Por Miguel Martins e Rodrigo Martins.
Pressionado a dar uma resposta à crise do sistema prisional, que resultou na morte de mais de 130 presos desde o início do ano, Michel Temer anunciou o envio de tropas das Forças Armadas para atuar nos presídios. Incapaz de propor uma alternativa minimamente aceitável, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, resolveu sair de cena, transferindo a batata-quente para as mãos do ministro da Defesa, Raul Jungmann.
A autorização para o uso de militares foi publicada nesta quarta-feira 18 no Diário Oficial da União, por meio de um decreto presidencial. Segundo Jungmann, eles não lidarão diretamente com os detentos, mas serão destacados para a realização de vistorias e varreduras para retirar drogas, armas e celulares das unidades. E só serão mobilizados mediante solicitação prévia dos governadores de estados afetados pela crise.
Desde que foi anunciada, a presença de militares nos presídios tem sido questionada por numerosos juristas e especialistas em segurança pública. O mais curioso é que a medida parece contrariar recomendações de técnicos do próprio governo federal, para quem tal função só deveria ser desempenhada por agentes penitenciários qualificados para a tarefa.
Em 16 de outubro de 2016, a Penitenciária de Monte Cristo, em Boa Vista, foi palco de uma chacina de dez presos. Quatro dias depois, representantes do Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça, realizaram uma vistoria no local. O relatório, ao qual CartaCapital teve acesso (íntegra ao final do texto), destacava as “péssimas estruturas físicas, gestão prisional inexistente, servidores não capacitados e total ausência de mecanismos que oportunizem a recuperação das pessoas privadas de liberdade”. Chama a atenção, porém, um dos encaminhamentos propostos pelo Depen no documento: “um plano de retirada da Polícia Militar da rotina das unidades prisionais” de Roraima.
“A presença da Polícia Militar no dia-a-dia da Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, por exemplo, que se arrasta desde 2014 (após anterior crise enfrentada pelo estado), mostra a falta de priorização das demandas do sistema prisional”, diz o relatório assinado pelos servidores Paulo Moreira de Carvalho e Letícia Maranhão Matos em 31 de outubro de 2016. “Os agentes penitenciários do estado são diariamente escoltados pela Polícia Militar na realização de seus afazeres mais corriqueiros, perpetuando a presença de policiais que não foram capacitados para atuar em prisões”.
Ainda segundo o documento, o secretário adjunto de Justiça e Cidadania de Roraima, Francisco Xavier Medeiros de Castro, reconheceu que nos dias que antecederam a chacina de 16 de outubro em Monte Cristo “o clima nas unidades prisionais do estado já estava bastante tenso, fato reforçado pela presença da Polícia Militar e pelas frequentes fugas”.
O advogado Rafael Custódio, coordenador do programa de justiça da ONG Conectas, entidade que costuma monitorar a situação dos presídios, acredita que a presença de soldados do Exército pode gerar ainda mais tensão. “Militares são treinados para combater um inimigo, inclusive para eliminá-lo, se for o caso. Não por acaso estão submetidos a um sistema judicial próprio, diferente daquele aplicado aos civis.”
Argumento semelhante foi apresentado, nas redes sociais, por Flávio Antônio da Cruz, juiz federal e professor da Universidade Federal do Paraná: “Na base do emprego das Forças Armadas, encontra-se o pressuposto de que se enfrentam desafetos, com a alta probabilidade de se matar ou morrer”.
Para Wálter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado e ex-secretário Nacional Antidrogas, a medida é mais um “factoide” do governo Temer para esquivar-se da responsabilidade. “Sem uma intervenção federal nos estados, as Forças Armadas não têm poder de polícia. Serão rebaixadas a uma atividade auxiliar, de guarda-costas de carcereiros para vistoria de celas. É como usar esparadrapo para tratar uma fratura exposta”, diz o especialista, também colunista de CartaCapital.
Conforme o artigo 34 da Constituição, a União poderia intervir para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”. Ou ainda, segundo o artigo 136, “decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade”. Em vez disso, o governo limitou-se a disponibilizar soldados para atividades auxiliares, eximindo-se da responsabilidade, critica Maierovitch.
Não é a primeira vez que os militares são usados para tentar estancar crises de segurança pública. Nos últimos anos, a presença de soldados em favelas cariocas gerou uma avalanche de denúncias por violações de direitos humanos, e foi alvo de contundentes críticas de organismos como a Anistia Internacional. Da mesma forma como agora, as ações autorizadas pelos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff foram consideradas um desvio da finalidade constitucional das Forças Armadas.
Fonte: Carta Capital.