Presença da indústria no PIB do Brasil regrediu ao estágio de 1910, diz ex-presidente do IPEA

 

Por Marco Weissheimer.* 

Para Marcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ‘governo Temer, de certa maneira, é a pedra que faltava para retirar as possibilidades da industrialização brasileira’

O aspecto mais grave da crise política e econômica vivida pelo Brasil hoje é que o país está completamente sem rumo, sem nenhum debate sobre um projeto nacional e contaminado pelo curtíssimo prazo. Os setores de petróleo e gás, construção civil, agronegócio e indústria automobilística, que foram importantes para viabilizar a recuperação da economia nos anos 2000, nos governos do PT, estão gravemente comprometidos e o país está cada vez mais dependente de uma pauta de exportação primarizada. Em 2014, a indústria representava cerca de 15% de todo o produto nacional. Em 2017, esse número deve chegar a algo em torno de 8% a 9% do PIB, o que equivale ao que era o Brasil na década de 1910. A avaliação do economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), não recomenda nenhum otimismo sobre o futuro da economia brasileira nos próximos meses.

Em entrevista ao Sul21, Pochmann analisa o momento econômico e político, contextualizando-o na história recente do país. Das quatro recessões que o capitalismo brasileiro já viveu, ele considera a atual a mais grave do ponto de vista da desorganização do sistema de investimentos no Brasil. Para Pochmann, o governo Temer é a “pedra que faltava para retirar as possibilidades da industrialização brasileira”. “O que temos hoje basicamente é a força do setor de produção agro-mineral e o setor de serviços. São setores importantes, mas sem capacidade de permitir um ritmo de expansão sustentável para um país com mais de 200 milhões de habitantes”, adverte. No plano político, Marcio Pochmann diz que só há uma saída institucional para a atual crise política, as eleições em 2018, mas está preocupado com essa possibilidade: “A minha preocupação maior é se, de fato, nós teremos eleições em 2018”.

Como você definiria o atual momento econômico que o Brasil está vivendo?

Marcio Pochmann: Se olharmos do ponto de vista histórico, essa é a quarta recessão que temos no país desde que o capitalismo aqui se instalou, sendo a terceira do período em que o Brasil se tornou urbano e industrial. Essa é a recessão mais grave do ponto de vista da desorganização do sistema de investimentos do país. Não é apenas uma recessão no sentido da redução do nível de atividade, mas também pelo processo de desinvestimento com o fechamento de empresas no país. A indústria que, desde a Revolução de 30, havia sido o vetor principal do comando da acumulação capitalista no Brasil, praticamente vai se desfazer com essa recessão. Já estávamos convivendo com uma fase de descenso da indústria. Em 2014, a indústria representava cerca de 15% de todo o produto nacional. Em 2017, esse número deve chegar a algo em torno de 8% a 9% do PIB, o que equivale ao que era o Brasil na década de 1910.

Podemos até, em 2017, ter uma inflexão na recessão, mas isso não significa que temos base sustentável para voltar a crescer, pois estamos cada vez mais dependentes de uma pauta de exportação primarizada. Além disso, o agronegócio está sendo atingido por uma série de denúncias. Os setores de petróleo e gás, construção civil, agronegócio e indústria automobilística, que foram importantes para viabilizar a recuperação da economia nos anos 2000, nos governos do PT, estão muito comprometidos. O Brasil está sem rumo. Talvez essa seja uma das coisas mais graves que estamos enfrentando. Não há nenhuma discussão sobre um projeto nacional. O país está totalmente contaminado pelo curtíssimo prazo.

Qual o impacto que a agenda do governo Temer, com propostas como a da ampliação da terceirização e da Reforma da Previdência, pode ter nesta conjuntura econômica?

O governo Temer é composto por duas forças que, contraditoriamente, também expressam sua fraqueza. Uma é a capacidade de organizar uma maioria no âmbito do Legislativo. Durante o ciclo da Nova República, de 1985 para cá, dificilmente encontraremos um presidente com tanta capacidade de formar uma maioria como vemos agora. Essa maioria se expressa na perspectiva de que o próprio presidente Temer possa evitar a contaminação da Lava Jato. É uma maioria que se organizou muito mais em torno do medo de estar contaminada pelas investigações da Lava Jato, com a expectativa de que o governo Temer possa amenizar os efeitos dessa operação.

De outro lado, há a força que vem de grandes setores econômicos e midiáticos em torno das reformas neoliberais que estavam planejadas para os anos 90 e que foram interrompidas pelo ciclo de governos do PT. É isso que dá força ao governo Temer. No entanto, mesmo essa força tem uma fraqueza, na medida que não encaminha um projeto de inserção do Brasil no cenário internacional.

Marcio Pochmann: ‘Essa é a recessão mais grave do ponto de vista da desorganização do sistema de investimentos do país’

O que aconteceu semana passada com a aprovação da lei da terceirização é expressão de um pensamento que vem desde os tempos do império. Naquela época, esse setor das elites dominantes achava que as razões do atraso do Brasil estavam relacionadas à presença população negra e não ao modelo agrário exportador. A solução que eles apresentaram para isso foi implementar um processo de “branqueamento” da população, com a atração de imigrantes europeus. Em 1872, dois terços da população brasileira eram compostos por negros e indígenas. Como resultado desse processo, em 1940, cerca de 63% da população do país já é branca.

Na década de 1920, começa a ocorrer uma reação de diversos segmentos da sociedade que se expressou, entre outras coisas, no movimento tenentista. Esse movimento sustentou que o problema do Brasil não era racial ou demográfico, mas sim a falta de um projeto de país, e a saída seria a industrialização e a organização de um mercado de trabalho. Então, começamos a ter desde 1920 a organização lenta e gradual de um mercado de trabalho. A CLT de 1943 é um marco neste processo, pois consolida mais de 15 mil leis que existiam até então, de forma dispersa. De 1943 para cá, tivemos três movimentos de flexibilização da CLT que nunca foi muito bem aceita, em primeiro lugar pelos agraristas. Em 1943, a CLT foi aprovada apenas para trabalhadores urbanos. Naquela década, de cada dez trabalhadores, um estava na cidade. O restante estava no campo. A CLT só vai começar a incorporar trabalhadores rurais a partir do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963 e depois, mais tarde, na Constituição de 1988, que não agradou muitos setores que sempre tentaram desconstituí-la.

O primeiro movimento de flexibilização da CLT ocorreu no golpe de 1964 com a introdução, por exemplo, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que consolida a enorme rotatividade do mercado de trabalho. Também foi interrompida a estabilidade no emprego. Somos um país com uma das mais altas taxas de rotatividade no trabalho. Mais da metade da população ocupada é demitida a cada ano no Brasil. Esse foi o único momento em que a flexibilização da CLT coincide com a expansão do emprego que ocorreu no processo do chamado milagre econômico. Obviamente, a expansão do emprego tem a ver com o crescimento da economia e não com a flexibilização.

O segundo movimento de flexibilização ocorreu nos anos 1990 com os governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso. Tivemos aí um processo que não se limitou à flexibilização do trabalho, envolvendo também outros aspectos da economia. Aí não tivemos crescimento do emprego, mas sim uma substituição do emprego tradicional por um emprego mais precarizado, sobretudo com a terceirização das atividades meio. Isso fez, por exemplo, que uma categoria como a dos bancários que, em 1985, tinha em torno de um milhão de trabalhadores e cerca de 200 mil terceirizados passasse a ter hoje menos de 400 mil trabalhadores e um milhão e quatrocentos mil trabalhadores terceirizados. Uma parte importante do mercado de trabalho foi reconfigurada por esse processo de terceirização que se inicia sobretudo nos anos 90.

Agora, estamos vendo um terceiro movimento de flexibilização da CLT que se dá num quadro recessivo e que, possivelmente, não deverá ter um impacto positivo no nível de emprego, mas sim o rebaixamento das condições de trabalho. Os empresários, em uma situação como essa em que não há grande demanda por seus produtos, buscam sobretudo redução de custos. Como vivemos em um país com taxas de juros extremamente elevadas, que tem crescido em termos reais não obstante a taxa Selic ter caído nominalmente, e com um sistema tributário com problemas, a redução de custos é o caminho mais fácil que os empresários vão buscar para enfrentar a crise.

Os impactos dessas medidas na demanda serão desfavoráveis, o que pode comprometer ainda mais uma possível recuperação da economia brasileira. Há outros componentes que podem afetar essa possibilidade de recuperação. Tivemos agora esse episódio envolvendo o agronegócio e a indústria da carne. Estamos com problemas sérios envolvendo as administrações municipais e estaduais. Além disso, se as terceirizações aprovadas agora forem implementadas muito rapidamente, isso pode resultar no rebaixamento da taxa de salários, comprometendo o consumo. Essa conjunção de fatores pode fazer com tenhamos, em 2017, um terceiro ano recessivo.

Você referiu que a participação da indústria na composição do PIB brasileiro regrediu ao estágio de 1910. Há quem diga que a decisão aprovada na Câmara dos Deputados liberando as terceirizações inclusive nas atividades fim significa o cumprimento do projeto de FHC de “virar a página do getulismo”. É isso o que está acontecendo, de fato?

Nós temos uma polarização que é recorrente desde a Independência. É uma disputa sobre o comando do desenvolvimento brasileiro. Essa polarização já está presente em 1822 com José Bonifácio que defendia que o Brasil não podia ser apenas um país rural e agrário e precisava ter uma base urbana e industrial. Ao longo do Império, porém, a indústria brasileira nunca teve força, com exceção de algumas iniciativas pontuais. Com a República, ela passa a contar com o apoio de abolicionistas, como Rui Barbosa, que tem uma perspectiva urbana e industrial. No primeiro governo da República Velha, Rui Barbosa chega a tentar um ensaio desenvolvimentista com base industrial a partir de uma política de expansão do crédito, que não tem sucesso. A partir daí, temos mais algumas décadas da República Velha sustentada no agrarismo.

A crise de 29, a revolução de 30 e o movimento tenentista abrem outra perspectiva para o Brasil, colocando a industrialização no centro da agenda do governo. As Forças Armadas desempenham um papel importante neste processo, pois se dão conta que, sem indústria, elas também não terão capacidade de exercer as funções que imaginam ser fundamentais. A partir de 30, temos um projeto vitorioso que vem até a década de 80, quando começa a sofrer constrangimentos.

Acredito que o governo Temer, de certa maneira, é a pedra que faltava para retirar as possibilidades da industrialização brasileira. Isso não significa que não teremos indústria. Não teremos industrialização, que é uma coisa um pouco diferente. Até a década de 30, o Brasil tinha indústrias também. Havia a indústria da banha, indústria alimentícia, indústrias de bens de consumo não duráveis. Mas não existia industrialização que é a centralidade da indústria do ponto de vista da acumulação de capital. É ela que, ao expandir o seu próprio setor, contamina vários outros setores da atividade econômica. O que temos hoje basicamente é a força do setor de produção agro-mineral e o setor de serviços. São setores importantes, mas sem capacidade de permitir um ritmo de expansão sustentável para um país com mais de 200 milhões de habitantes.

Essa fase de descenso da indústria é uma longa fase de decadência do Brasil. A história econômica do Brasil é permeada de ciclos econômicos. Tivemos os ciclos do pau Brasil, da cana de açúcar, do ouro, do café e assim por diante. A industrialização possivelmente tenha se transformado num ciclo que teve seu auge e, a partir dos anos 80, vem apresentando sinais de decadência. Com o governo Temer, creio que não teremos mais condições de ter industrialização porque o que vai sobrar serão algumas indústrias sem capacidade de oferecer ao país um projeto de desenvolvimento sustentável de longo prazo.

Como você avalia a capacidade das forças políticas e sociais que apoiaram os governos Lula e Dilma para enfrentar as medidas que vem sendo aprovadas pelo governo Temer e suas conseqüências?

Não acredito que o cenário que estou descrevendo até aqui seja algo definitivo. É uma avaliação do momento que estamos vivendo, mas é possível virar essa página e reconstituir a maioria política que viabilizou a vitória longeva de uma frente liderada pelo Partido dos Trabalhadores. Mas essa maioria que garantiu a governabilidade para repor aquilo que o neoliberalismo havia retirado nos anos 90 foi muito fragmentada. Não foi uma maioria constituída para fazer uma reforma profunda no capitalismo brasileiro. O que garantiu a vitória ao PT em 2002, além das forças tradicionais de esquerda, foi a ampliação da base política de apoio. Fizeram parte dessa ampliação setores da área industrial que foram penalizados nos anos 90, uma classe média que também não teve benefícios nas reformas dos anos 90, uma parte do agronegócio, o setor exportador. O que soldava essa aliança era a reposição daquilo que havia sido perdido nos anos 90, não mais do que isso.

De certa maneira, essa agenda foi cumprida. Houve reposição de renda, de emprego, do nível de atividade econômica. O que, talvez, os nossos governos não tenham conseguido fazer foi ter transformado essa maioria política numa maioria capaz de fazer as reformas que se imaginava serem necessárias. Não que não tenham ocorrido algumas tentativas para isso. No início do governo do presidente Lula, dois projetos tinham por orientação uma reorganização dessa maioria política para sustentar ações muito mais avançadas. O primeiro foi o Fórum do Trabalho, que contou com a presença de representantes do capital, do trabalho e do governo com o objetivo de reformular a estrutura de representação de interesses dos sindicatos no Brasil. Em 1989, cerca de um terço dos trabalhadores brasileiros era filiada a algum sindicato. Com as políticas dos anos 90, esse índice caiu para algo em torno de 16% ou 17% da força de trabalho.

Infelizmente, não foi possível construir neste Fórum algo que modernizasse as relações entre capital e trabalho. Não saiu dali nenhum projeto de lei, nada. O que tivemos foi a manutenção das estrutura sindical, inclusive incorporando as centrais sindicais no sistema de financiamento via contribuição sindical. Não só não avançamos como comprometemos o que havia de novo na estrutura sindical herdada dos anos 40. Ou seja, não se conseguiu fazer da classe trabalhadora organizada uma vanguarda da defesa das reformas que o Brasil precisava. Isso fez com que tivéssemos uma expansão de 22 milhões postos de trabalho sem que esse crescimento implicasse um crescimento da taxa de sindicalização. De cada dez trabalhadores que conquistaram um posto de trabalho, apenas dois se filiaram a algum sindicato. Um governo de esquerda pressupõe a existência de uma base operária forte. Como dizia Lênin, o partido tem que ficar à esquerda do governo e à direita do movimento social (sindical). Esse setor deveria ter tido um protagonismo para empurrar o governo na direção das reformas necessárias.

A outra tentativa foi tornar os miseráveis um ator político relevante. A concepção inicial do projeto Fome Zero não era a de construir uma política para os pobres, mas sim com os pobres, que buscasse a emancipação dessas pessoas. Isso faria delas atores relevantes na disputa de projetos para a sociedade. Uma vez que eles são, proporcionalmente, os que mais pagam impostos no país e os que menos recebem contrapartidas do Estado, poderiam ser os grandes defensores de uma reforma tributária justa no país. A implantação do projeto Fome Zero deparou-se com uma série de obstáculos, entre eles, a reação dos prefeitos que não aceitaram perder a capacidade de subordinar os pobres.

Pela concepção original do projeto, quem faria o cadastramento dos possíveis beneficiados dos programas seriam os próprios miseráveis, por meio de um processo de auto-organização. Isso retiraria da Prefeitura o poder de cadastrar. A reação foi tão grande que a alternativa acabou sendo abandonar o projeto Fome Zero e instalar o Bolsa Família, que é um programa extraordinário do ponto de vista de colocar recursos na mão das pessoas muito pobres que só conheciam o Estado pela presença da polícia. Esse programa teve um impacto muito grande na pobreza, mas a estrutura de dominação dos miseráveis se manteve praticamente a mesma. Quem controla os pobres, em última instância, segue sendo a prefeitura, os poderes locais. Isso fez com que esse universo de pessoas beneficiadas não se transformasse em um segmento que pudesse liderar um processo de reformas no país.

Além de os pobres não se tornarem um ator político relevante, se instalou entre eles uma discórdia. Muitas vezes, beneficiários do Bolsa Família achavam que beneficiários do Fies não deveriam receber a bolsa, ou estudantes beneficiários do Fies eram contra o Bolsa Família e assim por diante. Não houve uma identificação do ponto de vista de uma disputa política sobre o sentido desse processo de inclusão social, que foi significativo. Então, o governo e as forças que o apoiavam não conseguiram mudar a sua base de apoio. Uma vez completada a agenda de recuperar o que havia sido perdido nos anos 90, fomos perdendo esses setores até chegar ao golpe que temos hoje.

É um movimento pendular. Nada impede que, daqui um ano e pouco, os prejudicados pelas reformas do Temer venham a recompor uma nova maioria para um futuro governo de reconstrução do Brasil. Não vejo isso como algo inalcançável. A minha preocupação maior é se, de fato, nós teremos eleições em 2018. Em 1964, importantes lideranças democráticas como Ulysses Guimarães e Juscelino Kubitschek apoiaram o golpe que depôs o presidente João Goulart, que tinha uma condição razoável de enfrentar as eleições no ano seguinte. O golpe de 64 seria uma maneira de fazer uma limpeza e depois se faria uma nova eleição em 65. Ocorre que não houve eleição em 65. Será que esse conjunto de forças que aprova qualquer coisa hoje no Legislativo na expectativa de que o governo Temer possa oferecer alguma segurança em relação às investigações de corrupção, e o setor econômico que vê neste governo a única possibilidade de fazer as reformas que foram barradas pelo voto, vão entregar facilmente o poder para um novo governo que pense completamente diferente essas questões.

A crise que o Brasil vive hoje tem uma saída institucional, que é a eleição de 2018, com chance de o PT ou uma frente de esquerda vencê-la. Mas talvez possa não haver 2018.

Considerando essa comparação com 64, há um ator importante que está em relativo silêncio na crise atual, que são as forças armadas, que inclusive têm alguns projetos seus sendo ameaçados pelo governo Temer como é o caso do submarino nuclear. Na sua opinião, há alguma mudança qualitativa no papel das forças armadas em relação aquele de 1964?

Após o golpe de 64 houve um processo de despolitização das forças armadas. Nos anos 50 e 60, as forças armadas eram muito politizadas. Essa característica, se não foi eliminada, perdeu importância. A impressão que eu tenho é que as forças armadas podem assumir um papel mais ativo no caso de uma ameaça constitucional, alguma coisa identificada como insurreição ou desorganização do sistema de segurança. Não me parece que elas possam repetir uma iniciativa como a de 64 até porque o cenário internacional está bastante conturbado.

No governo Obama, deu-se uma presença muito grande dos Estados Unidos na retomada da liderança no interior da América Latina. O protagonismo assumido pelo Brasil certamente não contou com a aprovação do governo norte-americano. Agora, porém, os Estados Unidos vivem problemas muito mais significativos e estão numa situação de maior insulamento, olhando para os seus problemas. O governo Trump não parece muito preocupado com outras realidades, diferentemente da política externa do governo Obama. Então, o apoio externo que os golpistas tiveram em 64 não me parece estar materializado hoje. Alem disso, nem é preciso recorrer ao golpe clássico para evitar que ocorram eleições em 2018. Há outras formas como estamos vendo agora. Estamos vivendo um golpe e não estamos mais vivendo dentro da normalidade democrática.

Foto: Maia Rubim/Sul21

*Publicado originalmente no site Sul21

Fonte: Opera Mundi  29/03/2017

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