Por José Álvaro Cardoso.*
Descontada a utilização político-eleitoral dos indicadores macroeconômicos, a inflação apresenta trajetória preocupante no Brasil. Em março, por exemplo, a variação do custo de vida no município de São Paulo foi de 0,81%, segundo cálculo do DIEESE (ICV-DIEESE). A taxa supera a de fevereiro – que ficou em 0,61% – em 0,20 ponto percentual (p.p.). Os grupos que mais influenciaram a taxa deste mês foram Alimentação (1,83%), Transporte (0,93%), Despesas Pessoais (0,51%) e Habitação (0,29%), os quais, juntos, contribuíram com 0,78 p.p. no cálculo da taxa de março, segundo o setor de cálculo da inflação no DIEESE.
Pelos dados do Índice do Custo de Vida (ICV), observa-se que, em 12 meses, até março, quatro dos 10 grupos que compõem o índice, tiveram variações superiores ao índice geral (6,78%): Saúde (11,24%), Despesas Pessoais (9,19%), Educação e Leitura (9,01%), Despesas Diversas (8,99%) e Alimentação (7,56%). No grupo Saúde (11,24%), os medicamentos e produtos farmacêuticos apresentaram alta acumulada de 5,83%, menor do que a registrada no subgrupo assistência médica, 12,45%, que foi pressionado pelos aumentos nas consultas médicas (13,65%) e seguros e convênios (12,27%). Nas Despesas Pessoais (9,19%), a maior alta foi registrada em fumo e acessórios (12,45%), e em menor intensidade, em higiene e beleza 5,86%. Na Alimentação (7,56% em 12 meses), houve aumento em todos os subgrupos: produtos in natura e semielaborados, 8,48%; indústria da alimentação, 5,25% e alimentação fora do domicílio, 9,31%.
Apesar do Brasil ainda estar dentro da meta inflacionária (quase no teto, pelo índice oficial de inflação, o IPCA), o problema requer atenção porque a pressão inflacionária ocorre num momento em que a economia cresce relativamente pouco. Enquanto o crescimento da economia global está projetado, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), para 3,6% neste ano e 3,9% no ano que vem, no Brasil as projeções estão em 1,8% em 2014 e 2,7% em 2015. O crescimento previsto do Brasil é bem inferior à média dos países emergentes calculado pelo FMI: 4,9% em 2014 e 5,3% em 2015. Ou seja, o Brasil está com um mix perigoso de indicadores: baixo crescimento com inflação perigosamente em elevação. Reconhecer que isso é um problema não significa, evidentemente, admitir que haja qualquer tipo de descontrole inflacionário.
Mesmo porque, a última década foi o período mais longo de inflação baixa de toda a história do Brasil. Ademais, em boa parte, a pressão inflacionária decorre uma virtude da política econômica brasileira: a mudança da estrutura de distribuição de renda e a inclusão de milhões de brasileiros, nos últimos anos, no processo de consumo. São milhões de pessoas que passaram a adquirir mais bens, a andar de avião, a acessar o sistema de crédito e consumir mais serviços. Pressionando, portanto, o preço de alguns produtos e, especialmente, serviços, aos quais este segmento da população passou a ter acesso.
Neste momento, a demanda vem sendo garantida pelo aumento da renda e do consumo, que continua sendo incrementada pelo salário mínimo e pelos ganhos reais nas negociações (que continuaram no primeiro quadrimestre, mais ou menos no mesmo ritmo verificado em 2013).
Vale lembrar que, segundo os dados do Produto Interno Bruto (PIB), o consumo das famílias subiu, pelo décimo ano seguido em 2013 (2,3%). Ou seja são 120 meses de crescimento ininterrupto, o que certamente colocou o padrão de consumo das famílias brasileiras em um outro patamar. Como a taxa de investimentos não cresceu no mesmo ritmo certamente existe aí um desequilíbrio entre oferta e demanda que, em parte, é suprido por importações, e, em outra parte, responde por uma fatia da pressão inflacionária.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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