Por Carol Castro.
“Empoderamento feminino se dá com arma na mão de cidadão de bem”. “Só um candidato preocupado de verdade com a violência contra a mulher propõe castração química para estupradores”. “Sou contra a ideologia de gênero – vai ensinar filho meu a ser gay na escola?”.
Essas frases todas foram retiradas de vídeos gravados e publicados por mulheres em apoio ao candidato Jair Bolsonaro, do PSL. Elas fazem parte de uma fatia pequena do eleitorado feminino: só 17% declaram voto a ele.
E deixam estarrecidas outras 49% que não votariam de jeito nenhum no candidato, de acordo com os números apurados nas últimas pesquisas. O histórico de falas agressivas às mulheres corrobora a rejeição. As mais famosas: “não te estupraria porque você não merece”, para a deputada Maria do Rosário, e “tenho cinco filhos. Quatro foram homens e na quinta dei uma fraquejada”.
Nenhum desses exemplos faz as eleitoras do candidato mudarem de ideia – veem como brincadeira ou culpam Maria do Rosário por ter iniciado o bate-boca. “Elas acham que às vezes ele não usa filtro por ser muito sincero. Então isso é até positivo, como se fosse um candidato honesto, por não se deixar levar pelo marketing eleitoral”, explica Esther Solano, cientista política e professora da Unifesp, que realizou pesquisa com eleitores de Bolsonaro. “Em casos polêmicos, veem como manipulação da imprensa. Como se as notícias fossem distorcidas, descontextualizadas”, conta.
São, em geral, mulheres conservadoras, apegadas aos valores cristãos. Não à toa a expressão “cidadão de bem” quase sempre aparece em algum momento do discurso delas. “Não é incoerente uma mulher ser machista. Porque não é só questão de gênero – é sobre estrutura de poder. Mas nem todas as pessoas têm essa consciência, esse despertar de como o machismo molda a sociedade”, afirma a cientista política Thatiana Chicarino, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Não que neguem o machismo. Segundo Solano, entre as entrevistadas, todas elas concordaram: o Brasil é um país machista. Ainda assim, diziam-se antifeministas. “Elas acham que as feministas são muito exageradas, querem ter privilégios quando falam em direitos e causam muitos problemas. A ideia é que, sem elas, seria mais fácil lutar com calma e tranquilidade”, explica Solano.
Em vez de apostar em lutas e políticas de equidade de gênero, apostam na meritocracia. E, por isso concordam quando Bolsonaro diz que o Estado não deve se meter em políticas salariais dentro de empresas. Até porque nem ele mesmo paga às mulheres os mesmos valores que seus funcionários homens recebem em seu gabinete, segundo reportagem do jornal Valor Econômico. Para elas, basta um esforço individual para chegar ao mesmo patamar que seus colegas.
Só que não é bem assim. Não faltam pesquisas para mostrar que mulheres recebem salários mais baixos que seus colegas homens e raramente ocupam cargos de chefia. Uma das últimas, publicada em março pelo IBGE mostra que, apesar de terem maior escolaridade, ainda ganham 23,5% menos do que eles.
A discrepância também se reflete na cor da pele: enquanto brancas ganham, em média, 2,234 mil reais por mês, mulheres negras e pardas recebem 1,283 mil. Entre todas elas, só 37,8% delas ocupam cargos de chefia. E trabalham mais. Somados afazeres domésticos e profissionais, gastam três horas a mais que eles trabalhando. Ou seja: esforço não falta, afinal, estudam mais. Ainda assim não alcançam as remunerações e cargos que eles.
Em comum com a pauta feminista, também se indignam com os dados de violência sexual. Estima-se que cerca de 500 mil mulheres são estupradas por ano no Brasil. Só que discordam em relação às formas de resolver o problema. Querem castração química e armas para se defenderem.
“É curioso, porque querem armas para lutar contra violência sexual. Só que os dados mostram que a maior parte dos estupros acontece em casa, ou são cometidos por conhecidos. Então essa ‘arma’ estará ali para a vítima e o agressor”, diz Chicarino. Segundo dados do Ipea, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima.
Se por um lado defende punição severa aos agressores, Bolsonaro não apoia aborto nem em caso extremos como esses. Em 2013, o deputado assinou, em parceria com outros parlamentares, o PL 6055/2013, na tentativa de derrubar a lei que permite aborto em casos de violência sexual. Não foi bem sucedido. Ainda assim, dois anos depois, o militar entrou, em vão, com pedido para desarquivamento do PL.
Na outra ponta do discurso, na defesa pelos direitos tradicionais da família, o candidato e seus eleitores abominam a ideia de estudar questões de gênero e sexualidade nas escolas. “Veem seus filhos e filhas ameaçadas pelos estudos de gênero, pela ideia de construção de gênero… E quem da ‘família tradicional’ não sentiria medo se dissessem que o filho pode ‘virar gay’ na escola?”, questiona Solano.
E nessa deixam de fora outros pontos que afetam de verdade a vida delas. “Falta essa percepção de que o que atrapalha é a PEC 95, as mudanças na legislação trabalhista, isso é o que ameaça o futuro dos filhos delas”, explica Flávia Biroli. “Conseguiram canalizar a insegurança real da classe média, que é em relação aos empregos, e transformar em uma insegurança de ordem moral. Como se esse fosse o maior problema”, conclui.