Por Jair de Souza, para Desacato.info.
Terminado o primeiro turno da eleição presidencial, todos esperávamos a realização dos tradicionais debates entre os dois candidatos que restaram para a disputa final. Pois, diferentemente dos debates televisivos do primeiro turno, nos quais uma dezena de candidatos se atropelam sem que ninguém consiga concluir uma ideia sequer, no segundo turno o confronto de opiniões e programas entre apenas dois concorrentes permitiria que o público assistente pudesse tirar conclusões bem mais fundamentadas sobre os contendores e seus planos de governo.
No entanto, o candidato que alcançou o primeiro lugar na fase inicial já demonstrou que não deseja participar em nenhum dos debates da fase decisiva. Mas, como pode ser assim?
Bem, não é muito difícil entender as razões para tal. Ponhamo-nos por um momento no lugar de Bolsonaro e dos coordenadores de sua campanha. Ora, eles estão cansados de saber que uma das principais razões para que Bolsonaro tenha tido uma votação expressiva se deve à capacidade que ele e sua equipe tiveram para esconder dos eleitores quase tudo de importante de seu programa de governo. Ao mesmo tempo, por meio de correntes robotizadas do whatsapp, facebook e outras redes, deslancharam uma monstruosa campanha de notícias falsas e instigação ao ódio para insuflar preconceitos sedimentados na mente da população e deixá-la completamente alienada das discussões sobre as coisas que mais pesam em sua vida. Como no whatsapp, no facebook e meios similares ele não precisa se confrontar com ideias diferentes e nem dar embasamento lógico às suas, fica tudo muito mais fácil para ele.
Agora, imaginem que, num desses debates televisivos, Fernando Haddad questione Bolsonaro sobre sua posição com relação a questões tão importantes para a maioria da população como as seguintes:
a) Bolsonaro ainda mantém sua posição de eliminar as leis de proteção trabalhista contidas na CLT, ou passou a entender que devemos revigorá-las? Será que já não pensa que os trabalhadores não precisam de leis para protegê-los da ganância de patrões inescrupulosos? Ainda acha que o trabalhador não deveria receber adicional de férias, nem a multa na rescisão de contrato ao ser despedido sem justa causa? Será que a opinião de seu vice, general Mourão, contrária ao 13º salário não é também a sua?
b) Quais são as propostas de Bolsonaro para atender as necessidades de educação pública de nosso povo, tanto com respeito aos estudantes como aos professores e demais profissionais da educação, além, claro, de sua posição sobre o famoso, mas nunca visto, kit gay? Será que ele mantém seu apoio às posições de seus mentores ideológicos de que a educação deveria ser inteiramente privatizada, como foi feito no Chile de Pinochet?
c) Como Bolsonaro pretende tratar o problema da saúde pública que tem enorme relevância para a esmagadora maioria de nossa população? Também continua defendendo as propostas de privatização emitidas por seu guru econômico, com a ênfase sendo dada aos planos de saúde particulares?
d) E a questão da moradia popular? Bolsonaro pretende manter o programa Minha Casa Minha Vida, ou tem algum outro ainda mais benéfico para o povo? Ou será que pretende simplesmente eliminá-lo?
e) Em relação à segurança pública, será que Bolsonaro tem planos e propostas que vão além de baixar a maioridade penal, autorizar as polícias a matar com menos constrangimento e dobrar ou triplicar o número de detentos no país? Ou será que já compreendeu que sem uma política de inclusão social, sem uma economia que procure incluir as populações marginalizadas, e não excluí-las, não será possível diminuir os níveis de criminalidade? Bolsonaro já entendeu que tão somente com a repressão policial e com a distribuição de armas para quem puder comprá-las, em lugar de diminuir, a violência e a criminalidade só tendem a aumentar?
f) Bolsonaro continua concordando com o congelamento por 20 anos dos recursos públicos destinados a programas sociais para, com isto, liberar recursos para pagar os banqueiros possuidores de títulos da dívida pública, ou mudou de ideia a respeito?
g) No tocante ao patrimônio público, Bolsonaro continua apoiando a entrega do pré-sal às multinacionais petroleiras e o desmonte da Petrobrás? Ele ainda apoia a transferência da Embraer para o grupo estadunidense Boeing, ou já reconhece que sem uma infraestrutura nacional forte o Brasil nunca poderá avançar como nação no contexto mundial?
h) Bolsonaro mantém sua confiança em seu mentor econômico, Paulo Guedes, que defende uma completa privatização das empresas públicas, incluindo a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, a Petrobrás, a Telebrás, etc, ou já se deu conta de que elas são muito importantes para gerar uma política que defenda nossa soberania e expanda a economia e, consequentemente, o nível de empregos para nosso povo?
Estas são apenas algumas das perguntinhas que lhe poderiam ser feitas nos debates. Mas, pensando bem, o que Bolsonaro tem para dizer abertamente para os eleitores brasileiros sobre estas questões? Ou seja, vendo as coisas do ponto de vista de Bolsonaro e de seus chefes de campanha, nada seria pior para ele que levar ao conhecimento dos eleitores o que ele realmente deseja para o país.
Em razão da carência de meios de informação plurais e democráticos, assim como pela vida de penúria a que está submetido, nosso povo tem grandes dificuldades para se informar conscientemente, mas, sem nenhuma dúvida, quando tem a possibilidade de conhecer o que pretendem fazer com ele, nunca faz a opção por aquilo que vai desgraçar a sua vida, a vida de seus filhos e netos, e a vida da maioria de seus compatriotas. É por tudo isto que Bolsonaro não deseja revelar o que realmente pretende implementar em seu governo, no caso de que fosse eleito. Em outras palavras, Bolsonaro sabe que precisa fugir dos debates.