Por Cássio Moreira.
O trabalhismo no século XXI: da ideologia do desenvolvimento a um projeto de nação
O trabalhismo é uma ideologia política que engloba outras categorias de ideologias, como por exemplo, a econômica e a cultural; e esse conceito vai se transmutando ao longo do tempo. As ideologias políticas não possuem conteúdos fixos ao longo do tempo, pois elas se moldam, adaptam as realidades e sofrem inumeráveis redefinições. Robert Srour em seu livro, “Poder, cultura e ética nas organizações” (2012), afirma as ideologias políticas não designam conteúdos fixados para todo o sempre, porque esses se movem ao longo do tempo e sofrem inumeráveis redefinições. É o caso patente, por exemplo, da social-democracia contemporânea. Evoluiu de um ideário revolucionário, no final do século XIX, para proposições reformistas já nas primeiras décadas do século XX. Iniciou ruptura com o marxismo em meados dos anos 50 e passou a adotar um ideário moderado de democratização do capitalismo, num processo que a aproxima cada vez mais do liberalismo político. Até o inicio do século XX, os partidos social-democratas ainda eram considerados como partidos revolucionários. Foi a partir da 1º Guerra Mundial – e da Revolução Russa de 1917 – que há uma divisão dentro do movimento socialista. De um lado, os comunistas, influenciados por Lenin e pela Revolução Russa, continuaram a defender a necessidade de uma revolução que mudasse de forma radical o modo de produção característico do sistema capitalista. De outro lado, os social-democratas argumentaram que deveria ser por meio da via partidária e democrática as reformas dentro do capitalismo, para torná-lo mais social e humano. Em resumo, os social-democratas consideravam que havia duas vias para o socialismo: a democrática (social-democratas) e a autoritária (comunistas). Entretanto, com esse foco reformista, por meio do aumento da representatividade no parlamento, o movimento foi perdendo o horizonte do socialismo, embora trouxe muitos ganhos para a classe trabalhadora da Europa. A partir da 2º Guerra Mundial, a social-democracia afasta-se definitivamente da ruptura com o capitalismo . Essas transformações podem ser melhor estudadas abordando o debate entre Eduard Bernstein, Karl Kautsky e a turma dos socialistas fabianos na Inglaterra que influenciaram diretamente na criação do Labour Party.
Portanto, o trabalhismo, enquanto ideologia política, não é um conceito estático, e sim adaptado ao seu contexto histórico. Geralmente é por meio das ideologias políticas e econômicas que nos são oferecidos o enredo que justifica as decisões a serem tomadas e as ações que determinados governos executam em uma determinada nação. No caso do trabalhismo no Brasil, essa ideologia política sempre veio acompanhada de uma ideologia econômica desenvolvimentista. Nos governos de Getúlio Vargas foi o nacional-desenvolvimentismo, no de João Goulart foi o nacional-reformismo e nos dos presidentes Lula (a partir de 2006) e Dilma Rousseff foi o social-desenvolvimentismo. Um contraponto a essa associação pode ser o do governo Geisel: um governo de nacional-desenvolvimentismo sem ser trabalhista.
Continua Srour, que as ideologias econômicas põem em jogo as relações entre o Estado e a economia, ou entre o planejamento e o mercado. O autor lembra a clássica distinção entre liberalismo político e liberalismo econômico para verificar que não há simples coincidência ou superposição entre os dois ideários. Esclarece ele que é possível ser liberal do ponto de vista econômico, ao mesmo tempo em que se é politicamente conservador. Entende-se nesse artigo, portanto, o termo “ideologia política” como um conjunto de idéias, de uma pessoa ou partido, que traz uma visão, ideal, de como deveria ser a relação entre as pessoas em determinado espaço público, enquanto a ideologia econômica traz uma visão de como deveria ser o papel dos agentes econômicos, e suas relações, na busca por solucionar problemas no âmbito da produção, distribuição, acumulação e consumo de bens e serviços. Nesse sentido, o desenvolvimentismo seria uma ideologia econômica, enquanto o trabalhismo uma ideologia política.
Cabe contextualizar e esclarecer o conceito histórico do trabalhismo brasileiro: a formulação do trabalhismo, tal como desenvolvido na Inglaterra, passou por transformações no Brasil, adaptando-se à realidade e adquirindo características próprias, e teve como um de seus principais ideólogos no país, o sociólogo e político, Alberto Pasqualini, que tinha como base os princípios do solidarismo cristão (democracia-cristã das Encíclicas Rerum Novarum e Quadragésimo Anno), assim como, o pensamento keynesiano da época e elementos do trabalhismo inglês com o pensamento de uma de suas lideranças políticas do Labour Party, o historiador Harold Laski, o qual definiu o trabalhismo como expressão equivalente à de capitalismo solidarista. Por essa expressão, tem-se que a ideologia trabalhista reconhece o capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade privada. Porém, a ideologia trabalhista (por meio do seu complemento econômico) defende uma intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e atingir uma forma mais equilibrada e humana do capitalismo, dando ênfase nas políticas públicas com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores, o que seria atingindo baseado na “conciliação de classes”. O trabalhismo sustenta a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica, bem como a superação das diferenças de classe, sem violência, através da melhor distribuição da riqueza e da promoção da justiça social. Pasqualini, nos seus escritos entre 1945 e 1950, fez a consolidação do trabalhismo originado a partir da Revolução de 30 e iniciado com algumas medidas já nos 15 anos do primeiro governo Vargas. Seus escritos contribuíram para dar uma diretriz ao PTB.
Alguns autores atribuem, ainda, a origem do trabalhismo ao próprio positivismo. Miguel Bodea, em “A greve de 1917: as origens do trabalhismo gaúcho” (1979) e “Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul” (1992), destaca a atuação de Borges de Medeiros nas greves de 1917, pois recebeu os trabalhadores no palácio do governo e considerou justas suas reivindicações por reajuste de salários e aumentou os vencimentos do funcionalismo público para servir de exemplo à iniciativa privada, algo muito raro naquele período. Enfim, Bodea sustenta a tese de que o trabalhismo no Brasil seria o “herdeiro” do positivismo. Para o autor, há a mesma ideia central entre o “republicanismo castilhista” e o “trabalhismo”. Bodea (1979) percebe uma continuidade em termos de linguagem e valores na passagem do positivismo de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros para o trabalhismo de Getúlio Vargas e Alberto Pasqualini, apontando, ainda, seus desdobramentos e invariâncias nas gerações subsequentes como em João Goulart e Leonel Brizola. Ele afirma que a “intervenção estatal” e “aliança com o operariado” são elementos estabelecidos no pensamento do Partido Republicano Rio-Grandense e apontam para o ideário que caracterizaria o trabalhismo gaúcho. Sintetiza seu argumento defendendo que os positivistas haviam formulado “de forma embrionária” experiências que vieram a se generalizar no país, identificando a “herança positivista” na legislação trabalhista e em um “novo modelo de desenvolvimento nacional”, que incluiria a “mobilização dos trabalhadores” e a “bandeira do nacionalismo e do desenvolvimentismo”. Assim, conforme Pedro Fonseca, em “As fontes do pensamento de Vargas e seu desdobramento na sociedade brasileira” (2001), o trabalhismo herdaria do positivismo as noções de progresso (o desenvolvimento), de “integração do proletariado à sociedade moderna” e de aversão a perturbações drásticas na ordem social, mas afastou-se ao admitir maior interferência estatal nos conflitos de classe e ao prescindir da ortodoxia em matéria de política econômica (orçamento equilibrado, austeridade, finanças sadias), além de sua base filosófica: o materialismo.
Em trabalho posterior, Bodea (1992) aprofunda suas teses. Apoiando-se nos conceitos de “intelectual orgânico” e de “hegemonia” de Gramsci e na noção de “interpelações democrático-populares” de Laclau, ressalta os mesmos elementos para caracterizar o trabalhismo: aproximação com setores populares, nacionalismo, desenvolvimentismo, intervenção estatal. Para ele há uma complementaridade ou divisão de tarefas entre Vargas e Pasqualini, o que volta a acontecer entre João Goulart e Leonel Brizola.
Bodea, enfim, caracteriza a formação do partido político como resultado do processo doutrinário e de produção de consenso “no momento da sociedade civil” (obra de Alberto Pasqualini) e de estratégia política “no nível do aparelho de Estado” (tarefa visualizada em Getúlio Vargas). Ele sustenta que o conteúdo “reformador” e “modernizante” do trabalhismo com “raízes” no “positivismo”, evoluiria para “populismo operário e socialista”. Bodea (1992) ainda faz uma separação em três vertentes na formação do PTB antigo:
a) corrente sindicalista;
b) corrente doutrinária-pasqualinista;
c) corrente pragmático-getulista.
Argumenta que o entrecruzamento entre tais vertentes estabeleceu um modelo evolutivo no PTB gaúcho. A articulação entre corrente pragmático-getulista (elite política), corrente sindicalista (setores populares) e a corrente doutrinária-pasqualinista (intelectuais orgânicos) possibilitaria a ligação com a “herança positivista” e transmitiria esse “legado” (aproximando nacionalismo e socialismo) para futuros líderes do partido – entre eles o denominado herdeiro de Vargas – João Goulart.
O trabalhismo deriva do sentido de organização dos trabalhadores pela busca e ampliação dos seus direitos. Existem partidos trabalhistas em diversos países do mundo, mas podemos apontar como sua origem a Inglaterra em virtude de ser o berço da revolução industrial. Na Noruega, recentemente o partido trabalhista (ideologia política) aproximou-se do liberalismo econômico (ideologia econômica). Nos Estados Unidos, o governo do presidente Franklin Roosevelt e seu New Deal pode ser considerado trabalhista (ideologia política) e keynesiano (ideologia econômica). Recentemente no Brasil, conforme Fernando Nogueira da Costa (em artigo intitulado “Mirem-se no Exemplo da Suécia” de 2014) o Partido dos Trabalhadores (PT) pode ser considerado um partido trabalhista semelhante o do Partido Operário Social-Democrata da Suécia, de origem trabalhista-sindicalista fundado em 1889, e que assim como o sueco tem como seu objetivo a formação de um Estado de Bem-Estar Social para o país. Ou até mesmo o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) que passa por problemas parecidos com os do Partido dos Trabalhadores (PT): que parte de um partido de operários originalmente de oposição e que cresce em seu prestígio social e político e acaba cedendo a uma aristocracia da elite do dinheiro em não realizar reformas mas apenas concessões a classe trabalhadora. Conferir Robert Michels com a “Sociologia dos Partidos Políticos”, onde ele aborda bem sobre o SPD, já na década de 1910, três décadas após a sua fundação. E a seguir, o Congresso de Bad Godsberg em 1958 onde o SPD abole o marxismo e assume de vez o reformismo. Experiências históricas diferentes, mas o PT passa pelos mesmos dilemas. Sobre a história do trabalhismo no Brasil e a refutação do sentido de populista ver artigo “A história do Trabalhismo brasileiro e seus reflexos na conjuntura atual” de Nilton Chagas de 2016 e o primeiro capítulo do livro “O Projeto de Nação do Governo João Goulart: o Plano Trienal e as Reformas de Base, de 2014, de autoria de Cássio Silva Moreira.
Entretanto, embora na Internacional-Socialista (é um grupo de partidos políticos adeptos da social democracia que atua em escala mundial) estão partidos socialistas, social-democratas e o trabalhista britânico (da linha libor-britânicos, australiana e canadense). O surgimento do trabalhismo no Brasil, durante o governo Vargas, tem uma simbiose de características muito marcantes. Conforme Cássio Moreira (em O Projeto de Nação do Governo João Goulart, de 2014) quatro elementos formaram o trabalhismo brasileiro: trabalhismo, desenvolvimentismo, nacionalismo e estatismo. Entretanto, esse trabalhismo está em constante mutação. Desde a perspectiva varguista do trabalhismo, a visão de Pasqualini que contribuiu para o avanço do nacional-reformismo do governo João Goulart, sendo atualizado no final do século passado pela ideia de socialismo moreno de Brizola e Darcy Ribeiro. Em relação a essa reaproximação do trabalhismo com um tipo de socialismo, o democrático, ver a Carta de Lisboa, o Manifesto do PDT e a Carta de Mendes. Nesses documentos, existem uma clara reafirmação da democracia, do nacionalismo, do socialismo com liberdade por meio de um partido nacional e popular. Cujas influências do pensamento marxista e da Teoria da Dependência (Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Theotonio dos Santos, Vania Bambirra, entre outros) fica consolidado no novo trabalhismo preconizado pelo PDT. Em 2001, Celso Furtado, atualiza a ideologia trabalhista nacional-desenvolvimentista, formulando o que seria a síntese do trabalhismo social-desenvolvimentista, ou seja, o entendimento de que o desenvolvimento socioeconômico é fruto do crescimento da renda e emprego com política social ativa o que resultou na ideologia política e econômica dos governos Lula e Dilma nos últimos anos.
Parafraseando Moniz Bandeira, o trabalhismo no Brasil, foi a manifestação nacional do que na Europa foi a social-democracia após a guerra de 1914/1918, ou seja, uma corrente política que tratou de empreender reformas sociais dentro da moldura do sistema capitalista. Nesse aspecto, cabe mencionar o importante papel do Partido Social-Democrata, enquanto governo na Alemanha, na elaboração e na criação de uma constituição avançada no campo dos Direitos Sociais como a Constituição de Weimar em 1919. Essa constituição representa o auge da crise do Estado Liberal do século XVIII e a ascensão do Estado Social do século XX e que consagrou direitos sociais e reorganizou o Estado em função da solidariedade e não mais baseado no individualismo.
Procurando contribuir na atualização do conceito de trabalhismo para o século XXI, e inspirado nas ideias de Pasqualini, definimos trabalhismo como uma ideologia política formulada e/ou executada, de forma deliberada, e implementada por um partido político, tendo como principio básico a co-existência de solidariedade com as liberdades individuais. Na esfera econômica o trabalhismo está umbilicalmente associado a uma ideologia econômica que visa o desenvolvimento socioeconômico por meio de uma ação indutora do Estado em paralelo ao fortalecimento do trabalho sobre o capital (sempre tendo em vista a convivência harmônica por meio da superação democraticamente das diferenças de classe) e do trabalho produtivo frente ao rentismo, por meio de uma melhor distribuição da renda e da riqueza objetivando promover progresso, desenvolvimento, igualdade e justiça social.
Partindo desse conceito, o trabalhismo do século XXI traz como dogma o chamado PRODUTIVISMO INCLUDENTE, por meio de uma revolução na educação pública. Que na sua esfera econômica busca atualizar o conceito de nacional-desenvolvimentismo para uma economia globalizada.
De certo modo, essa ideia faz uma crítica construtiva aos rumos do trabalhismo social-desenvolvimentista dos governos de Lula e Dilma. Esse modelo foi baseado na busca pela conciliação de classes e na produção e exportação de commodities, de produtos primários, aproveitando as riquezas da natureza, para distribuir renda por meio de programas de transferências e valorização real do salário mínimo. Essa popularização do acesso ao consumo, por meio do aumento da renda popular e ampliação do crédito, teve no Estado brasileiro o principal agente dessa inclusão social que resgatou milhões de brasileiros da pobreza extrema e possibilitou a emergência de uma nova classe média desprovida de consciência política.
A crítica construtiva, portanto, está no fato de que esse modelo exauriu o seu potencial, pois foi eficiente na produção de pleno emprego, mas ineficiente na ampliação da sua capacidade produtiva, em especial de base tecnológica. Portanto, não serve mais como paradigma de projeto de nação, por ser insuficiente para o desenvolvimento do país. Esse modelo foi possível de implementar enquanto havia obtenção de renda mundial fruto da valorização do preço dos commodities (diga-se de passagem que em virtude da visão acertada de política externa do governo Lula – que retoma a política externa independente de Jânio Quadros/João Goulart – que valorizou a relação comercial Sul-Sul, especialmente com a China). Todavia, em situação de escassez esse modelo não conseguiu prover o rompimento da dependência, principalmente a tecnológica. O caminho para isso é promover a ação empreendedora e inovadora dos agentes econômicos nacionais (principalmente as pequenas e médias empresas, visto que as grandes – maioria são multinacionais estrangeiras – já estão entrelaçadas com cadeias de produção e de desenvolvimento de P&D globais, e que não permitem transferir tecnologia). Ademais, resolver o problema da baixa produtividade da nossa economia sem afetar a qualidade de vida dos nossos trabalhadores.
Mangebeira Unger descreve a combinação de três características desse sistema que foi desenvolvido nos últimos anos: a primeira é que o Estado conseguiu manter, nos períodos de altas e de baixas do ciclo econômico, um altíssimo nível de emprego, porém empregos de baixa qualificação e baixíssima produtividade, com limitadas possibilidades de ascensão social. A segunda característica é que uma imensa energia empreendedora, vindo de baixo no tecido social, coexistiu e coexiste com um primitivismo produtivo que mantém parcas possibilidades de crescimento desses pequenos empreendimentos. E a terceira característica é que a abundância das exportações dos recursos naturais mascarou as fragilidades desse modelo. Continua mangabeira (atualmente filiado ao PDT), que as políticas contracíclicas, uma espécie de keynesianismo vulgar, chegou ao fim e agravou os problemas do país e que hoje necessita de um ajuste que subordine esse “keynesianismo vulgar” ao imperativo de realismo fiscal.
Contudo, esse realismo fiscal não deve ter como estratégia ganhar a confiança financeira para a retomada do crescimento (como parece ser o raciocínio do governo Temer de que o ajuste é para ganhar confiança financeira, e a confiança financeira para trazer o investimento, e o investimento para assegurar o crescimento). Mangabeira afirma que esse timo de estratégia nunca funcionou em qualquer lugar do mundo, e cita como exemplo a Europa, atualmente entregue hoje à estagnação e à austeridade ao mesmo tempo.
Mas sim, no sentido de que o ajuste serve para retomar a capacidade do investimento do Estado e fortalecer o poder estratégico para a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Nesse sentido, seria um erro apostar no setor privado como o gatilho do desenvolvimento. Fazendo uma analogia, o Estado seria a locomotiva e o setor privado os vagões nos trilhos do desenvolvimento.
Assim como Pasqualini faz uso de uma analogia entre “cérebro e corpo”, o Estado é o cérebro da sociedade, o órgão mais especializado e complexo, no sentido de elaborar estratégias, ao qual cabe um papel de direção e organização. Fazemos o uso de outra analogia, que produção e consumo são como pernas necessárias para o andar do desenvolvimento e não apenas o consumo e a demanda ou a produção e a oferta. Continua Mangabeira que a diferença fundamental entre democratizar a economia do lado da demanda e democratizá-la do lado da oferta é que a democratização do lado da demanda se pode fazer com dinheiro; mas a de democratização do lado da oferta exige transformação estrutural, inovação nas instituições, inclusive nas instituições que definem a economia de mercado. Não basta regular a economia de mercado, não basta atenuar as desigualdades geradas no mercado por políticas compensatórias de redistribuição. É preciso democratizar o mercado no seu conteúdo institucional, para ampliar as oportunidades econômicas e educativas, e, portanto, para dar braços, asas e olhos a este dinamismo humano que fervilha frustrado no nosso país: os pequenos e médios empresários.
O trabalhismo prega que é fundamental subordinar os interesses do rentismo financeiro aos interesses do trabalho e da produção. E desse modo é necessário incorporar na cultura do país, não mais essa visão rentista e sim um impulso produtivista.
O novo projeto nacional é, portanto, um projeto produtivista e capacitador, não é um nacional-consumismo. É um produtivismo includente acompanhado por uma revolução na educação pública que permita uma consciência das massas aliado ao vanguardismo tecnológico e organizacional pelas empresas.
Desse modo, é fundamental que essas classes de empresários e trabalhadores emerjam com consciência social e nacional. Para isso, o trabalhismo prega a necessidade de educar e conscientizar as massas em prol de um projeto nacional de desenvolvimento. Retomando as idéias de Álvaro Vieira Pinto, contidas em um livro intitulado “Ideologia do Desenvolvimento Nacional”, as bases para que projeto nacional de desenvolvimento seja sustentável ao longo do tempo consistem em:
I – Sem ideologia do desenvolvimento não há desenvolvimento nacional;
II – A ideologia do desenvolvimento tem necessariamente de ser fenômeno de massa;
III – O processo de desenvolvimento é função da consciência das massas;
IV – A ideologia do desenvolvimento tem de proceder da consciência das massas.
Salientava ele ainda que só estariam credenciados para promover o desenvolvimento nacional aqueles que fossem escolhidos pelas massas ou, noutras palavras, não pode haver solução política para os problemas brasileiros fora do voto popular. Ademais, ele (como para o maior teórico do trabalhismo, Pasqualini) acreditava que a educação era o aspecto capital dessa teoria do desenvolvimento e a forma de difusão dessa ideologia.
Ressalta ainda, em tempos de terceirização, que o trabalhismo prega o avanço nos ganhos de produtividade sem ter como contrapartida a precarização do trabalho, no arrocho dos salários, na desqualificação do trabalhador e enfraquecimento do servidor público. Portando, há a necessidade de ao lado do respeito com as leis trabalhistas existentes, um segundo corpo de regras, para governar este novo mundo de relações produtivas e resgatar os trabalhadores dessa precarização eminente que pretende transformar um Brasil numa plataforma de exportação para as economias desenvolvidas.
O que torna a ideologia do liberalismo econômico um instrumento de convencimento para facilitar a dominação dos detentores de tecnologia frente as que não possuem, em outras palavras, dos países centrais versus países periféricos.
Parafraseando o ex-presidente Artur Bernardes: as nações expansionistas viram que o domínio sobre os povos de outra raça, outra língua, outra religião e outros costumes, é odioso e desperta o orgulho pela pátria, gera nacionalismo e incita os ânimos à revolta e às reivindicações da liberdade. A experiência ensina assim aos povos fortes outros caminhos que os leva, sem aqueles inconvenientes, à mesma finalidade: é o caminho da dominação econômica, que prescinde do ataque frente à soberania política. Esse é o perigo que nos cumpre evitar. Os fortes passaram então a apossar-se das riquezas econômicas dos povos fracos, reduzindo-os à impotência e, pois, à submissão política. Contudo, para isso é necessário o convencimento ideológico desses povos, e para isso serve o liberalismo econômico. Pois é uma ideologia para domínio dos fracos pelos fortes. Citando Galbraith: “faz parte da natureza da posição privilegiada que ela desenvolva a própria justificação política e, com frequência, a doutrina econômica e social que lhe seja mais conveniente. Ninguém gosta de acreditar que seu bem-estar pessoal está em conflito com a necessidade pública maior.”
Karl Popper atribuía a necessidade da intervenção do Estado para proteger o mercado dos capitalistas, pois para ele a ideia de um mercado livre é paradoxal ou é uma contradição, isto é, se o Estado não intervir, então poderão intervir outras organizações semi-políticas, como as dos monopólios, oligopólios, Trusts, sindicatos, etc., reduzindo a uma ficção a liberdade do mercado. O mercado ficaria livre do Estado, para ficar preso aos interesses de uma pequena elite do dinheiro.
A seguir dois pensamentos que podem definir bem o encontro entre passado e o futuro do trabalhismo brasileiro. O encontro da teoria de Alberto Pasqualini corporificado nos governos Vargas e Goulart com o pensamento de Mangabeira Unger (materializado no possível projeto de governo do virtual candidato à presidência Ciro Gomes do PDT).
Alberto Pasqualini, em discursos contido no livro “Bases e Sugestões para uma política social”, de 1948, traz a essência do trabalhismo histórico brasileiro quando define que o trabalhismo não é um movimento socialista, e sim, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura social. O sistema de iniciativa privada (capitalismo) deve ser mantido em termos de delineamentos gerais, entretanto isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa admitir e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia solidarizar-se com um capitalismo de caráter individualista e parasitário; em segundo lugar, há certas atividades e empreendimentos, certas riquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializados.
Em um modelo de liberalismo econômico o capital visa exclusivamente o lucro (o que incentiva o individualismo e o consumo sem limites à custa do produto social). O trabalhismo não poderá admitir tal forma de capitalismo. Para o trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados muitas vezes pela iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento da economia, e o bem-estar coletivo. Portanto, o lucro não deverá ser o produto da exploração do trabalhador, mas, deduzida a justa remuneração do empresário, deverá constituir aquela parte do produto social que é investido para a criação de novas riquezas e produção de bens. Para o trabalhismo, o capital de caráter meramente especulativo e explorador é inaceitável. O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à circulação e à troca. O capitalismo, porém, é uma relação de propriedade ou de exploração do capital. Se essa propriedade ou essa exploração é exercida contra o interesse coletivo, o capitalismo é, evidentemente, um mal que deve ser combatido. Na constituição do capital há sempre uma parcela de usura do trabalho, e que é representada por aquela parte que está cristalizada no aparelhamento produtor.
O trabalhismo aceita o lucro como uma forma de expropriação do valor do trabalho do trabalhador como algo necessário (e que também aconteceria num sistema socialista por meio da taxação) para a inversão desse valor em investimento. Portanto, isso não será uma injustiça social se esse valor (lucro) não for desmedido. O problema, portanto, não é o da existência ou supressão do lucro e sim o de sua aplicação.
O capitalismo, portanto (isto é, a exploração privada dos meios de produção, circulação e troca) será injusto na medida em que proporcione, a alguns, possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho de outros; e será nocivo, na medida em que, para alcançar essas possibilidades, use de métodos e processos anti-sociais; será, por fim, inconveniente na medida em que tumultue o processo econômico, dando dá lugar às crises periódicas ou ciclos conjunturais, que são uma consequência natural da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.
Injustiças e inconveniências sempre existirão no regime capitalista, portanto sempre será possível atenuá-las. Taxar, por exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em investimentos socialmente úteis será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos capitalistas para as suas verdadeiras finalidades. Taxar fortemente os artigos de luxo e com o produto da taxação custear serviços de assistência social será outra forma de corrigir certas injustiças. É isso que pretende o trabalhismo, isto é, tornar efetiva a solidariedade social. O aumento do lucro do empresário, portanto, é necessário para aumentar o salário do trabalhador. Um regime socialista dos meios de produção apenas poderia ser eficiente se a administração da empresa socializada pudesse ser mais eficiente do que a empresa privada. Entretanto, para isso, porém, seria necessário um alto nível de educação social, o que não existe ainda na maior parte dos homens. A socialização integral dos meios de produção, no estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos para geri-lo.
A tendência deve ser aumentar as funções do Estado, evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens. Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade. Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe como estratégicas para o desenvolvimento nacional.
Mangabeira, em discurso de 2015 (que trouxe a base da proposta de “Pátria Educadora” que objetivava implementar o segundo governo Dilma Rousseff) apontava que o ensino deve ser focado no essencial, nas capacitações analíticas, de entendimento verbal e raciocínio lógico e priorizar um ideal de aprofundamento seletivo. A profundidade é o caminho para aquisição de capacitações analíticas e organizar todo o ensino como uma sequência cumulativa de capacitações. Em relação às inibições pré-cognitivas e capacitações de comportamento (de disciplina e de cooperação) o ensino deve ser organizado com um conjunto de redes e equipes para superar a combinação de individualismo e autoritarismo. Em síntese é uma revolução nas capacitações e na consciência do povo brasileiro. A necessidade de uma mudança no pacto federativo em relação à educação no Brasil para que fortaleça a cooperação federativa entre o governo federal e os estados e os municípios com o principal objetivo de qualificar os professores (por meio de uma carreira nacional de professor para que ele possa ministrar este ensino analítico) e o foco no ensino analítico e capacitador, priorizando operações conceituais básicas, como análise matemática e leitura crítica.
Em resumo, o trabalhismo é uma ideologia política que necessita estar associado com uma ideologia econômica. Que em determinado contexto histórico foi nacional-desenvolvimentismo e em outro o social-desenvolvimentismo. Ele defende a intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e tornar o capitalismo mais humano e equilibrado, por meio da ênfase nas políticas públicas, principalmente na área da educação (educação como a única forma de emancipar o povo e consolidar uma ideologia do desenvolvimento nacional) e do assistencialismo, com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores buscando uma conciliação de classes dentro de um ambiente cada vez mais participativo e democrático.
No âmbito externo, defende uma política externa independente e que preserve e fortaleça a autonomia e soberania nacional. Embora ele reconheça o capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade privada, tem como lema os seus objetivos norteadores: progresso com justiça social e desenvolvimento com igualdade.
Portanto, existe a necessidade de reformas estruturais que sirvam de base para o desenvolvimento do país. Podemos apontar algumas dessas reformas necessárias para um projeto de nação como: o fim do oligopólio dos meios de comunicação (que atualmente domina e manipula a informação e combate uma ideologia nacional de desenvolvimento), uma reforma tributária com viés progressivo, uma reforma política (que amplie a participação popular e fortaleça as ideologias partidárias), e uma revolução na educação que traga uma visão holística sobre a sociedade, entre outras. Apenas assim, será possível uma mudança de mentalidade das massas e o desenvolvimento sustentável de um projeto de nação. Portanto, apenas por meio da forte intervenção do Estado na economia, respeitando as liberdades e o empreendedorismo, para superar a dependência econômica com o estrangeiro e promover a libertação política e econômica do Brasil.
A síntese desse projeto trabalhista, portanto, é a junção de um modelo produtivista e capacitador por meio de uma transformação radical do ensino público.
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Fonte: Luiz Müller.