O governo do Brasil encaminhou um projeto ao Congresso Nacional buscando liberar as áreas indígenas para mineração, geração de energia, agricultura e pecuária. Essa é uma promessa de campanha do atual presidente que finalmente foi colocada em andamento. Durante o primeiro ano de mandato, o presidente foi pródigo em declarações bombásticas contra os povos indígenas. Para ele, os indígenas ainda não são humanos e só o serão quando puderem produzir mercadorias. Daí esse projeto que visa tornar “produtivas” as terras que hoje conformam apenas 12% do território nacional, garantidos com muita luta pelas comunidades.
A decisão do governo vem no sentido de fortalecer o grupo de latifundiários, mineradores e empresas estrangeiras que desde há muito estão de olho nas riquezas das terras que os povos originários têm conseguido manter vivas e cheias de biodiversidade. Esse grupo de latifundiários, que representa apenas 1% da população brasileira, detém atualmente – conforme o Atlas do Agronegócio – mais de 51% das terras no Brasil. Não satisfeitos com isso eles querem as terras indígenas onde pretendem ampliar a fronteira agrícola e extrair petróleo, gás e outros minérios importantes.
O projeto encaminhado à Câmara dos Deputados autoriza a exploração e ainda define que serão permitidos estudos técnicos sobre as regiões pretendidas, sem que seja necessária a presença de estudiosos na área. Tudo poderá ser feito à distância com “dados e elementos disponíveis” (seja lá o que isso for). Na verdade, isso significa que com base em um laudo qualquer, de um amigo qualquer, sem qualquer contato com as populações envolvidas, a autorização poderá ser efetivada. Mais uma vez o governo ignora e tripudia o conhecimento construído ao longo dos anos, fruto do incansável trabalho de campo de inúmeros cientistas em parceria com as comunidades.
Esse conhecimento sobre a realidade brasileira também foi ironizado na fala do mandatário do país, quando declarou que os ambientalistas só atrapalham e que se fosse por ele seriam todos confinados na Amazônia. “Se um dia eu puder, confino eles lá, já que gostam tanto de meio ambiente”. Na verdade, o que ele chama de ambientalistas são estudiosos, pesquisadores, lutadores sociais que têm um conhecimento técnico, prático e acumulado sobre os ecossistemas e sabem muito bem o que pode acontecer se continuar a devastação desenfreada que tanto querem os latifundiários e outros empresários rurais.
Os representantes do governo dizem que os povos indígenas serão consultados sobre os projetos e terão poder de veto sobre ações de garimpo. Mas, a considerar o que já acontece atualmente, com o aumento da violência nas regiões de terras indígenas, com a ação desinibida de jagunços e pistoleiros, não resta dúvida de que essa “consulta” está sob suspeita, visto que poderá ser feita a ponta de bala.
Também não se deve descartar a possibilidade de persuasão de algumas comunidades já bastante enredadas no modo de produção capitalista. A possibilidade de ganhar dinheiro arrendando as terras ao garimpo ou à agricultura poderá levar muitas comunidades a aceitar a transação, justamente porque vivem em situação de abandono por parte do poder público. A sedução do mundo capitalista é grande e o governo vai apostar muitas fichas nisso. É o que já afirma o presidente quando diz que os indígenas não têm hoje autonomia e que com esse projeto poderão de “libertar”, podendo servir ao capital sem qualquer amarra. Ele busca dividir para reinar com eficácia.
Mas, dentre as mais de 300 etnias que vivem hoje no Brasil, a maioria tem se colocado contra a proposta, porque sabe que essa é a porta aberta para a destruição do seu modo de vida e também do ambiente, com o qual consegue estabelecer uma relação harmônica. Para a população indígena, não há desconexão entre a terra e o ser humano. Tudo está ligado e precisa ser trabalhado de forma a manter o equilíbrio. Explorar a terra, exauri-la em projetos como a mineração ou a agricultura extensiva é matar também o seu próprio modo de ser. Por isso a reação a esse projeto será à altura.
Desde o início do atual governo, em janeiro do ano passado, que as entidades indígenas e as comunidades têm atuado em consequência. Atos em Brasília, marchas, recorridos internacionais, muita luta têm acontecido para denunciar a proposta e para conseguir apoio tanto dentro quanto fora do Brasil. As comunidades sabem que a proposta visa unicamente destruir qualquer forma de resistência da vida originária. Incluir os povos indígenas no modo de produção capitalista é condená-los à exploração, à miséria, à morte. Perder o controle sobre o território é perder tudo.
A ganância dos latifundiários, o ódio aos índios, e o desejo do capital em incorporar mais de um milhão de seres ao seu exército de escravidão serão elementos poderosos nessa batalha. Mas, para quem resiste desde há mais de 500 anos, isso não é novidade. Está duro, está mais escrachado, mas nunca foi muito diferente. Os indígenas lutarão e com eles muitos apoiadores. E como diz o ditado popular, “enquanto houver bambu, vai flecha”. Nada está perdido.
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Elaine Tavares é Jornalista em Florianópolis.
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