Presença de “Ainda Estou Aqui” no Óscar virou Copa do Mundo, e a esquerda vai comemorar o gol do adversário? Por Francisco Fernandes Ladeira.

A extrema-direita concentra todo o seu arsenal de teorias delirantes contra o filme de Walter Salles. Segundo esses discursos, o Grupo Globo (produtor do longa) estaria por trás da premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro, a ditadura militar retratada no filme nunca teria existido, o projeto teria sido totalmente financiado pela Lei Rouanet, e "Ainda Estou Aqui" seria pura "lacração".

Por Francisco Fernandes Ladeira.

Na internet – também conhecida como ágora digital – os debates são caracterizados, em boa medida, por posicionamentos maniqueístas. Ou se ama ou se odeia uma determinada temática. Não há espaço para o meio-termo. Tem sido assim, por exemplo, nas discussões que presenciamos nas redes sociais sobre o filme “Ainda Estou Aqui”.

De um lado, está, principalmente, a extrema-direita, e todo seu arsenal de delírios contra o longa de Walter Salles. O Grupo Globo (produtor da obra) estaria por trás da premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro, a ditadura militar mostrada no filme não existiu, haveria financiamento total da Lei Rouanet e “Ainda Estou Aqui” é pura lacração.

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De outro lado, a esquerda capturada pelo Grupo Globo e sua defesa incondicional de “Ainda Estou Aqui”, limitando-se a analisá-lo como arte, ocultando os interesses econômicos e ideológicos presentes no filme.

Nessa linha, os mais empolgados, fazendo coro com os noticiários da Globo, têm apontado que a cerimônia do Óscar, num domingo de carnaval, com “Ainda Estou Aqui” concorrendo em três categorias, será uma espécie de Copa do Mundo. Vai parar o Brasil. Está concretizado o chamado “evento midiático”, transmitido ao vivo na tela da Vênus Platinada.

Impossível pensar num momento mais oportuno para limpar a imagem do conglomerado de mídia da família Marinho junto aos setores progressistas. Inclusive, há quem diga (ingenuamente ou não) que “nem tudo no Grupo Globo é ideológico, só os noticiários possuem viés político”.

É mera coincidência o uso de “Ainda Estou Aqui” em um momento em que o Grupo Globo visa monopolizar os discursos em defesa da democracia e contra qualquer possibilidade de um outro golpe militar. Também é por acaso o fato de o conglomerado de mídia da família Marinho ter o longa de Walter Salles como carro-chefe de suas investidas no setor de streaming e no mercado internacional de filmes.

Além disso, tem chamado a atenção as formas agressivas e histéricas com que os defensores de “Ainda Estou Aqui”, supostamente à esquerda, se dirigem a quem minimamente questione os objetivos ideológicos do filme. Tão “haters” quanto a extrema-direita.

Não se trata de aderir aos boicotes às salas de cinema, tampouco entrar na campanha paranoica dos identitários, sobre “Ainda Estou Aqui” não contemplar a “diversidade” ou fazer coro com a falsa dicotomia sobre 22 anos de ditadura incomodarem mais que 388 anos de escravidão.

Porém, o mínimo senso crítico é necessário. Servir como correia de transmissão da ideologia do decadente e golpista Grupo Globo não é (e nunca será) função de qualquer setor que se considere progressista. Nessa “Copa do Mundo” do próximo dia 2 de março, caso “Ainda Estou Aqui” leve alguma estatueta, a esquerda vai comemorar o “gol” do adversário (digo, do Grupo Globo)?

Como diz o ditado, infelizmente, pelo andar da carruagem…

Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

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