Fotos: retiradas dos sites do governo dos EUA e do Brasil, além do perfil de Milei no Instagram.
Por Carmen Parejo Rendón*
O pós-modernismo trouxe consigo a atomização, um discurso fragmentado onde as identidades se tornam trincheiras e a política é reduzida a nichos sem capacidade de transformação estrutural.
As grandes narrativas ruíram, e com elas a possibilidade de construir projetos coletivos que desafiassem o poder real.
Nesse cenário, a extrema direita conseguiu se movimentar com habilidade, explorando a crise de sentido para consolidar uma reação que não precisa dos velhos formatos autoritários, mas opera de dentro do sistema. Não é coincidência. Enzo Traverso o define como pós-fascismo: uma mutação do fascismo adaptada às condições do capitalismo global e à nova configuração sociopolítica.
Ao contrário do fascismo clássico, que surgiu em um contexto de crise do liberalismo e ascensão das lutas revolucionárias dos trabalhadores, o pós-fascismo não se apresenta como um ataque frontal ao Estado ou à democracia liberal burguesa. Ela não busca eliminar instituições, mas esvaziá-las de conteúdo, minando direitos em nome da segurança, identidade e tradição.
Não precisa de ditaduras militares, porque o próprio sistema refinou seus mecanismos de controle. Não proclama um estado corporativista, mas impõe um capitalismo ultraliberal com políticas autoritárias, racistas e excludentes, como é o caso da Argentina. Em vez de suprimir a democracia liberal, ela a transforma em uma farsa que serve aos interesses dos que estão no poder, como é o caso de Donald Trump e seu governo tecno-feudal.
A chave do seu sucesso está na sua capacidade de usar a lógica pós-moderna em seu próprio benefício. Enquanto a esquerda institucional ficou presa em disputas simbólicas desconectadas da luta de classes, a extrema direita conseguiu canalizar o descontentamento social, disfarçando sua agenda excludente com um discurso de resistência. Assim, termos como “defesa do Ocidente”, “soberania nacional” ou “liberdade de expressão” tornam-se ferramentas para justificar a reação contra o feminismo, os direitos de imigração ou qualquer dissidência que questione a ordem estabelecida.
Nesse contexto, o neofascismo surge como um elemento funcional para Estados em crise.
A Europa e os Estados Unidos vivem um colapso estrutural: a financeirização da economia precarizou as classes trabalhadoras, as crises energética e ambiental estão se agravando e os mecanismos de controle estão se tornando mais rigorosos.
Até mesmo governos que se apresentam como progressistas adotaram a lógica da repressão, fortalecendo o aparato estatal para conter o descontentamento que não conseguem mais administrar, como é o caso da Espanha.
Assim, o neofascismo atua como um amortecedor para o sistema, desviando a raiva social para uma guerra cultural artificial, onde posições reacionárias aparecem como “rebeldes” e a esquerda é relegada ao papel de mera defensora da ordem estabelecida, algo falacioso e perigoso.
O problema não é apenas a extrema direita, mas a fraqueza de uma esquerda que desistiu de desafiar o poder real e a cumplicidade de Estados que, em seu desespero para manter a ordem, encontraram no neofascismo um aliado útil para sua própria sobrevivência. Seu avanço não é um fenômeno espontâneo, mas o resultado de uma crise sistêmica em que o capitalismo, incapaz de oferecer respostas, recua para sua forma mais agressiva e excludente.
É por isso que não devemos entrar nessa disputa cultural, exceto para aplicar uma emenda definitiva e necessária à totalidade.
*Carmen Parejo Rendón é escritora, analista internacioinal e filóloga. Reside em Sevilha, Reino da Espanha.
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