Milhares de portugueses, descontentes com as medidas de austeridade impostas pelo governo, prometem voltar a encher as ruas do país no próximo dia 2 de Março de 2013.
A manifestação está a ser convocada através das redes sociais, à semelhança do que aconteceu com as últimas grandes manifestações: a de 15 de Setembro de 2012 e a de 12 de Março de 2011 que ajudou a derrubar o anterior governo. No Facebook, são vários os protestos convocados e as palavras de descontentamento multiplicam-se.
No blog Que Se Lixe a Troika, reúnem-se depoimentos e apelos à participação na manifestação, como por exemplo este de José João Louro:
Não é tempo para recriminações. Muitos deixaram-se enganar. Agora é um tempo de mobilização contra a apatia e contra a aceitação do sofrimento colectivo. É um tempo de abandonar as televisões e as telenovelas e ir para a rua protestar. É um tempo de participar em todas as manifestações de protesto, sejam convocadas pelos sindicatos ou por pessoas anónimas. Não é tempo de ver quem está ou quem não está, é tempo de estarmos todos.
Cartaz partilhado na página do evento “Que se Lixe a Troika. O povo é quem mais ordena!
Ao contrário do que aconteceu nas anteriores manifestações, a CGTP (a maior união de sindicatos portuguesa) pela voz do seu líder, Arménio Carlos, afirmou que os membros da central sindical estarão na rua “com a população para exigir outra política e uma mudança de governo” como se pode ver neste vídeo, disponibilizado pelos responsáveis do blog Aventar. Um momento histórico, visto que não há memória de a CGTP ter participado oficialmente numa manifestação não organizada por si ou por algum dos sindicatos afiliados.
Políticos perseguidos com cânticos
Apesar da pouca atenção dada pela comunicação social, a manifestação tem vindo a ganhar relevo no espaço público graças a uma série de acções que têm tentado impedir os ministros de falarem em algumas das suas aparições públicas.
Para isso, os manifestantes têm recorrido a uma canção histórica, composta e cantada por Zeca Afonso, que foi utilizada como segunda senha, pelo movimento revolucionário que derrubou a ditadura na noite de 25 de Abril de 1974 e que se tornou um símbolo da revolução e da vitória da democracia em Portugal: Grândola Vila Morena.
A primeira destas acções ocorreu mesmo na Assembleia da República, quando um grupo de cidadãos interrompeu o discurso do Primeiro-ministro, durante um debate quinzenal no dia 15 de Fevereiro de 2013, ignorando os apelos da Presidente da Assembleia para que se retirassem ou para que se calassem, como se pode ver neste vídeo:
Um protesto elogiado no Twitter, pelo jornalista Jesus Maraña, antigo director do jornal espanhol Público e actual director do jornal digital infoLibre.
Posteriormente, o Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas – um dos mais contestados – foi interrompido por duas vezes. Primeiro, em Vila Nova de Gaia, durante um discursono Clube dos Pensadores, onde ainda tentou brincar com o protesto e depois, em Lisboa, durante uma conferência organizada pela estação de televisão TVI, em que se discutia o futuro do jornalismo. Aqui, já não foi cantada a Grândola Vila Morena, mas foram entoadas palavras de ordem que obrigaram o ministro a abandonar o local sem poder discursar, como se pode ver neste vídeo:
Estas acções incomodaram vários políticos, ex-políticos e comentadores que as apelidaram de anti-democráticas. Primeiro, foi o líder da bancada parlamentar do PSD, um dos partidos da coligação do Governo, Luís Montenegro, a afirmar em declarações ao jornal Público que:
Não há democracia se os representantes legítimos do povo, por estes eleitos directa ou indirectamente, forem impedidos de expressar o seu pensamento.
Depois, foi o antigo ministro socialista, Augusto Santos Silva, numa entrevista ao canal TVI24 a considerar estes comportamentos “anti-democráticos” e “inaceitáveis”. O próprio director de informação da TVI, José Alberto Carvalho, considerou que:
Liberdade de expressão é a liberdade para as pessoas se manifestarem, para protestarem, contestarem, criticarem. A liberdade de expressão termina no momento em que, por excesso dessa liberdade de expressão, impedimos os outros de se manifestarem eles próprios.
Sem o espaço privilegiado que todos estes elementos têm nos grandes meios de comunicação, os cidadãos comuns e anónimos, não desistiram das suas formas de protesto e da estratégia de silenciamento dos ministros.
Cartaz divulgado no Facebook e no Twitter, anunciando a presença do Ministro da Administração Interna, na Guarda.
As redes sociais continuam a ser utilizadas para divulgar as acções de protesto e os locais onde os vários membros do governo estarão presentes, em vários pontos do país, para os receberem, e até em Espanha. Grândola Vila Morena é entoada apesar da cada vez maior presença policial, de que são exemplos as recepções feitas ao Ministro da Administração Interna, na Guarda e ao Ministro da Economia, em São João da Madeira.
Coincidentemente, o compositor da canção, Zeca Afonso, morreu há 26 anos, no dia 23 de Fevereiro de 1989. Para assinalar a data, cantou-se a Grândola Vila Morena no largo do Carmo, em Lisboa.
No Youtube, Lara Sardinha, designer de interiores desempregada de 34 anos, prestou a sua homenagem à canção e a “um Portugal melhor” em formato de vídeo [pt e en]:
Fonte: Global Voices