Portaria de Moro sobre deportação é inconstitucional e contraria leis nacionais

Ministério da Justiça diz que Portaria 666 visa proteger o Brasil da entrada de suspeitos de crimes de terrorismo e tráfico; ex-secretário nacional de Justiça e entidades rebatem
Foto: Lula Marques/Ag PT

Por Rodrigo Borges Delfim.

Uma portaria estabelecida pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e publicada na última quinta-feira (25) no Diário Oficial da União, endurece as regras para entrada de pessoas de outros países no Brasil, assim como de deportação e repatriação. No entanto, especialistas e organismos públicos e da sociedade civil apontam que ela bate de frente com a legislação vigente no país.

Segundo nota no site do Ministério da Justiça, a Portaria 666 (clique aqui para acessar) “pretende proteger o Brasil ao evitar a entrada de pessoas suspeitas de crime de terrorismo ou de tráfico de drogas, assim definidos em lei”.

Seriam também alvo da portaria, de acordo com o texto, estrangeiros que sejam “suspeitos” de ter envolvimento em grupo criminoso organizado, associação criminosa armada, tráfico de pessoas, tráfico de armas e pornografia ou exploração sexual infantil.

Para tal, não precisa haver uma acusação formal e nem condenação por parte da pessoa – basta uma investigação em curso contra a pessoa (dentro ou fora do Brasil) ou que existam “informações de inteligência provenientes de autoridade brasileira ou estrangeira”.

O diretor do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, do MJJ, André Zaca Furquim, afirma que o texto trata de disciplinar a deportação excepcional prevista na Lei de Migração. “Isso que foi feito. O texto está sendo discutido desde 2017 [a lei entrou em vigor em novembro do referido ano]. É um ano e meio de trabalho. Ela não é uma portaria isolada, faz parte de um contexto”.

Questionamentos

Já Beto Vasconcelos, sócio do escritório XVV Advogados e ex-Secretário Nacional de Justiça, aponta que a portaria pode ser alvo de questionamento judicial, caso não seja revista.

“Ela cria hipóteses genéricas e subjetivas para deportação e outras restrições de direito, fundadas em mera suspeita – o que nosso ordenamento constitucional e legal não permite”.

Entidades que atuam na temática migratória também se posicionaram e apontaram irregularidades na portaria. Para a Conectas Direitos Humanos, a decisão dá margem para decisões arbitrárias.

“Diante de uma acusação, qualquer pessoa, seja brasileiro ou migrante, tem o direito de apresentar sua defesa perante um juiz. Na prática, o que esta portaria faz é restringir este direito, estabelecendo um prazo curto para que o migrante constitua e apresente sua defesa”, afirmou Camila Asano, coordenadora de programas da instituição.

Em nota, a ABA (Associação Brasileira de Antropologia) repudiou a Portaria 666 e afirmou que ela traz de volta o fantasma do Estatuto do Estrangeiro – legislação migratória da época da ditadura militar, que via o migrante como potencial ameaça à soberania nacional. Essa norma só foi revogada pela Lei de Migração, em 2017.

“Além de restaurar, atualizar e até extrapolar o malfadado Estatuto do Estrangeiro, da época da ditadura, a Portaria 666 – ao evocar as “novas ameaças” estabelecidas pela comunidade internacional, como o narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de pessoas e de ilícitos e até a pornografia ou exploração sexual infanto/juvenil – trata a priori migrantes como pessoas perigosas e suspeitas de praticar atos que contrariam a Constituição Nacional, sujeitas à deportação em função do enquadramento seja na lei antiterrorista (no. 12.360/2016), ou naquela referente ao crime organizado (lei no. 12.850/2013)”, diz trecho da nota.

Há também preocupação quanto à imposição de sigilo antecipado sobre todos os processos sob o argumento de preservar informações sigilosas e investigações internacionais.

De acordo com a coordenadora da Conectas, a portaria contraria também a Lei de Acesso à Informação (12.525/2011) e cria entraves para a transparência e análise de atos do governo pela sociedade civil.

“Essa previsão de sigilo enseja preocupações sobre se o deportando e sua defesa terão acesso a todas as acusações e informações do processo para se defender”, finaliza Asano.

“A portaria prevê um sigilo para motivações de restrições que é absolutamente inconstitucional e ilegal”, reforça Vasconcelos.

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