Por Beatriz Drague Ramos.
Se mantiver o ritmo de homicídios de 2017, quando houve um aumento de mais de 50% nos assassinatos, o estado do Ceará pode ser responsável por mais de 7 mil casos desse crime em 2018. No ano passado, foram registrados 5.134 mortes violentas, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do estado.
A situação tem se agravado. Somente em janeiro deste ano, os crimes violentos letais e intencionais cresceram 34,38% na comparação com o mesmo mês do ano passado.
As chacinas recentes em Fortaleza revelam disputas entre facções criminosas, que chegaram a protagonizar uma perseguição seguida de morte em uma rodovia estadual no fim de janeiro. O cenário de violência faz parte da realidade da população já há algum tempo, e a escalada de crimes contra a vida relaciona-se com questões antigas, explica Leonardo Sá, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório dos Estudos da Violência (LEV).
Fortaleza é a grande responsável pelos altos números de violência no estado. Em 2015, a capital cearense já era a campeã em homicídios e mortes violentas, segundo o Atlas da Violência. Dois anos depois, ocorrências letais intencionais chegaram a 1.978, alta de 96,5% em relação a 2016.
O fim do complexo penitenciário do Carandiru, e o consequente surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), ainda no início dos anos 1990, é um desses fatores que está na origem do avanço da violência no Ceará. Após a consolidação em São Paulo, o PCC iniciou sua expansão no País. “A partir de 2010, os altos índices de violência do Sudeste migraram para o Nordeste. Alguns nordestinos envolvidos com o PCC, que estavam no Sul e Sudeste, retornaram aos estados de origem a fim de consolidar a facção na região”, conta Sá.
O Atlas da Violência mostra que, entre 2000 e 2015, a taxa de homicídios no Nordeste mais do que dobrou. No mesmo período, houve queda da violência letal na Região Sudeste.
Taxa de Homicídios nas regiões do Brasil, de 2005 a 2015
A presença das facções
Leonardo Sá conta que as grandes facções só conseguiram se consolidar no estado a partir de 2010, justamente com a chegada de membros do PCC. Até então, as pequenas facções resistiam aos maiores comandos. “Nos anos 90 Fortaleza tinha mais de 300 gangues, principalmente de jovens, que brigavam entre si e com a polícia, mas com poucos membros. O que existe agora é uma quantidade enorme de patrões segmentados. Eles se dividiram entre o Comando Vermelho (CV) e o PCC. E outros ainda criaram o Guardiões do Estado (GDE), além das Famílias do Norte”, afirma o professor Leonardo Sá.
Os Guardiões do Estado (GDE) surgiram de dissidentes do PCC e do CV e recrutam jovens que de áreas em abandono social, sem oportunidades de trabalho, renda e até mesmo alimentação. “São essas zonas na periferias que se tornaram os principais campos da morte. O PCC também recruta esse perfil, mas não é a prioridade. Eles estão recrutando jovens de classe média, estão mais preocupados com a lucratividade e inserção em locais desta classe”, explicou. Já as Famílias do Norte (FDN) surgem de rebeliões penitenciárias do Rio Grande do Norte e buscam disputar espaço no Ceará.
O colapso dos planos de Segurança Pública
O crescimento exponencial dos assassinatos nos últimos anos e a entrada efetiva das facções coincidem, ainda, com o colapso de alguns programas de Segurança Pública do Ceará. Para o pesquisador do LEV, há uma relação entre a crise do programa Ronda do Quarteirão, do governo Cid Gomes (PROS), e o crescimento dos homicídios no Nordeste. “Houve um apoio muito forte da sociedade civil, o programa começou funcionando bem, mas depois entrou em decadência. E essa decadência coincidiu com o processo de crescimento da violência letal no Ceará”.
A série de tentativas adotadas pelos governos do Ceará evidenciam grande dificuldade em tornar o estado seguro aos cidadãos. Dos governos de Tasso Jereissati (PSDB) – de 1995 a 1999 e de 1999 a 2002 –, passando por Cid Gomes (PROS), de 2011 a 2015, e ao atual governador Camilo Santana (PT), a segurança pública caminhou a passos lentos.
O Ronda do Quarteirão, pretendia aproximar os policiais da população, a partir do chamado direto do usuário à viatura de seu perímetro. O projeto representou uma das principais promessas do governo estadual para a segurança pública, conseguindo expandir-se para mais de 20 áreas de atuação, e abrangendo por completo nas regiões de Fortaleza, Caucaia e Maracanaú.
Apesar dos avanços, o projeto entrou em declínio ao final do primeiro governo Cid Gomes, no início de janeiro de 2012. O marco ocorreu quando o atual deputado estadual, Capitão Wagner, liderou uma greve de policiais militares, paralisando assim o estado e derrotando o governo. Os chamados “dias do medo” ocasionaram o início de uma crise que perdura até hoje.
Para José Raimundo Carvalho, professor de Economia e especialista em análise estatística criminal da Universidade Federal do Ceará, , o policiamento comunitário, que já existia há quase dez anos, poderia trazer alguma prevenção por estar presente onde o estado não estava. “Criava-se um elo com a população carente”, opina.