Premissas para o enfrentamento da grave crise econômica mundial e brasileira. Por José Álvaro Cardoso.

Foto:- José Cícero da Silva/Agência Pública

Por José Álvaro Cardoso.

A crise na Ucrânia, independentemente da sua evolução, já está afetando o desempenho da economia mundial, que já não era nada promissor antes mesmo do conflito. São várias as frentes de crise econômica. Há a expectativa, por exemplo, da elevação dos juros estadunidenses, o que tende a refletir no fluxo mundial de capitais. Por outro lado, há sinais de desaceleração da economia chinesa, motor da economia mundial nas últimas décadas. Se os juros dos EUA aumentarem, será uma importante mudança, de uma política do Federal Reserve (banco central dos EUA), de quase uma década de juros muito baixos, que tinha o objetivo de reanimar uma economia em crise estrutural. Além disso, existe o risco do surgimento de novas cepas do vírus e do agravamento da pandemia.

A possibilidade de guerra na Ucrânia, por si só, já afeta o crescimento e o emprego, porque os governos, principalmente da Europa, temem uma deterioração geral do quadro econômico. Um dos aspectos centrais do problema é a possibilidade de interrupção do fornecimento de gás por parte da Rússia, mesmo que parcialmente, o que inevitavelmente afetará preços da energia e a inflação em geral no mundo. A tensão na Ucrânia se desenrola em um momento em que a maioria das grandes economias vem sendo afetadas pela elevação da inflação. A Ucrânia, além de ser um grande produtor de milho e trigo, serve também como passagem para transporte de óleo e gás. Um efeito colateral é que, um confronto na Ucrânia poderia favorecer grandes produtores de commodities fora da Europa, como Argentina e Brasil.

No Brasil o governo Bolsonaro insiste numa política neoliberal anacrônica, que manterá a economia estagnada, com todas as suas nefastas consequências, especialmente o aumento do desemprego e a expansão da fome e pobreza. Os números falam por si: no período 2019 a 2022 o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro apresentará um crescimento médio de 0,5% ao ano (se se confirmar o crescimento estimado para 2022), que só é melhor do que o verificado no período Temer, entre 2016 e 2018, em que a economia decaiu -0,13% ao ano, em média.

A política econômica do atual governo é extremamente ineficaz (do ponto de vista do desenvolvimento econômico, bem entendido) e praticamente se limita a vender patrimônio público (felizmente, em ritmo bem abaixo do que o governo gostaria). Não há um esforço em aumentar investimentos públicos e privados, para recuperar o crescimento e a geração de empregos. O país precisaria, por exemplo, de uma reforma tributária, que aumentasse a cobrança de impostos para os bancos – dentre outras medidas – cujos lucros líquidos se elevaram quase 30% em 2021, em relação ao ano anterior, quando já tinham crescido bem acima do restante da economia.

A política ultra neoliberal ultrapassada de Paulo Guedes está levando o país para um verdadeiro beco sem saída: tentativa de entrega das estatais a preço de banana, desnacionalização da economia, destruição do mercado consumidor interno, retorno de altas taxas de desemprego e da fome, o fim dos direitos trabalhistas etc. A inflação em 2022 deverá ficar acima de 5%, de acordo com a maioria das estimativas. A inflação mensal vem apresentando percentuais historicamente elevados, como no mês de janeiro (0,61%), o maior desde 2016, totalizando 10,38% em 12 meses. Há uma pressão de preços no segmento de alimentos e indústria em geral. Os motivos principais da alta de preços são o comportamento de algumas commodities (petróleo e alimentos), a falta de insumos e a crise energética.

Além do governo não planejar nenhuma saída a favor do emprego e da retomada do crescimento, o Banco Central (agora “independente”, isto é, comandado diretamente pelos banqueiros), iniciou um novo ciclo de elevação dos juros. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2021, em 8 de dezembro, a taxa Selic subiu para 9,25% ao ano. A previsão é que a escalada de elevação da Selic continue nas próximas reuniões do Copom, até porque, os fatores de elevação da inflação tendem a se manter. Ou seja, tenta-se baixar a febre do paciente com analgésicos, sem, no entanto, combater a infecção que a provoca.

Ao contrário de outros momentos, a inflação brasileira está no contexto de elevação mundial de preços. O índice de preços ao consumidor dos EUA, nos 12 meses até dezembro, subiu 7%, maior aumento desde junho de 1982, quase 40 anos atrás. De forma diferenciada, o mundo todo teve que enfrentar problemas semelhantes como oferta de energia, preço do frete, falta de componentes para a indústria, e assim por diante. No Brasil, os reflexos foram mais graves porque este cenário veio acompanhado da desvalorização do real e da manutenção do desemprego em patamares muito elevados, com a consequente explosão da pobreza.

O salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE alcançou, em janeiro último, o valor de R$ 5.997,14, o que equivale a 4,95 vezes o valor do mínimo oficial de R$ 1.212,00. Como desgraça nunca vem sozinha, a projeção da próxima safra não é otimista. Dados do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), mostram que os fertilizantes subiram de preço cerca de 130% em 12 meses, com risco de desabastecimento do produto. Há um problema adicional no referente aos preços: existe a possibilidade de a China retomar as compras de carnes do Brasil, o que poderá significar uma forte pressão sobre o custo do produto no mercado interno.

Um fator fundamental para a elevação dos custos industriais e agrícolas é a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que desde 2016 aumenta o preço dos derivados do petróleo muito acima da inflação, em qualquer comparação que se faça. A PPI é uma espécie de assalto a esmagadora maioria dos brasileiros, em benefício de meia dúzia de investidores, principalmente estrangeiros, que é operado em nome de supostas “razões técnicas”. Os extraordinários lucros da Petrobras poderiam servir para a melhoria de vida do povo, ser investidos em saúde e em educação, como previa a Lei de partilha (que foi rapidamente liquidada, ainda no governo golpista de Temer). Os bilhões de lucros da Empresa, que, são recorrentes ao longo dos anos, poderiam ser investidos em um programa para eliminar o déficit habitacional do Brasil, o que, combinado com um programa econômico geral, poderia abrir um novo ciclo de desenvolvimento e geração de empregos.

A crise da economia mundial requereria uma resposta do governo brasileiro, que reunisse elevada capacidade técnica na área econômica, senso de urgência e firme determinação na defesa dos interesses nacionais do Brasil. Uma premissa fundamental, inclusive, para o enfrentamento da crise, é gostar do país e de seu povo. Como o governo Bolsonaro, fruto de um processo golpista, não dispõe de nenhuma destas características, não será o governo atual que irá encaminhar as medidas apontadas no parágrafo anterior.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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