A posse do presidente Nicolás Maduro para o exercício de seu segundo mandato como presidente da Venezuela, no dia último dia 10, contou com a presença de delegações internacionais de 94 países, e organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP). O evento suscitou um debate sobre a natureza democrática ou não do governo venezuelano, que envolveu inclusive militantes de esquerda. Esse debate é tão ridículo que membros do governo Bolsonaro, que ameaçam de morte diariamente LGBTs, negros, mulheres e militantes de movimentos sociais, vêm dando lições de “democracia” ao governo Maduro.
O acontecimento é particularmente importante neste momento em que a extrema direita, latino-americana e mundial, está em processo de ofensiva contra os governos populares da Região, com destaque para o Brasil, que elegeu um governo fascista e, sem dúvidas, o maior capacho dos EUA, de toda a história. Alguns desavisados, ou mal-intencionados, criticaram os políticos brasileiros que representaram seus partidos ou outras organizações na cerimônia de posse, sob a alegação de que o Governo Maduro é uma ditadura, que as eleições foram fraudadas e outros argumentos, que se originam diretamente da usina mundial de calúnias mantida pelo Imperialismo estadunidense. É uma completa inversão de valores. Governos como o brasileiro, paraguaio, hondurenho, e outros, que assumiram em processos de golpe de estado, criticando um governo, com eleições reconhecidamente limpas por representantes até dos EUA. É uma grande farsa internacional, patrocinada com dinheiro grosso dos EUA, especialmente de petroleiras, de olho na maior reserva de petróleo do mundo.Não podemos nos enganar, a Venezuela é tachada como “ditadura”, simplesmente porque resolveu, a partir de Hugo Chávez, eleito em 1999, ser um país de verdade, ou seja, exercer o mínimo de soberania e dignidade nacionais. Esta é a questão de fundo. Se fosse um governo capacho, que proporcionasse privilégios às multinacionais, seria considerado uma democracia plena. É o caso do governo Bolsonaro: se elegeu através de fraude fruto de um golpe de Estado. Mas como é um verdadeiro servo do imperialismo, que oferece até mais do que pedem, é enquadrado como “democrático”.
O cerco de fogo que os EUA exercem sobre a Venezuela, desde que o governo do país resolveu enfrentar minimamente o Império e colocar a renda petroleira à serviço da maioria da população, está ligado às questões econômicas, essencialmente. O imperialismo precisa derrubar o governo venezuelano, para atingir seu objetivo principal que é se apropriar do petróleo da Venezuela. Claro, como no Brasil e em outros países onde teve golpe, não é só petróleo. Além das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela tem muita água, a biodiversidade da Amazônia, ouro, etc. O país tem também uma das maiores reservas de coltan[1] do mundo, bastante cobiçado pelas multinacionais. Um governo nacionalista, e preocupado com a questão social, é tudo que o imperialismo não quer neste momento de grave crise mundial do capitalismo. Além do aspecto econômico, tem também o político: o governo da Venezuela é péssimo exemplo, para os demais países latino-americanos, de como enfrentar o imperialismo com altivez e destemor. Por isso precisa ser derrotada através de todas as maneiras possíveis.
A estratégia de sabotagens e mentiras usada na Venezuela, desde os tempos de Chavez, é a mesma usada nos países do Oriente Médio e no golpe do Brasil: iludir a opinião pública mundial com táticas de contra informação e mentiras, e arruinar o país. Vale lembrar que a crise econômica é muito eficiente nessa tarefa, a desorganização da economia sempre foi central na tentativa de desestabilizar governos. Como o governo venezuelano tem o apoio da maioria da população e conta com a lealdade dos militares, os golpistas tentam criar o caos, através da sabotagem econômica, o que acaba prejudicando principalmente a população mais pobre.
A Venezuela é dona da maior reserva provada de petróleo do mundo, com 298,3 bilhões de barris. Quando os preços do petróleo estão elevados, os petrodólares financiam com folga o Estado e os investimentos públicos. Os salários crescem, aumenta a oferta de empregos, e o mercado interno é dinamizado. Nessa fase não há maiores e imediatas motivações para realizar as transformações macroeconômicas necessárias, como a reforma tributária ou a industrialização do país. Além disso, com o ingresso maciço de dólares, as importações ficam baratas, inibindo completamente os investimentos na produção local. Quando o preço do petróleo cai, diminui muito a capacidade de investimentos públicos visando as mudanças estruturais que a economia necessita.
Romper o círculo vicioso da dependência do petróleo não é tarefa fácil. No governo Chávez, inclusive, houve tentativas de construção de uma estrutura da indústria de base, com investimentos, por exemplo, em siderurgia. Chávez buscou também internalizar a etapa de processamento de produtos agrícolas, mas sem sucesso. A Venezuela aumentou muito, inclusive, a dependência das importações de alimentos. Em 2014 havia comprado no exterior US$ 7,5 bilhões, um aumento de 257% em relação aos US$ 2,1 gastos com importação de alimentos em 2004. Na área de medicamentos o aumento, no período indicado, foi ainda maior: 309% (passou de US$ 608 milhões para US$ 2,4 bilhões). Claro, num contexto de ampliação do acesso da população à alimentos e remédios.
A queda drástica dos preços do petróleo acertou em cheio a economia da Venezuela, assim como aos demais países que dependem muito da renda petrolífera. Após um período em que o preço do barril chegou a custar mais de US$ 120, recuou até US$ 25,00 no auge da crise do petróleo em 2012. Nos últimos tempos recuperou parte do valor, e está na casa dos US$ 44, ainda aquém da cotação que permita estabilidade econômica e política na Venezuela. A perda de receita do país, decorrente da queda do preço do petróleo, construiu o ambiente econômico para a instabilidade política na Venezuela.
Os setores extremamente prejudicados com a inversão de prioridades dos governos bolivarianos há muito aguardavam a oportunidade de realizar a chamada “guerra econômica”, forçando o desabastecimento de produtos essenciais, tática que desgasta qualquer governo. No caso da Venezuela faltam alimentos, remédios e outros, cuja escassez provocam imediata reação na sociedade, em função de sua essencialidade. Escassez de produtos essenciais, com consequente elevação de preços, constroem as condições para a desestabilização econômica e para um clima de desespero, especialmente dos mais pobres. Que é exatamente o objetivo dos movimentos golpistas. A situação só não é mais grave porque o governo venezuelano montou, ao longo dos últimos 20 anos, uma estrutura estatal de atendimento à população que atende a cerca de 20 milhões de pessoas (num país que tem população total de 32 milhões de habitantes). Atualmente 2,1 milhões de idosos recebem pensão ou aposentadoria, o que representa, 66% da população da chamada terceira idade. Isso explica em boa parte o apoio da população mais pobre ao governo, apesar da extrema gravidade da crise.
Se conseguirem derrubar o governo na Venezuela, como fizeram no Brasil, toda a América Latina será impactada, com retrocesso na democracia e no campo dos direitos da cidadania. A principal força do golpe que está sendo desferido contra a soberania da Venezuela, é a mesma do golpe no Brasil: o imperialismo norte-americano. As razões do golpe, lá e aqui, também são muito semelhantes: petróleo, água, biodiversidade, Amazônia, nióbio e outros minerais. O que está em jogo no país vizinho, essencialmente, é uma luta de vida ou morte, entre a direita fascista da Venezuela, apoiada pelo Império, contra o governo venezuelano, que tem o apoio da maioria do povo pobre do país.
—
[avatar user=”Jose Alvaro Cardoso” size=”thumbnail” align=”left” /]José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
—
A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.