Por Claudia Weinman e Julia Saggioratto, para Desacato. info.
As hortas agroecológicas, coletivas e comunitárias, construídas no Oeste de Santa Catarina, junto aos povos Kaingang e Guarani, na região de Chapecó, tem sido garantia de alimentação às famílias que estão ainda mais vulneráveis desde o início da pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19. O trabalho de construção das hortas conta com apoio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Região Pastoral Nordeste – Paróquia Santo Antonio e a assistência técnica da Epagri do município.
Toda produção, segundo o cacique Raimundo Ortega, é organizada sem o uso de veneno e com técnicas que são fundamentais para o manejo e cuidado com a terra. “É importante para a gente ter essa horta e produzir os alimentos sem veneno. A gurizada também está aprendendo, nunca tivemos chance de fazer isso e ver que a comida pode ser produzida aqui, tudo pronto, dentro da aldeia mesmo”.
A ideia das hortas comunitárias, segundo o membro da coordenação do CIMI Sul, Jacson Santana, surgiu por meio de diálogos feitos com lideranças Kaingang no norte do Rio Grande do Sul, nas Terras Indígenas de Rio dos Índios, no município de Vicente Dutra e Passo Grande do Rio Forquilha, nos municípios de Cacique Doble e Sananduva. “As hortas são fundamentais e possibilitam momentos de mutirão, de reunir a comunidade em torno da produção, mas também do diálogo sobre a produção sem veneno, da garantia de uma saúde de qualidade. Então, organizar a horta significa fazer dos acampamentos espaços de cultivo e debate. As hortas garantem o acesso da comunidade a outras atividades com temas transversais”, disse.
Santana detalhou que existem diversos espaços no Oeste do estado de Santa Catarina onde as hortas comunitárias foram organizadas: duas na Terra Indígena Xapecozinho nas aldeias Campos Oliveira e Cerro Doce, no município de Ipuaçú, outra na Aldeia Kondá, um horto medicinal, e duas hortas na Terra Indígena Toldo Chimbangue, com organização dos Kaingang, além das duas hortas junto aos Guarani, também no Toldo Chimbangue, essas no município de Chapecó. Uma das hortas está sendo construída ao lado da escola Fen’No, na terra indígena Toldo Chimbangue junto aos Kaingang. A intenção do grupo é criar espaços de visitas para os alunos da escola, onde educadores/as e educandos/as possam, também, construir uma proposta pedagógica.
Solidariedade
A Extensionista Social da Epagri de Chapecó, Josefina A. N. De Carvalho, contou que durante a produção de hortaliças com os Guarani no local batizado por Ara Poty*, percebeu-se que nem todas as hortaliças eram consumidas por eles, por conta de seu modo de vida, cultura e costumes. “As famílias não têm o costume de consumir, principalmente alface, almeirão e couve, pelo próprio desconhecimento de como preparar, ou por não terem o hábito de consumir. Conversamos com lideranças apoiadoras, como o CIMI e Epagri, fizemos a colheita e embalamos 100 pacotes com alface e almeirão e foi entregue aos Kaingang do Toldo Chimbangue. Em troca, os Guarani receberam carne, feijão, gordura, farinha, leite, dentre outros itens”.
Estiagem
Outro elemento destacado pela extensionista da Epagri é com relação à situação de estiagem que trouxe vários problemas para manutenção do cultivo das hortas. “Falta de água, ataque de pragas, dentre outros, fizeram com que muitas das hortaliças não conseguissem produzir, mas as que produziram, estão sendo consumidas, tais como: beterraba, pepino, abobrinha, tomate, temperos”, disse ela, enfatizando que no momento está sendo feito o cultivo de melancia e mandioca.
Existe o planejamento, segundo Josefina, para o plantio das mudas de flores e frutas nativas e frutíferas, porém, com a falta de água para irrigar, não está sendo possível avançar no trabalho: “Assim que as coisas normalizarem, vamos dar continuidade às atividades”.
*Ara Poty
Uma das áreas onde localiza-se a horta comunitária e coletiva pertence à Terra Indígena Toldo Chimbangue, em Chapecó, e foi cedida pelos Kaingang. O local, por alguns anos, foi morada de outros Guarani, com cerca de 30 famílias, que reivindicam a demarcação da Terra Indígena Araça’í. Esse grupo reside ainda no Toldo Chimbangue. No início deste ano o local foi ocupado por 18 famílias que vieram do município de São Miguel das Missões/RS, terra de Sepé Tiaraju, referência histórica que liderou os Sete Povos das Missões e lutou na defesa de seu povo contra o Tratado de Madri e o assassinato Guarani.
Os Guarani que viviam em São Miguel das Missões habitavam uma área comprada ainda pelo governo de Olívio Dutra, no início dos anos 2000. Por ser uma cidade histórica, a presença não indígena sempre foi constante e nos últimos anos, segundo as lideranças indígenas, tem interferido sistematicamente na vida e cultura dos Guarani. A necessidade de manter a cultura foi uma das razões que levou o grupo de 18 famílias a buscarem por outro local e construírem nova morada. Em Chapecó, as famílias foram recebidas em janeiro deste ano e, segundo o cacique Raimundo Ortega, a primeira casa a ser feita foi a casa de reza, a Opy.
Num cenário de extrema vulnerabilidade, alguns projetos fazem a diferença e contribuem para a subsistência das famílias, como as hortas comunitárias. No Brasil da antipolítica indígena, praticada por parte do governo, e com toda a militarização que ocorreu desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, a solidariedade indica a possibilidade de dias melhores. As hortas representam, neste momento, um sinal de esperança para os Guarani que batizaram o lugar de Ara Poty, que significa: Flor do Dia, em homenagem a anciã Miguela Escobar, de 76 anos.