro grave problema apontado por especialistas é que a licitação para lançamento de efluentes com vazão de até 100 l/s seja dispensada, possibilitando a ampliação da poluição de diversos rios e mananciais.
Entretanto, o que mais preocupa os trabalhadores do saneamento é a obrigação do município de abrir licitação para contratar a empresa de que prestará o serviço. Isso facilita a entrada da iniciativa privada em municípios rentáveis e os municípios menores e não rentáveis ficam sob administração do Estado.
A obrigação da oferta da concessão de serviços por municípios acaba com a prestação regionalizada de serviço, onde é estabelecido um programa de abastecimento para a região de acordo com a bacia hidrográfica e demais características técnicas e inviabiliza qualquer plano de universalização do atendimento de água e esgoto, sobretudo a população mais carente e mais afastada dos grandes centros urbanos.
A imposição de licitação que fatia a concessão dos serviços desestrutura o chamado subsídio cruzado. Esse mecanismo utiliza do lucro dos serviços de saneamento das cidades superavitárias para manter investimentos nas cidades cujas atividades dão prejuízo. O cenário que temos hoje com a poluição e a queda de vazão dos rios é de necessidade de investimentos principalmente nas pequenas cidades. Com a aprovação da MP e a procura da iniciativa privada pelas operações dos serviços nas grandes cidades, os municípios pequenos ficarão sem capacidade de manter suas tarifas atuais e sem investimento para a manutenção e ampliação dos serviços. A conta vai aumentar nas grandes cidades devido às empresas privadas visarem o lucro. Vai aumentar nas pequenas cidades, pois elas não terão como subsidiar as atuais tarifas e vai faltar água nas pequenas cidades, pois elas não terão nenhuma capacidade de investimento.
Seremos Resistência
A Aprovação da MP 844 na comissão mista talvez tenha sido a primeira demonstração de que os aliados de Bolsonaro já estão preparando o terreno para seu futuro governo. Outras iniciativas, como a tentativa de aprovar a reforma da previdência, a lei antiterrorismo e o PL do Escola Sem Partido demonstram que precisaremos unir forças para barrar esses ataques. A tarefa agora é unir forças para barrar a PL 28/18 (MP 844) no plenário da Câmara Federal. Água não é mercadoria! Deputados não reeleitos não podem decidir nosso futuro, isso não é democracia!
*Igor Dias é diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas indústrias urbanas do Estado de Goiás (STIUEG)