Por que o café está tão caro e até onde isso pode chegar?

Fortemente influenciada pelo mercado internacional, bebida símbolo do país caminha para virar produto de luxo

Foto: Kelsen Fernandes, Unsplash

Por Nara Lacerda.

Do ano passado para cá, o Brasil viu os preços do café chegarem a patamares inimagináveis para o maior produtor do mundo. Em 2021, o grão torrado e moído aumentou mais de 50%.

Embora nos últimos dois meses a oscilação nos valores cobrados pelo produto tenha se acomodado em alguma medida, isso aconteceu sobre bases muita altas. Em resumo, a bebida que é símbolo cultural do país continua muito cara para boa parte da população.

Mas por que a nação que mais planta e vende café no planeta tem preços tão altos no mercado interno?

Segundo Rodrigo Casado, da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária Norte Pioneiro (Coanop), no Paraná, diversos fatores influenciam o cenário. Quase todos eles se encontram em um denominador comum: como commodity, o café está totalmente sujeito às oscilações do cenário internacional e, portanto, às especulações do mercado.

“O café foi transformado numa commoditie, como a maioria dos grãos no Brasil, e acaba tendo muita influência de mercado, dos especuladores, das bolsas e até mesmo de países que nem produzem café. Nós temos, hoje, um baixo estoque do café na mão de produtores e um alto estoque na mão de atravessadores, exportadores, traders, empresas que fazem a logística e a comercialização de café em nível global”, afirma ele.

As alterações no câmbio com a alta do dólar estão entre as explicações para o aumento de preços. Na lista entram também condições climáticas que atingiram a safra no ano passado, geadas e secas em regiões como Paraná, Minas Gerais e São Paulo.

No entanto, ainda de acordo com Rodrigo Casado, o problema não nasce na produção. “O chamado livre mercado – essa história do atravessador que acabou estocando, visualizando exatamente ganhar dinheiro com isso – tirou o café da mão do produtor, inclusive no ano passado por um preço mais baixo, estocou e hoje está realizando os contratos”, diz ele.

“O cara que comprou, guardou e agora está vendendo em um preço melhor. Isso não é o produtor. Esse impacto no cafezinho do dia a dia não surge na base real, que é na produção, na agricultura familiar, que é o principal produtor de café hoje no país”, completa.

Para diminuir os riscos de oscilações tão consideráveis de preço, Casado ressalta que falta controle interno.

“Nós temos um produto que virou commoditie, não tem mais controle do governo. O agricultor não consegue controlar o produto mais. Você compra insumos taxados em dólar, com base em dólar e você vai vender no Brasil em real. Como a nossa moeda, por um descontrole do governo, desvalorizou demais frente ao dólar, esse é um dos principais fatores que tem impactado.”

Simbolismo

O impacto da alta nos preços do café está longe de representar uma questão meramente econômica. No Brasil, ele é a segunda bebida mais consumida, só fica atrás da água.

O país produz café desde o século 17 e chegou a ter a economia sustentada no grão até os anos de 1920. Na década seguinte, por causa da crise de 1929 nos Estados Unidos, as exportações decaíram consideravelmente e o produto começou a sobrar no mercado interno.

Para estimular o consumo e tentar reverter o prejuízo, o governo criou órgãos de gerenciamento de estoques, vendas e produção. A estratégia também inclua campanhas publicitárias para estimular o consumo entre a população.

Em menos de um século, a importância do café deixou de ser atrelada apenas à atividade econômica no Brasil e passou a incluir a paixão das pessoas pela bebida. Hoje, somente a população dos Estados Unidos bebe mais café que as famílias brasileiras.

Tanto simbolismo faz com que uma alta de preços que torne o produto inacessível sejam também um duro golpe à cultura gastronômica do país.

“O brasileiro toma café todos os dias. A gente costuma brincar que, apesar de não ser um produto da cesta básica, ele é um produto de necessidade básica. E, de fato, para alguns nichos o café, hoje, tem status de produto de luxo”, alerta Casado.

Casado destaca que a situação pode piorar. A produção prevista pode não dar conta da demanda. Com o produto em falta, os preços podem voltar a disparar.

“O mercado fala em 60 milhões a 62 milhões de sacas produzidas. Os mais pessimistas falam que vamos produzir em torno de 54 milhões a 55 milhões. Se formos fazer uma média, estamos falando de 57 milhões a 58 milhões de sacas de café. Se olharmos os números de exportação, vai faltar café. Se exportamos até 40 milhões e consumimos até 25 milhões, nessa conta já faltou milhões de sacas de café.”

Reverter a situação depende diretamente de vontade política e de iniciativa do poder público Faltam ações para garantir que os custos de produtores sejam justos. O desmonte do sistema de controle de estoques de grãos no Brasil também impacta diretamente no descontrole dos preços.

“Nós não temos mais estoque nenhum na Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). O produto hoje está à mercê pura e simplesmente do mercado. E a gente sabe que o mercado tem interesses econômicos. São pouquíssimos os interesses sociais do mercado. O mercado vive de rentabilidade, de retorno, tem que ter lucro. Quem paga a conta é o trabalhador, porque no final é para ele que pesa”, conclui Casado.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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