Por que é importante levar habitação popular para centros urbanos?

Por Carol Scorce.

 Especialista em habitação social afirma que a classe trabalhadora ocupa para resolver um problema gerado pelo mercado e negligenciado pelo poder público.

Ocupações no centro têm características diversas, e em boa medida contam com a organização de movimentos sociais

A tragédia que colocou abaixo o edifício Wilton Paes, no centro de São Paulo, levou junto de sua estrutura física a única moradia possível para centenas de pessoas. A tragédia joga luz sobre um dos pilares da desigualdade social: o déficit habitacional.

Em especial nos grandes centros urbanos, a crise de moradia vem acompanhada de tantas outras, como o desemprego, os problemas com transporte e mobilidade e equipamentos públicos como postos de saúde e creche.

Só em São Paulo, o déficit é de 358 mil moradias, segundo dados da secretaria de Habitação, e ao menos 1,2 milhão de pessoas vivem em situação precária de habitação. Na cidade do trabalho, esse vazio de moradias acompanha, em boa medida, a trajetória de pessoas de outros estados, cidades e países que procuram na metrópole uma vida melhor. No Wilton Paes, aproximadamente 25% dos moradores eram estrangeiros.

Para o especialista em habitação social, urbanismo e políticas urbanas e professor da Universidade Federal do ABC Francisco de Assis Comarú, a classe trabalhadora ocupa edifícios ociosos porque não tem nenhuma outra alternativa.

“A classe trabalhadora ganha mal, sofre com uma série de desvantagens e agruras na vida. Ela vai tentar de um jeito ou outro resolver o seu problema. Viabilizar moradia nos centros urbanos é uma maneira de reparar historicamente as injustiças que se comete contra a população de baixa renda”, afirma.

Confira abaixo a entrevista com o professor Francisco de Assis Comarú.

CartaCapital: O que leva centenas de famílias a ocuparem um edifício como o Wilton Paes?
Francisco de Assis Comarú: Primeiro é importante lembrar que existe uma crise habitacional que não está sendo equacionada pelos sucessivos governos. Sendo assim, uma parte da população excluída tende a resolver seu problema fora do mercado. A ocupação é uma das expressões dentro desse fenômeno que a crise de moradia.

O aluguel em cortiços no centro de São Paulo não é barato, giram em torno de R$ 800, e as pessoas precisam morar próximo de onde tem trabalho. A ocupação é uma alternativa já que os governos não dão respostas à altura do problema.

CC: E no centro de São Paulo existe uma grande oferta com dezenas de prédios vazios.  
FAC: Sim, isso porque os proprietários abandonam. São construções feitas em outras épocas, para outra estrutura socioeconômica. Os proprietários construíram sem a preocupação de fazer as reformas estruturais, que são custosas. Eles usaram, lucraram, e quando os imóveis se tornam impróprio, eles param de pagar o IPTU e abandonam. O Estado tampouco cobra essa conta, e ai essas construções vão juntando lixo, entrando em degradação.

CC: É possível abrigar no centro as pessoas que não têm casa? 
FAC: Existem diversos movimentos sociais de moradia no centro (de São Paulo). Eles não estão ali aleatoriamente. Estão ali reivindicando moradia perto de onde tem emprego. Mais uma vez, é um problema que os governos não enfrentam. A classe trabalhadora ganha mal, sofre com uma série de desvantagens a agruras na vida, e ela vai tentar de um jeito ou outro resolver seu problema.

CC: E por que a única maneira de conseguir essa moradia é ocupar? 
FAC: Desde o início da década de 1990, foram construídos aproximadamente seis mil unidades no centro. Isso é muito pouco para uma cidade como São Paulo, e essa moradia não é compatível com os salários dessa população. O mercado cobra um preço impagável. De todos os itens que as pessoas precisam para viver, a casa é o mais caro. Mal a classe média consegue comprar. A crise da moradia existe porque ela é tratada como mercadoria.

CC: Procurar uma ocupação é a alternativa, então. 
FAC: Existem ocupações com perfis diversos no centro. Muitas delas são organizadas, reformam as instalações, trocam pisos, mantém os espaços limpos, possuem extintores, fazem atividades culturais. Existem outras que não fazem. São pessoas que se organizam espontaneamente e que não têm um compromisso claro por moradia urbana para pressionar o poder público. O objetivo é atender uma demanda local e emergencial, de pessoas que estão temporariamente na rua, desempregadas ou recém-empregadas.

CC: É possível transformar esses edifícios abandonados no centro em moradia para a população de baixa renda?
FAC: É possível assumir os prédios no centro e transformá-los em habitação social. Isso não resolve o déficit habitacional da cidade, mas certamente iria melhor a vida de milhares de pessoas. Aparentemente parece muito difícil fazer esse movimento, se pensarmos em curto prazo em função do custo que é mais alto do que construir na periferia.

Mas em bairros afastados é necessário levar toda a infraestrutura junto das moradias, como transporte, equipamentos de saúde, escolas. No centro isso tudo já está montado. É aproveitar um investimento que já foi feito. O mercado constrói, reforma, e lucra com o investimento público enquanto as pessoas que verdadeiramente habitam aquele espaço são expulsas para a periferia.

CC: Você acredita que falta vontade política para enfrentar essa crise?
FAC: É uma loucura o que a sociedade faz com a classe trabalhadora. Numa crise (econômica) como a que vivemos, as pessoas são expropriadas do pouco que tem, como um trabalho, e expostas a condições degradantes que as adoecem, até matam. Viabilizar moradia nos centros é uma maneira de reparar historicamente as injustiças que se comete contra a população de baixa renda, e enfrentar as desigualdades.

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