Brasília – Animados com o resultado da votação do Novo Código Florestal, os ruralistas fincaram pé e conseguiram adiar, mais uma vez, a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438, a chamada PEC do Trabalho Escravo, prevista para entrar na pauta do plenário da Câmara na noite desta terça (9), em sessão extraordinária. Mas um acordo de alto risco viabilizado pelos líderes das bancadas dos partidos mais progressistas ainda pode permitir que a matéria, que tramita há mais de dez anos na casa, seja apreciada nesta quarta (10).
Pelo acordo, os ruralistas votarão integralmente a PEC defendida pelo governo. Mas, antes disso, o governo terá que negociar com o Senado a garantia da aprovação de uma lei complementar que especifique os dois pontos mais polêmicos da matéria: o que poderá ser considerado trabalho escravo e em quais circunstâncias se dará a expropriação das terras em que a prática for identificada. Na prática, uma corrida contra o tempo. E sem grandes garantias de êxito.
“Pelo acordo de líderes, A PEC será aprovada na Câmara, nesta quarta, e o acréscimo será feito posteriormente, no Senado. A Lei complementar vai definir o que é trabalho escravo e como se dará a expropriação”, explicou o líder o governo na casa, deputado Arlindo Chinaglia. “Nós queremos que o projeto vá à votação e seja aprovado. Por isso, é preferível o acordo”, justificou o presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS), para quem a lei complementar não prejudicará o principal. “Vocês têm noção do avanço que será imprimir a palavra ‘expropriação’ na nossa constituição?”, questionou ele.
O quórum necessário para aprovar uma PEC é alto: 308 dos 513 deputados precisam manifestar acordo. E o trauma da votação do Código Florestal ainda é grande, bem como a falta de confiança na própria base aliada. Antes dos líderes baterem o martelo, o deputado Amauri Teixeira (PT-BA) checou o número de deputados em plenário e não gostou do resultado: eram apenas 208. Faltava 100 para o quórum mínimo necessário, e isso na hipótese mais do que utópica de que todos votassem favoráveis. “Há partidos grandes, alguns deles da própria base aliada do governo, que estão com poucos deputados em plenário”, reclamou.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que seu partido não aprovou o acordo, mas confessou ser ele preferível a não aprovação da matéria. “Que tem risco, tem. Mas a correlação de forças no Senado ainda é melhor do que aqui na Câmara. Vide o Código Florestal”, destacou. A deputada Érika Kokay concordou. “Vamos aprovar a matéria como está, que já era nosso objetivo. Mesmo sem o acordo, ela já correria o risco de ser alterada no Senado, que é outra casa”, reforçou.
Mobilizações
Com a perspectiva de votação da PEC, o dia começou com intensas mobilizações na Câmara. Ministros, ex-ministros, artistas, intelectuais, militantes de movimentos sociais, representantes das centrais sindicais e, é claro, parlamentares do campo progressista protagonizaram uma série de atividades em defesa da aprovação da matéria. Durante a manhã, ato público.
À tarde, sessão solene da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo. Durante todo o dia, corpo a corpo para convencer os deputados da importância da aprovação da matéria para a erradicação do trabalho escravo no país.
À frente da mobilização, estava a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que contou com o apoio dos seus três últimos antecessores: Nilmário Miranda, Mário Mamede Filho e Paulo de Tarso Vannuchi. Os ministros do Trabalho, Brizola Neto, e a da Igualdade Racial, Luiza Barros , também participaram das atividades no Legislativo. Rosário animou a militância durante o ato, apresentou sólidos argumentos para convencer progressistas e ruralistas da importância do projeto e articulou com os líderes a viabilidade da construção do acordo. Só deixou a Câmara às 20 horas.
“O trabalho escravo já está tipificado no Código Penal e, portanto, não nos cabe reformular o conceito. O que nós podemos avançar é na definição da forma como se dará a expropriação”, afirmou. Segundo ela, a mobilização pela aprovação da matéria continua. “Essa pressão dos ruralistas já dura mais de uma década. Está na hora de aprovarmos a PEC como resposta a este crime de lesa-humanidade inadmissível no Brasil do século 21”, resumiu.
Fotos: Rodolfo Stuckert/Agência Câmara
Fonte: http://www.cartamaior.com.br