Por Bruno Pavan
A primeira audiência pública da Comissão da Verdade da Democracia ocorreu neste sábado (21), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A exemplo da iniciativa que buscou esclarecer os crimes cometidos pelo governo brasileiro no período ditatorial, esta comissão quer a verdade em relação às mortes cometidas pela Polícia Militar no estado já no regime democrático. Este primeiro encontro debateu os crimes de maio de 2006, quando 493 pessoas foram mortas violentamente em São Paulo durante enfrentamento de membros de uma facção criminosa e as forças de segurança.
A representante do movimento Mães de Maio, Debora Maria da Silva, ressaltou que a comissão é um passo importante, mas não decisivo. “Precisamos nos debruçar sobre esses crimes do Estado e punir seus responsáveis. A ditadura não foi passada a limpo no Brasil e uma das consequências disso é a polícia militarizada que precisa acabar”, avaliou. A audiência contou ainda com representantes da Comissão Especial da Anistia, da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, além da Defensoria Pública.
Para Eugênia Gonzaga, que preside a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, esse trabalho é relevante, pois, mesmo no período democrático, há a continuidade dessa violência dos aparelhos de segurança, fazendo com pessoas desapareçam sem nenhum esclarecimento. Além disso, ela acredita que essa iniciativa pode estimular outros estados a criarem comissões similares. “Essas práticas disseminadas de desaparecimento não acontecem só em um lugar. E não é possível que uma só comissão dê conta de atingir as peculiaridades de cada local”, apontou.
Os crimes de maio
As investigações sobre as execuções e desaparecimentos de quase 500 pessoas, ocorridas entre os dias 12 e 19 de maio de 2006, foram quase todas arquivadas sem os devidos esclarecimentos e responsabilizações, aponta a Comissão da Verdade da Democracia. Coube aos parentes, a tarefa de investigar por conta própria, buscando por justiça em nome dos filhos e irmãos mortos. A maior parte dos familiares das vítimas sustenta que seus entes foram mortos por agentes do Estado em serviço ou por grupos de extermínio.
Durante a audiência, João Inocêncio relembrou a perda do filho Matheus, 17 anos, em Santos. “Falaram que meu filho morreu por dívida de droga. Acontece que ninguém veio atrás de mim pra cobrar. E, quando os traficantes matam alguém por isso, eles vão atrás dos pais e avós. Não perdoam”, questionou. Inocêncio lembra que, quando esteve na delegacia após a morte do filho, ouviu uma enfermeira pedir que a PM parasse de matar os meninos. Apesar de tantos anos terem se passado, ele diz que não vai desistir de esclarecer a morte do filho. “Não importa se a gente acha que isso aqui vai dar em alguma coisa, mas o nosso papel é perseverar”, declarou.
Vera Lúcia Santos teve a filha Ana Paula morta, grávida de 9 meses. “Ela morreu um dia antes de fazer a cesárea”, lamentou a mãe. Também moradora de Santos, ela reclama da posição em que se encontra de ter que provar que a filha era uma pessoa idônea. “Além deles matarem ela, que era uma trabalhadora, a tratam como bandida e quem fica aqui que se vire para provar o contrário”, reclamou. Ela diz que está discrente da Justiça. “Estou acreditando nisso que está acontecendo aqui [a audiência pública]. Se não der certo, acabou tudo e a alegria de viver”, declarou.
Outros casos
Além dos crimes de maio de 2006, a Comissão da Verdade da Democracia vai analisar outros casos. Um deles é o Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, quando 111 detentos foram mortos em uma ação policial para repremir uma rebelião. O outro é o Massacre da Praça da Sé, em 2004, quando sete moradores de rua foram assassinados com golpes na cabeça enquanto dormiam na praça no centro de São Paulo. Os ataques também deixaram oito pessoas feridas.
Fonte: Brasil de Fato
Foto: Bruno Pavan/Brasil de Fato