Prevenção do suicídio: uma tarefa de muitas facetas e desafios. Por Guilherme Sant’Anna.

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Por Guilherme Sant’Anna.

Não se previne o suicídio como se previne uma doença qualquer. Aliás, embora comum, essa aproximação do suicídio a patologias é, no mínimo, imprecisa. Setembro é o mês dedicado à conscientização sobre a prevenção do suicídio, e ela começa pela compreensão de que se trata de uma questão complexa, multifatorial. É preciso considerá-la em seus âmbitos social, histórico, psíquico, econômico, biológico, racial, de gênero, etário, entre outros. Também é complexa porque mesmo os chamados fatores protetivos, como os laços sociais, o acesso a um sistema de saúde e a condições dignas de moradia e subsistência, não determinam completamente se alguém vai se matar ou não. Obviamente, parte da prevenção consiste em garantir que todas/os tenham acesso a essas condições, o que é um desafio no Brasil.

Mas, além disso, sendo o suicídio uma questão existencial, ele tem um quê de aberto, de indeterminado, e por isso podemos pensar numa prevenção de uma outra ordem. Ela passa pela destruição de preconceitos, pela reflexão, pelo compartilhamento entre as pessoas, pelo acolhimento, pela compreensão. Nesse sentido, vale muito a ajuda dos poetas, já que falam da existência de um jeito próximo, familiar. Sinto como se Carlos Drummond de Andrade falasse em seu poema de uma possibilidade da vida como quem nos apresenta um parente: “Olha, esse aqui é o meu primo. Ele é seu parente também.” Aqui vai o poema de Drummond:

“Não se mate

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, pra quê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.”

O que eu vejo é um Carlos inquieto, em processo de desilusão, convencendo-se a aceitar as variações do amor, que hoje beija e amanhã não; a incerteza quanto ao futuro, nas bodas que se realizarão ou não; a tragédia da vida, nos amores sempre tristes. Ele sabe que é inútil resistir, que isso é da vida, é a vida. Também, que essa desilusão pode levar alguém a pensar em suicídio. Mas ele tenta apostar no desconhecido da vida, no caminho da poesia.

No fim do poema, Drummond recomenda a Carlos não dizer nada aos demais, como se sua desilusão pudesse tirar a esperança das pessoas. Porém, o poeta não segue a própria recomendação, afinal, se tivesse seguido, não teríamos o poema para ler. Talvez, porque pense que não é preciso se iludir para seguir existindo. Ele, um grande poeta, não iria nos esconder o que há de trágico ou de banal na vida, uma vez que a tarefa do poeta é justamente trazer à luz. Evidenciando, ele nos mostra a possibilidade de encontrar (ou de criar) a poesia nessa vida mesma, de amores tristes, de incertezas e de anúncios de sabão. E a poesia, a criação, não está restrita aos grandes poetas como Drummond, mas disponível a todas/os nós, em nossa tarefa diária de viver.

Apesar de sermos poetas e poetisas de nossas próprias vidas, há momentos em que viver pode parecer intolerável, seja por desilusões ou por diversos outros motivos, e a morte acena como uma possibilidade de resolução. Especialmente nessas horas, buscar ajuda profissional, familiar, na arte, etc. pode ser crucial. Isso porque também se previne o suicídio com escuta qualificada, com compreensão, com afeto, enfim, quando se consegue dividir o que pesa com quem se confia.

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Guilherme Sant’Anna é psicólogo (CRP 05/57577), formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e atualmente cursa o mestrado em Psicologia Social nessa mesma universidade. Ele realiza atendimentos de psicoterapia online e, se você quiser entrar em contato, pode fazê-lo pelos seguintes meios:

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