Por Cristiane Sampaio.
O mandato do novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), começou em tom de controvérsia: em seu primeiro ato ao assumir o cargo, no final da noite de segunda-feira (1º), o candidato favorito do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) invalidou o bloco da chapa de Baleia Rossi (MDB-SP).
Rossi era seu principal adversário na corrida e candidato do agora ex-presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). O emedebista era também o candidato apoiado pela maioria dos partidos de oposição. A chapa havia sido validada por Maia e reunia oficialmente PT, MDB, PSB, PSDB, PDT, Solidariedade, PCdoB, Cidadania, PV e Rede.
Mas Lira argumentou que a chapa teria sido registrada fora do prazo-limite. Ele cancelou ainda a formação do bloco de Rossi e também determinou que fosse feita outra eleição para a escolha dos demais nomes que compõem a Mesa Diretora da Câmara.
“A primeira medida de Arthur Lira na cadeira de presidente é um golpe contra o bloco opositor. É apenas a demonstração do que será essa presidência. Precisamos redobrar nossa luta”, reagiu a líder do Psol, Sâmia Bomfim (SP), em manifestação pelo Twitter.
A primeira medida de Arthur Lira na cadeira de presidente é um golpe contra o bloco opositor, anulando a composição da mesa e convocando uma nova eleição. É apenas a demonstração do que será essa presidência. Precisamos redobrar nossa luta.
— Sâmia Bomfim (@samiabomfim) February 2, 2021
Também pelo Twitter, a deputada federal e presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), disse que a atitude foi uma “violência contra a democracia” e que Lira “mostrou que será um ditador a serviço de Bolsonaro”.
Primeiro ato de Artur Lira foi dar um golpe na oposição para mandar na mesa da Câmara. Violência contra a democracia. Mostrou que será um ditador a serviço de Bolsonaro
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) February 2, 2021
A iniciativa do parlamentar alagoano surpreendeu e despertou comparações imediatas com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), que atualmente cumpre prisão domiciliar e teve uma gestão (2015-2016) conhecida pelos desmandos diante dos opositores.
A ação do pepista tende a gerar disputa no âmbito do Poder Judiciário, o que já está sendo anunciado por parlamentares de oposição. A líder da bancada do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), por exemplo, está entre os que deram essa sinalização ainda na madrugada, logo após a confusão gerada pelo ato de Lira.
“A ditadura começou. Cunha, o retorno… Arthur Lira encerrou a sessão sem apurar os demais cargos e não há previsão no regimento para isso. Sequer teve coragem de abrir os microfones para os líderes contestarem. Vamos recorrer”, disse, em uma postagem pelo Twitter.
A ditadura começou! Cunha, o retorno…
Artur Lira encerrou a sessão sem apurar os demais cargos e não há previsão no regimento p/ isso. Sequer teve coragem de abrir os microfones p/ os líderes contestarem. Vamos recorrer!— Perpétua Almeida (@perpetua_acre) February 2, 2021
Em nota conjunta publicada depois das primeiras manifestações, nove dos dez partidos que compunham a chapa de Rossi classificaram a medida como um “ato autoritário, antirregimental e ilegal”.
“A eleição é una: não se pode aceitar só a parte que interessa. Ao assim agir, afrontando as regras mais básicas de uma eleição – não mudar suas regras após a sua realização –, o deputado coloca em sério risco a governabilidade da Casa. A insistir nesse caminho, perderá qualquer condição de presidi-la”, diz o texto, assinado por PT, MDB, PSB, PSDB, PDT, PCdoB, PV, Rede e Cidadania.
“Os procedimentos adotados na eleição pelo ex-presidente Rodrigo Maia tiveram a participação e o concurso deles, do bloco deles. Excluir, autoritariamente, depois de fazer um discurso pedindo diálogo, [é algo que] compromete qualquer processo de funcionamento democrático desta Casa. Não vamos aceitar tamanho absurdo”, disse o líder da minoria, José Guimarães (PT-CE).
Eleição
A decisão de Lira é considerada surpreendente porque rompe o ritual habitual da Casa, que costuma eleger todos os ocupantes de tais cargos no mesmo dia da eleição do presidente.
A mesa tem mais dez cargos além da função de presidente. São eles: dois vice-presidentes, quatro secretários titulares e quatro suplentes. A distribuição dos nomes nessas cadeiras segue critérios de proporcionalidade partidária. Por conta da novidade gerada pelo ato de Lira, a tendência é que haja uma mudança grande no desenho que vinha sendo estruturado para a composição da mesa.
A oposição – que havia conquistado, em tese, posições importantes – tende a ficar mais desprivilegiada no xadrez político. Três deputadas do segmento haviam sido, por exemplo, indicadas e eram candidatas únicas aos cargos da 1ª secretaria, da 2ª secretaria e da 4ª secretaria: Marília Arraes (PT-PE), Rose Modesto (PSDB-MS) e Joenia Wapichana (Rede-RR), respectivamente.
No caso desta última, seria a primeira vez que a Câmara teria um nome indígena na mesa, considerando os quase 200 anos de história da instituição. Originalmente, a vaga era do PSB, mas um acordo fez com que a sigla cedesse o posto para a Rede, para que Joenia, a primeira mulher indígena a conquistar uma cadeira na Casa, pudesse ocupar a vaga.
Mas agora, com a invalidação do bloco de Rossi, a disputa para tais cargos volta à estaca zero. Segundo o ato formal de Lira, eles terão os novos nomes escolhidos somente nesta terça (2), a partir das 16 horas. Antes disso, as lideranças partidárias devem se reunir para fazer um novo fatiamento dos cargos.
Bolsonaro X Maia
Em termos de simbologia, o resultado da eleição para presidente da Câmara representa uma vitória política para Jair Bolsonaro (sem partido), que se envolveu diretamente nas articulações para levar Lira ao posto e é acusado de distribuir cargos e emendas em troca de votos.
O placar da disputa também simboliza uma derrota para Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele foi o responsável por alinhavar o apoio oficial das legendas que compunham o grupo de Rossi, o deputado que polarizava a disputa com Lira e terminou em segundo lugar. O emedebista encerrou a corrida com apenas 145 votos – uma demonstração de que diferentes parlamentares do seu próprio bloco traíram o grupo e depositaram voto em Lira, conforme vinham sinalizando algumas projeções de bastidor.
Placar
Em termos de cardápio, o pleito foi marcado pela pulverização. Nos últimos instantes antes da votação, Alexandre Frota (PSDB-SP) retirou o próprio nome da disputa, reduzindo o número de candidatos de nove para oito postulantes.
O placar final dos concorrentes ficou da seguinte forma: Fábio Ramalho (MDBV-MG) na terceira posição, com 21 votos; Luiza Erundina (Psol-SP), com 16; Marcel van Hattem (Novo-RS) angariou 13 apoios; André Janones (Avante-MG) teve três eleitores; Kim Kataguiri (DEM-SP) finalizou a corrida com dois votos e General Peternelli (PSL-SP) obteve apenas um. O placar contou ainda com dois votos em branco.
Edição: Rodrigo Durão Coelho.