Prisioneiro palestino vence Israel

31Por Baby Siqueira Abrão.
Samir Issawi, preso político palestino de 32 anos, franzino, com menos da metade de seu peso habitual depois de aproximadamente oito meses de greve de fome, acorrentado pelos oficiais do Serviço Prisional de Israel (SPI) a uma cama de hospital, venceu, sozinho, o assim chamado “poderoso” governo de Israel. Hoje, 23 de abril, foi anunciado um acordo para libertá-lo, em troca do fim da greve de fome. Pelo acerto entre o Shin Bet, o serviço doméstico de segurança de Israel, e os advogados de Samir, ele será solto em dezembro e se comprometeu a encerrar seu protesto em 24 horas.
Segundo fontes bem-informadas de Israel, o governo sionista temia as manifestações que se seguiriam na Palestina caso Samir viesse a morrer. Seu estado, já muito sério, agravou-se ainda mais nas últimas semanas, quando seu coração passou a registrar apenas 24 batidas por minuto. Isso obrigou os médicos a uma série de procedimentos de emergência para mantê-lo vivo. Mesmo sob risco de morte iminente, Samir não apenas se manteve firme em seu propósito de sair livre da prisão israelense – morto ou vivo – como também ditou a seus advogados cartas que comoveram o mundo, desacostumado de atos baseados em dignidade e coerência de princípios.
Durante meses a greve de fome de Samir preocupou apenas a população palestina. Eventos como o reconhecimento da soberania da Palestina sobre uma pequena parte de seu território original – anterior à Guerra dos Seis Dias, provocada por Israel em 1967 para tomar militarmente a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém oriental, além das colinas de Golã (Síria) e do Sinai (Egito) –, as eleições em Israel, a morte de dois outros presos políticos, por tortura e falta de tratamento de câncer, e a visita de Barack Obama à região dominaram os noticiários por longo tempo. Quando o mundo acordou para o caso Issawi, Samir já estava há quase seis meses em greve de fome.
Atos públicos, abaixo-assinados, pressão sobre governos em várias partes do mundo, além dos protestos de organizações e instituições internacionais de direitos humanos (incluindo ONGs, sindicatos, partidos e movimentos sociais brasileiros, reunidos na Frente de Defesa do Povo Palestino) colocaram o governo de Israel contra um lado da parede. Do outro lado, a população palestina prometia um levante (intifada) caso Samir viesse a se tornar mais uma vítima do sistema prisional israelense – e deu uma demonstração da seriedade de suas intenções quando da morte (ou, como eles preferem, martírio) de Arafat Jaradat, barbaramente torturado pelo Shin Bet na prisão israelense de Meggido. Revoltas estouraram por toda a Cisjordânia, e os braços armados dos partidos palestinos declararam-se prontos para defender a população caso Samir fosse martirizado e Israel continuasse a atacar com violência os palestinos.
E tudo que Israel não quer neste momento, em que outra campanha contra o Irã está em curso, dessa vez com o apoio do governo dos Estados Unidos, é causar problemas locais que desviem a atenção das autoridades do país de sua mais recente obsessão. O primeiro-ministro Benjamin Netanyhau até pediu desculpas à Turquia pelo ataque ao navio de bandeira turca Mávi Mármara em 31 de maio de 2010 – quando a marinha israelense matou 9 pacifistas, oito deles cidadãos turcos – com o objetivo, segundo a rede russa RT TV, de instalar bases militares na Turquia para o suposto ataque ao Irã. Enfim, os sionistas pretendem manter o caminho livre para continuar com o bullying aos iranianos.
Nesse contexto, Samir Issawi tornou-se uma enorme pedra no caminho. Disposto a morrer caso continuasse preso sem acusação formal (e, na verdade, sem motivo), e insistindo o tempo todo que sua causa não era apenas pessoal mas sim de todo o povo palestino, ele deixou sem saída o governo israelense. E a própria Autoridade Nacional Palestina (ANP), que não fez muito esforço por sua libertação. Afinal, Samir pertence à Frente Popular de Libertação da Palestina, partido com o qual o Fatah, dominante na ANP, não mantém relações, digamos, cordiais.
Antes do acordo de hoje, o governo israelense ofereceu a Samir a liberdade em troca do exílio em Gaza. Ele recusou a oferta. Sua prisão, argumentou, era injusta, e a busca de justiça é inegociável. Também declarou-se vitorioso por antecipação: se fosse libertado ou se fosse martirizado. Nos dois casos, não teria cedido a Israel.
Samir foi preso várias vezes ao longo da vida, o que o impediu, por exemplo, de ter estudos regulares e uma família própria. A sentença mais pesada, de 30 anos, ele cumpria há 10 anos quando sua libertação entrou no acordo da soltura do soldado israelense Gilad Shalit, em outubro de 2011. Em junho de 2012 ele voltou a ser preso, sem motivo e depois de receber perdão presidencial, sob “detenção administrativa”, procedimento que Israel utiliza para manter palestinos na cadeia indefinidamente, sem acusação, sem direito a processo e a julgamento (isto é, sem direito a defesa). Em agosto iniciou a greve de fome com outros três companheiros, já libertados.
Israel fez algumas exigências para soltar Samir: ele não deve sair das vizinhanças de Issawiya, a vila de Jerusalém oriental onde mora; deve ficar mais oito meses detido, contados a partir da data do início do acordo (o que somará 18 meses desde o início de sua detenção administrativa); precisa prometer não manter contatos com membros de grupos “terroristas” ou com pessoas que cometam atos “terroristas”. Se Samir violar os termos do acordo ou cometer algum crime que o mantenha mais de três meses na prisão, o restante de sua sentença anterior, suspensa em outubro de 2011, será reativada.
Como palavra de sionista sempre volta atrás, Samir exige um acordo por escrito para pôr fim à greve de fome. Caso não seja atendido, promete parar de tomar líquidos, o que o levará rapidamente à morte. De todo modo, sabe-se que o governo israelense não prima pelo respeito nem mesmo aos acordos que assina – e a violenta ocupação da Palestina está aí para provar o fato. Além disso, nada garante que o Shin Bet não monte algum esquema para culpar Samir do que ele não fará. Trata-se, enfim, do tipo de “liberdade” que as autoridades israelenses “permitem” aos palestinos: aquela que mantém uma espécie de espada de Dâmocles sobre suas cabeças.

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