Povos indígenas seguem com a marcha na Bolívia

Por Elaine Tavares.

As comunidades que vivem na região do Território Indígena Parque Nacional Isiboro Secure (TIPNIS) ameaçado pela passagem de uma estrada de alta velocidade até o Brasil estão em marcha até a cidade de La Paz, onde querem dialogar com o presidente Evo Morales e exigir que ele cumpra a promessa feita de não permitir que a estrada atravesse o parque. As comunidades temem que, além da destruição ambiental provocada pelas obras, a estrada venha a se converter numa porta de entrada para um tipo de desenvolvimento que não leva em consideração o modo de vida das pessoas que habitam o lugar.

A caminhada enfrenta, além dos problemas com o tempo ruim, a polêmica com os apoiadores do governo. Há entre os militantes do MAS a crítica de que essas comunidades estão sendo manipuladas pela direita, pelas ONGs estrangeiras, que querem desestabilizar o governo. Ontem, organizações camponesas que atuam na região de La Paz, manifestaram a emergência de se levantar contra a marcha indígena, alegando que ela está colocando em risco o processo de mudanças levado a cabo pelo governo de Evo Morales. Também a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia, a Federação Departamental de Camponeses Túpac Katari e a Federação de Mulheres Bartolina Sisa (onde se concentram os cocaleiros, base de Evo) se manifestaram contra a marcha. Todas essas entidades seguem firmes na defesa do governo e acreditam que a caminhada dos indígenas, que saiu da região central do país, quer mesmo afrontar o governo.

Já os líderes da marcha não aceitam de maneira alguma essa assertiva. O que eles querem é parar o processo de construção da estrada dentro do parque. Eles alegam que o governo não cumpriu a lei de consulta prévia, portanto, as comunidades têm todo o direito de se manifestar. “Como não fomos escutados como manda a lei, estamos tendo de fazer todas essas manifestações”. As comunidades repetem o que a maioria dos críticos se recusa a ouvir: não são contra a estrada. Apenas querem que ela seja desviada e não passe por dentro do Parque Nacional Isiboro Secure. O alegado aumento dos custos que podem vir com o desvio não pode servir de argumento, uma vez que a preservação dos recursos naturais vale mais do que qualquer obra. É o que os indígenas procuram mostrar com a marcha. O governo diz que vai fazer a consulta, mas os caminhantes sabem que com toda a celeuma criada e o forte esquema de propaganda contra a marcha torna a consulta, agora, tremendamente viciada.

É certo que misturados à caminhada e ao protesto indígena estão políticos de direita e também a malfadadas organizações não governamentais, muitas vezes elas mesmas conspirando contra o povo boliviano, uma vez que servem a outros países e outros interesses. Mas, qualquer olhar mais apurado pode perceber que a crise causada pela estrada no TIPNIS poderia ser facilmente evitada. Mais vale aumentar o traçado da estrada passando ao largo do parque, do que fomentar todo esse tipo de crítica e de sacrifício por parte das comunidades. A lei boliviana é clara: qualquer decisão sobre território indígena precisa ter consulta prévia. Isso não foi feito.

O fato é que o governo de Evo Morales está enredado em uma série de conflitos que, juntos, podem mesmo trazer problemas de estabilidade. Não é só a marcha indígena que tem esquentado a cabeça do governante. Também a Confederação Obreira Boliviana está realizando movimentações e paralisações, em luta por aumentos salariais aos trabalhadores. Há também em curso uma greve na saúde, com os médicos e trabalhadores paralisados e realizando cortes de rua e há manifestações dos mineiros cooperativados, outro setor bastante complicado no país.

Em cada uma dessas lutas há muita coisa em jogo. Ninguém pode dizer que só porque o governo é progressista os trabalhadores não podem lutar por aumento salarial ou melhores condições de trabalho, embora também aí se infiltrem os velhos inimigos direitistas, sedentos por voltar ao poder. Entre os médicos, da mesma forma, há profissionais que só querem ver o circo pegar fogo, enquanto outros estão realmente lutando por condições dignas de trabalho, uma vez que o decreto presidencial propõe oito horas de trabalho, acabando com o turno de seis horas, muito mais produtivo e seguro. Essa também é uma luta justa. No caso dos mineiros cooperativados a questão é ainda mais complexa. Algumas dessas cooperativas, criadas depois de muita luta por parte dos mineiros, agem como empresas capitalistas, principalmente no que diz respeito à exploração dos trabalhadores. É, de fato, um campo minado. Porque nos mineiros se configura uma força de luta muito grande e é preciso muito traquejo para enfrentar as demandas sem quebrar o tênue fio que sustenta um governo mais popular.

Assim que a Bolívia vai caminhando entre conflitos, avanços e recuos. Os trabalhadores fazem as lutas, a direita se mistura, o governo ora acerta, ora erra. Mas, por enquanto, Evo Morales tem sabido se mexer no tabuleiro intricado que é a política boliviana. E o que se espera, desde aqui, é que não haja retrocesso.

Foto: EFE

 

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